Corinthians inglês joga de rosa e chocolate e conta com apoio de torcedores brasileiros

Rodrigo Bertolotto

Do UOL, em Londres (ING)

  • Rodrigo Bertolotto/UOL

    Corintianos fazem formação antes da partida em que bateram a equipe da Scotland Yard por 3 a 2

    Corintianos fazem formação antes da partida em que bateram a equipe da Scotland Yard por 3 a 2

Parece gozação de torcedor rival: os policiais londrinos perseguiram na noite desta terça um grupo de 11 corintianos no sul da cidade. Mas o fato não tem nada a ver com o gigantesco esquema de segurança para a Olimpíada.

Era apenas um jogo amistoso em que o time visitante do MPFC (o Metropolitan Police Football Club, formado por agentes da Scotland Yard) teve que correr atrás do placar enfrentando os anfitriões no estádio do Corinthian-Casuals, o time amador de Londres que deu nome ao atual campeão das Américas.

Torcedores vão a Londres e cantam hino do Corinthians

E não faltou por lá o apoio de corintianos brasileiros, que já são frequentadores assíduos das modestas arquibancadas do time amador. “Nós pegamos um ônibus e três trens para chegar aqui. A sensação era que a gente estava indo ver o Timão no Itaquerão. É uma roubada, mas é emocionante”, descreve Thais Medina, que está fazendo curso de inglês com o namorado Silvano de França na cidade de Bournemouth, costa sul da Inglaterra.

O casal planeja acompanhar a seleção de vôlei masculino, tentando comprar ingressos na porta. “Viemos para Londres para ver a Olimpíada, mas, se não conseguirmos as entradas, já valeu a viagem. Conhecer onde o Corinthians começou é para poucos”, sentencia Silvano.

Poucos, mas fieis. “Tem sempre brasileiro aqui. No último sábado, no jogo contra o Kingstonians, tinha uns dez. Eles sempre trazem camisetas para nos presentear e compram camisetas aqui para levar de recordação”, conta o aposentado Brian Phillips, que é o faz-tudo no clube, vestindo a camiseta alvinegra paulistana para as fotos e definindo sua relação com o time como uma “love story”.

Entre suas tarefas, ele vende o uniforme do time (R$ 90) e cuida da bilheteria (R$ 15 é o ingresso normal, R$ 6 para os aposentados). O dinheiro arrecadado é para pagar o juiz e os dois bandeirinhas, que cobram R$ 160 por jogo – com 40 pagantes no amistoso, o montante ficou justo para não ficar devendo para os “referees”.

O Corinthian-Casuals é uma equipe da oitava divisão da Inglaterra e surgiu da fusão dos dois clubes em 1939. O Casuals é de 1883, e o Corinthian surgiu um ano antes.

Seu fundador foi N.I. Jackson, que à época era secretário da Football Association, a federação inglesa de futebol. A intenção era formar um time que fizesse frente aos escoceses, que tinham aplicado seis derrotas na seleção da Inglaterra.

O sucesso à época foi tão grande que o time nacional da Inglaterra contava com nove corintianos entre os titulares. E a Escócia começou a cair diante dos criadores do futebol.

O time londrino protagonizou uma história emblemática do espírito amador em 1891 quando foi criada a regra do pênalti. Os corintianos de então se negaram a obedecê-la, argumentando que não era justo que o juiz presumisse que o jogador teve intenção de fazer falta, afinal, a estrita conduta de seus atletas-cavalheiros não permitia que eles fizessem ou reclamassem de uma falta. Resultado foi que os corintianos cobravam para fora quando o pênalti era a favor, e seu goleiro ficava parado na trave quando a penalidade era contra.

A partir daí o adjetivo “corinthian” em inglês começou a registrar nos dicionários uma nova definição: o indivíduo que disputa uma partida com o máximo nível de espírito esportivo (fair play, na expressão local consagrada mundialmente).

Antes, o verbete “corinthian” no Oxford Dictonary era definido como os habitantes da cidade de Corinto (uma das cidades que disputava as Olimpíadas da Grécia Antiga). Como os nobres ingleses do século 19 quiseram resgatar o ideal atlético da antiguidade, os chamados “gentlemen of leisure” (os cavalheiros do lazer) passaram a ser chamados de “corintianos” – nada mais longe do lema “maloqueiro e sofredor” da torcida paulista.

