Medalha de ouro de Arthur não foi por acaso: nível competitivo e estrutura precisam estar presente

Rodrigo Caron

Rodrigo Caron

  • REUTERS/Brian Snyder

    Arthur Zanetti comemora a medalha de ouro, inédita na história da ginástica artística brasileira

    Arthur Zanetti comemora a medalha de ouro, inédita na história da ginástica artística brasileira

Segunda feria, 6 de agosto de 2012, ficará  na história da ginástica artística brasileira. A data sempre será lembrada como o dia da primeira conquista olímpica do Brasil na modalidade.


O atleta Arthur Zanetti, com uma apresentação magnifica na prova de argolas, superou os favoritos, entre eles o tetracampeão mundial e campeão olímpico de 2008, o chinês Yibing Chen, e conquistou a medalha de ouro.

Arthur é um exemplo, não só como atleta mas também com pessoa, sempre muito humilde e extremamente dedicado aos treinos, respeitando seu treinador e todas pessoas que o cercam na modalidade. A conquista não poderia estar em melhores mãos.

Não posso deixar de citar aqui seu treinador, Marcos Goto. Ele também foi sempre um exemplo de dedicação ao esporte, de perseverança e obstinação, sendo exigente e detalhista ao ponto de ser taxado como ?louco? por muitos, em um país que ainda não conhece a exigência que o esporte de alto rendimento demanda.

E, em especial a ginástica artística, em que o mínimo detalhe faz a diferença entre a primeira e a ultima colocação. Ele, com certeza, é um merecedor, pois seu papel na mudança de comportamento de muitos do meio é indiscutível. Obrigado por nos encher de orgulho e dar essa alegria tão grande ao povo brasileiro.

É muito importante entendermos que as conquistas não acontecem por acaso. A ginástica artística brasileira evoluiu muito nos últimos tempos. Há pouco mais de dez anos as grandes conquistas internacionais eram algo inatingível. Hoje, temos muitos ginastas com grandes resultados, só para se ter uma ideia: Daniele Hypolito, Daiane dos Santos, Diego Hypolito, Jade Barbosa e Arthur Zanetti têm medalhas em mundiais e já vinham abrindo caminho para a ginastica nacional.
 
Chegamos, então, a maior conquista de todas, o ouro olímpico de Arthur. Precisamos entender que, para que isso possa se repetir, temos muito a evoluir. Não dá para achar que somente a força interior de um atleta é o suficiente para manter uma modalidade em alta.
 
O esporte no Brasil tem sérios problemas relacionados à falta de valorização das modalidades como um todo. E, na ginástica artística, que tem pouca tradição no país, isso é um problema ainda maior.
 
Se quisermos seguir um caminho de grandes conquistas, como a do Arthur, temos que aprender a valorizar não só a atleta que atinge seu objetivo, e conquista um resultado espetacular, mas também temos que olhar para toda a estrutura que o cerca.
 
A falta de lugares para se praticar a ginástica artística e a dificuldade para se conseguir aparelhos adequados para a realização de treinamentos de forma segura são uma realidade. Por isso, mesmo que a passos lentos, temos que nos atentar para muitos outros fatores
 
As categorias de base, por exemplo. Elas têm um papel extremamente importante na formação de um contingente de praticantes que possam suprir a demanda do alto rendimento. Porém, os técnicos de iniciação em geral não ganham o suficiente para se sustentar, sendo obrigados a trabalhar em dois empregos, muitas vezes deixam de lado suas famílias para se dedicar a sua função e mesmo tendo uma contribuição importante na formação de campeões olímpicos não recebem nenhum reconhecimento por conquista com esta.
 
Os árbitros, tão necessários para avaliação do processo de treinamento e evolução dos atletas, também não são reconhecidos e ficam desmotivados, muitas vezes deixando de se dedicar como deveriam a sua função e cometendo erros que causam grandes conflitos em competições nacionais.
 
