Wimbledon solta os cachorros para quem erra o caminho para o tênis olímpico
Rodrigo Bertolotto
Do UOL, Em Londres (Inglaterra)
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Rodrigo Bertolotto/UOL
Cão vencedor sobe ao pódio e é cercado por seus proprietários e treinadores para a foto oficial
Se trocar a esquerda pela direita na saída da estação de metrô Wimbledon Park (sul de Londres), você vai encontrar placas indicando o "Wimbledon Stadium". Você vai estranhar que o estádio é cercado por uma borracharia e um lava-rápido. Quando ouvir latidos saindo dos vestiários, vai ter certeza que dificilmente Roger Federer e Novak Djokovic estão emitindo aqueles sons.
Na verdade, você chegou à meca na Inglaterra para as corridas de galgos (na língua de William Shakespeare, "greyhound races"), cujo derby anual acontece ali desde 1927. Ao contrário do disciplinado e cerimonioso torneio de tênis de Wimbledon, ali é corriqueiro que o vencedor faça cocô no pódio.
"Tem cachorro na Olimpíada? Não? Então, não me interessa", brinca com uma cerveja na mão o frequentador Larry Matthews. Os únicos animais que competem na Olimpíada são os humanos e os equinos, enquanto os caninos se limitam à segurança no entorno das sedes. Mas nessa Wimbledon alternativa, eles brilham.
As provas de cachorros são uma versão reduzida de um Jockey Club. Os prêmios pelas apostas são mais modestos. As mulheres vão embonecadas, mas são menos elegantes que no hipódromo londrino de Ascot. E a pista é bem menor.
A cada prova, seis cachorros entram com suas focinheiras metálicas e seus uniformes coloridos e numerados. Eles desfilam com seus treinadores, até que são colocados na baia para a largada. Dado o tiro e aberta a portinhola, começa a rodar por um trilho lateral o coelho mecânico que é a presa que faz os galgos dispararem durante duas voltas.
A corrida canina tem seu primeiro registro em 1876, na localidade de Hendon, ao norte de Londres. Mas seu formato atual foi criado em 1919 na Califórnia (EUA) por Owen Smith ao inventar o tal "coelho mecânico" e foi reintroduzido na Inglaterra em 1927.
Um placar na parede do Wimbledon Stadium mostra os cães campeões desde 1927 no derby dos lulus. No hall da fama estão Monday`s News, Endless Gossip e I`m Slippy (traduzindo os nomes: Notícias de Segunda, Fofoca Sem Fim e Eu Sou Escorregadio).
E foi justamente o nome de um competidor que fez a reportagem do UOL tentar a sorte na quarta corrida da noite. O nome dele: Young Olympian. O mínimo valor da aposta é quatro libras (R$ 12). O jovem olímpico era o azarão. Se vencesse, o prêmio seria dez vezes o valor gasto.
Mas o auau escolhido foi mau. Ficou em quarto. Outro apostador ao lado também ficou frustrado com o resultado. "Não mais vou apostar em cachorro, cavalo ou humano. Só perco dinheiro nisso", se queixou o mecânico John Parsons, mordendo o bilhete da aposta.
Dentro da tribuna envidraçada, senhores faziam fila para apostar. Na geral ao relento, os jovens preferiam a fila da cerveja. Para eles, ir aos "Wimbledon dogs" é um programa para as noites de sexta e sábado. Muitos grupos preferem farrear e beber a dar atenção ao que acontece na pista.
A corrida de galgo ficou popular depois da Segunda Guerra Mundial (1939-45), quando o estádio foi bombardeado e depois reerguido. Depois foi perdendo prestígio. Atualmente, os 26 locais de competição no Reino Unido vendem anualmente 3,2 milhões por ano com 5.750 corridas, totalizando 75 milhões de libras em apostas.
Hoje em dia, a preocupação está com o destino dos competidores caninos após a aposentadoria (a carreira deles vai dos dois aos seis anos de vida). Aqueles que não eram usados para reprodução, acabavam abandonados e até sacrificados. Um programa atualmente incentiva que eles sejam adotados para virarem animais de estimação (um entre quatro acaba como "pet"). Quem regula a atividade é a Greyhound Board of Great Britain, legislando sobre o treinamento, o transporte e as condições de competições dos galgos.
Às 22h30, as dez corridas da noite tinham terminado. Alguns frequentadores esticaram a noitada, outros foram curar a ressaca e o prejuízo em casa. Já os cães eram embarcados em caminhão apropriado para os canis onde vivem. Enquanto isso, menos de um quilômetro dali, a dupla brasileira Marcelo Melo e Bruno Soares saía do templo do tênis britânico e voltava para os alojamentos depois de vencer os norte-americanos John Isner e Andy Roddick.