Mas o momento-chave da história do clube aconteceu em 1907, quando o Corinthian disse “não” ao profissionalismo. “Nosso clube não compete por prêmios. Não existe nada acima do jogo e de seu código moral” foi um ditame dos dirigentes locais, em procedimento que mais parece saído do tão esquecido “espírito olímpico”.

À época, o Corinthian estava acostumado a bater o recém-formado Chelsea. Nos registros há duas partidas, com duas vitórias corintianas (1 a 0 e 2 a 0). Agora os corintianos londrinos têm de vencer sete jogos contra rivais amadores para conseguir entrar no chaveamento da Copa da Inglaterra (a F.A. Cup) para ter a chance de encarar o multimilionário Chelsea – o similar brasileiro só precisa bater uma equipe no Japão para dar de cara com o time azul de Londres na tão esperada e sonhada final no Mundial Interclubes em dezembro.

Mas isso não é de conhecimento do técnico do Corinthian londrino. “Ah é? São eles os sul-americanos que vão enfrentar o Chelsea? Não sabia. E olha que eu sou torcedor do Chelsea”, confessou Kim Harris, um construtor aposentado que dirige o time há três anos.

E peão é que não falta no time amador. Na escalação tem encanador, pedreiro, carpinteiro, pintor, azulejista e jardineiro. Mas também tem o reforço de um arquiteto, um contador, um bancário e dois professores. Todos só recebem uma ajuda de custo para pagar os gastos de viagem quando a partida é fora de casa.

O clube tem entre suas mais gratas lembranças as cinco excursões que fez ao Brasil. Em 1910, brilharam tanto em campo (aplicaram uma virada de 10 a 1 no Fluminense) que inspiraram a criação no bairro paulistano do Bom Retiro de um time com o mesmo nome e a mesma cor - o branco do Corinthian inglês, aliás, foi também a referência para o Real Madrid, mas hoje o time adota o “pink and chocolate” porque eram as cores do Casuals.

Em 1913, fizeram um novo giro pelos trópicos em um barco que viveu uma verdadeira novela, com um casamento, um nascimento, duas mortes e o cozinheiro enlouquecendo.

Já a viagem de 1914 foi totalmente trágica. A Grã-Bretanha declarou guerra quando os corintianos estavam em alto-mar. Eles desembarcaram no Brasil (Recife e Rio) e tiveram que voltar imediatamente para lutar – hoje há no clube um mural com os nomes dos 22 corintianos que morreram nas trincheiras da Primeira Guerra Mundial (1914-1918).

Em 1988, eles foram convidados para o centenário do SPAC, o clube inglês de São Paulo, e aproveitaram para enfrentar um combinado corintiano de Rivelino e Sócrates, que jogou os últimos 20 minutos vestido de rosa e marrom.

Em 2001, eles voltaram a São Paulo para encarar seus afilhados brasileiros. Mas, em 2010, eles ficaram decepcionados quando, após um convite inicial para participar da festa do centenário alvinegro, a viagem foi cancelada um mês antes.

“Aquilo foi uma desgraça. Criou tanta expectativa aqui, já tínhamos tudo organizado. A diretoria brasileira nem teve a cortesia explicar a razão”, reclama o presidente do clube londrino, Brian Vandervilt.

“O Corinthians do Brasil não tem nos ajudado em nada. Só mesmo a torcida, porque eles chegam aqui e demostram todo o afeto do mundo. É uma homenagem muito linda ver a alegria e a emoção em seus rostos quando entram em nosso estádio”, relata o dirigente, que é também torcedor do Arsenal e só foi ver o ciclismo na Olimpíada até agora.

No intervalo do jogo noturno, os espectadores se protegem da garoa correndo para o pub do clube. No calorzinho de lá e com uma cerveja na mão, os torcedores presentes acompanham as disputas de atletismo que acontecem no Estádio Olímpico. Nada se vê ou se fala da vitória parcial do Brasil sobre a Coreia do Sul nas semifinais do futebol masculino – o time de Neymar e Oscar venceu por 3 a 0 em partida no mesmo horário que o Timão inglês enfrentava os tiras.

Aliás, já estava me esquecendo: o Corinthian-Casuals bateu o Metropolitan Police F.C. por 3 a 2, com gols de Gabbidon, Goddard e Farrell. Alguns jogadores foram a pé até a estação de trem Tolworth para voltar para casa, outros pegaram seus carros no estacionamento ao lado. De tão preocupados com as medalhas de ouro na Olimpíada, nenhum jornal de Londres vai perder tempo publicando uma linha sequer da partida perdida no subúrbio sul da cidade neste agosto de 2012.

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