Sem contar os dirigentes, principalmente os ligados às federações estaduais, que dedicam muito do seu tempo, sem remuneração alguma e, vivendo de recursos arrecadados juntos aos seu filiados. Acabam ficando de mãos atadas ao tentar melhorar as condições dos eventos e competições que promovem.
 
Na hora em que as coisa vão mal, ou ocorre o fracasso, todos são taxados de incompetentes ou mal preparados, mas poucos críticos conhecem a realidade da situação.
 
Isso tudo enfraquece a modalidade e diminui o numero de praticantes, principalmente no alto rendimento, fazendo com que a concorrência por uma seleção nacional não seja muito acirrada e dando aos atletas de ponta uma zona de conforto.
 
Isso é muito prejudicial na hora em que o atleta chaga a uma competição como as Olimpíadas, em que o emocional é muito importante e muitas vezes fica tão abalado que o atleta não consegue se manter com a calma necessária para realizar o melhor de si. 
 
Se tivéssemos vários atletas competindo internamente por vagas na seleção, três ou quatro atletas como Arthur, que credita muito do seu sucesso aos seus colegas de treino exatamente por ter alguns dos melhores competidores de argolas do país no seu ginásio, seria muito mais fácil atingir o nível que ele atingiu com uma estabilidade emocional ainda maior, pois a pressão seria rotineira e as Olimpíadas seriam muito mais próximas da sua realidade nos treinos.
 
Isto é o que acontece com os países que parecem conquistar todas as medalhas que entram para disputar, como os EUA e a China. A quantidade de atletas disputando uma vaga para a mesma prova é tão grande que a pressão é habitual e lidar com ela já é algo que tem que ter sido superado antes de chegar as olimpíadas, caso contrario o compatriota já teria tomado seu lugar.
 
É por isso que vemos tantos brasileiros perdendo chances que consideramos inacreditáveis de conquistar uma medalha. E quando conquistam uma medalha que não seja o ouro sempre os rotulamos como "amarelões"..
 
O Brasil tem problemas sociais muito sérios, que, claramente têm que ser priorizados, mas muitas vezes o esporte é a única forma de ascensão social disponível e a pressão se torna ainda mais forte, já que do outro lado da balança o contrapeso é enorme, podendo significar a continuidade de patrocínios e de uma carreira que não só sustentariam o atleta como toda sua família.
 
O esporte praticado de forma correta, em todas as sua dimensões, poderia auxiliar a solução de vários de nossos problemas sociais e ajudar muitas pessoas a ter um futuro melhor, independente do nível de performance que atingirem dentro da modalidade, pois fatores como disciplina e estilo de vida ativo, muito trabalhado no esporte trazem grandes ganhos na educação e saúde, por exemplo.
 
Espero que esta conquista sirva para chamar atenção para pontos importantes como este e sei que é a vontade de muitos no meio da ginástica. Nada melhor que uma medalha de ouro para dar uma oportunidade de dizer coisas importantes, sem parecer desculpas de quem não atingiu totalmente seu objetivo e assim poder melhor uma modalidade tão magnifica como a ginástica artística.
 
Esta conquista, como a maioria das conquistas neste nível, é fruto de um esforço que tem contribuição de um numero enorme de pessoas. Não dá daria para citar todos os nomes. Por isso, deixo novamente meus parabéns ao Arthur Zanetti e a seu técnico Marcos Goto que tornaram possível este sonho e neste momento representam toda a ginástica nacional.

FIRME E FOCADO, ZANETTI LEVOU OURO MESMO SEM CRAVAR A SAÍDA

Rodrigo Caron

Praticou ginástica artística por mais de 15 anos. Formado em educação física, se tornou técnico e começou a carreira em Bauru, com uma passagem de um ano nos EUA (Academia The Colony Gymnastics- Dallas TX). Na volta ao Brasil, trabalhou na Associação Brasileira A Hebraica em São Paulo e, atualmente, é técnico no município de Boituva (SP). Em 2008, virou árbitro internacional de ginástica e já esteve em competições internacionais, como no Pan-Americano juvenil de 2009 e a Copa do Mundo de Stuttgart de 2010. Nas Olimpíadas-2012, é comentarista do UOL

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