Maracanã vai ser devolvido ao governo do Rio. É uma questão de tempo

Lúcio de Castro

Lúcio de Castro

Colabração para o UOL, no Rio de Janeiro
  • Getty Images

A parceria entre a concessionária do Maracanã e o estado está por um fio. Uma conta que não fecha, onde a despesa é maior do que a receita todos os meses, é o fator primordial para que Odebrecht e AEG acelerem o plano de devolver o Maracanã para o governo estadual do Rio de Janeiro. Os estilhaços da prisão de Marcelo Odebrecht, detido na Operação Lava Jato desde 26 de julho, também contribuem para o fim da parceria.

Embora os sócios continuem negando a desistência, a decisão é tida como uma questão de tempo nos corredores e túneis do estádio. O estádio será usado para os jogos de futebol durante a Olimpíada e nem mesmo a sempre citada renegociação dos termos do contrato, que permitiria maior arrecadação e menos gastos para a empresa, chega a motivar os arrendatários a permanecer. O atual estágio de desencanto com o negócio começa a se refletir nos serviços, que vão sendo reduzidos ou cortados. Fornecedores estão sendo cancelados e serviços terceirizados correm risco, como o "Maracanã Tour", a visita guiada ao templo do futebol, terceiro ponto turístico mais visitado do Rio, atrás apenas de Cristo Redentor e Pão de Açúcar.

Na origem da conta que não fecha, está um plano de negócios turvado por interesses políticos que superestimaram a arrecadação possível e subestimaram os custos da operação. Fornecedores que sobrevivem por apadrinhamento político da esfera estadual, superfaturamento de serviços acochambrados na lista das despesas, e outros tantos ingredientes que resultam em um déficit anual de R$ 900 milhões para o consórcio.

Nos bastidores, sabe-se que Marcelo Odebrecht, entusiasta da operação lá atrás, era o responsável por novos aportes para bancar os prejuízos e seguir na operação como concessionário. Além de tentar se grudar ao inegável charme do mítico estádio, que na concepção do projeto serviria para melhorar a já então desgastada imagem da empresa, existia um outro fator para seguir apostando e remendando eventuais furos de orçamento com aporte de capital: o Rio de Janeiro, transformado em canteiro de obras olímpico, passou a ser o maior contratante da Odebrecht, através do braço de infraestrutura da empresa. Assim, perder um pouco de um lado, mostrar que estava perdendo no Maracanã e agradar a tão grande parceiro, era a garantia de forra em outras obras. O cartão-postal passou a ser uma imensa ferramenta de relacionamento com os mandantes do estado. O agora encarcerado empresário entendia que o Maracanã possibilitava duas frentes onde o eventual prejuízo se recuperava: na maquiagem da imagem e na compensação que viria nos demais contratos.

O protagonismo da empreiteira na Lava Jato tornou a ideia de resgate da imagem nula e já sem sentido. A outra frente também passou a ser de pouco ou nenhum efeito: a extrema fragilidade das contas do governo estadual do Rio, que o tornou inadimplente nas obras já contratadas, fez a ideia de perder no Maracanã para ganhar em outras obras também perder o sentido. Inativo, atrás das grades, Marcelo Odebrecht foi substituído por gestores que enxergam no Maracanã apenas um ralo de dinheiro que se esvai sem qualquer chance de retorno. Assim, seguir na operação seria apenas acumular perdas e mais perdas.

As perspectivas também não indicam mudança do que se projeta nos bastidores. Novas obras, antes estimadas em quase R$ 700 milhões aliviariam a conta. A realidade para as novas obras não chega a R$ 120 milhões. A concessionária já negocia mudanças no contrato há mais de um ano sem chegar a qualquer ponto que possa iluminar alguma perspectiva de zerar as contas.

Para completar, vem o pós-Olimpíadas, que deve deixar os cofres do Rio em imensa ressaca. Se atualmente faz-se uma conta de R$ 50 bilhões aproximadamente de gastos em obras na cidade no ano, no pós-olímpico elas não devem chegar a R$ 400 milhões, reduzindo ainda mais a eventual margem de compensação em outras obras pelo prejuízo no estádio.

Existe ainda o "Fator Flamengo" para adicionar uma pitada mais amarga ainda nesse tempero: independentemente do resultado das eleições presidenciais do clube, já é sabido que qualquer eleito tem a intenção de endurecer com o consórcio, radicalizando nos termos do contrato a ser renovado entre clube/consórcio, que vai até dezembro de 2016. Ainda que não grite mais forte por ter contraído empréstimo de R$ 27 milhões com o consórcio, nos corredores o clube da Gávea vai jogar pesado. E os sócios do estádio, embora também não revelem abertamente para não ferir sensibilidades dos outros 3 grandes, falam sem rodeios que o único que dá lucro no negócio é o Flamengo. Novos termos de contrato seriam mais um golpe nas finanças.

Não bastasse todos esses motivos, vem aí a delação premiada da Andrade Gutierrez. Parceira da Odebrecht na construção do estádio. Onze de seus diretores estão programados e devem jogar lama para fora. O iminente risco de não ficar pedra sob pedra do Novo Maracanã com a caixa-preta da obra e da concessão abertas, devendo sobrar ainda para as mais altas esferas do poder executivo do Rio, é visto com temor na empresa.

A obra e a concessão da exploração do estádio foi desde o início um processo caracterizado por disputa de cartas marcadas, licitação com final conhecido, descumprimento de orçamentos e total desprezo pelas regras de preservação do patrimônio histórico que não permitiam, em hipótese alguma, a descaracterização do Maracanã, garantido por tombamento.

A autorização para obras que descaracterizaram a fachada e a marquise, mudando totalmente a arquitetura do estádio, foi dada por um funcionário do estado cedido então ao Iphan (Instituto do Patrimônio Histórico Nacional). Na ocasião, o Ministério Público Federal tratou como ilegal a decisão do então superintendente do Iphan. Somente a Presidência da República poderia ter dado tal autorização e não uma canetada de um funcionário do estado. Em reunião, o conselho consultivo da instituição avaliou que a autorização foi "escandalosamente inaceitável".

A reportagem enviou algumas questões para a Concessionária Maracanã sobre a iminência do fim da parceria e do cancelamento de fornecedores já em vigência, além da perspectiva da delação da Andrade Gutierrez.

1- Já existe alguma decisão quanto a devolução da concessão do estádio para o estado? Qual é a posição do consórcio?

Resposta - Governo do Estado do Rio de Janeiro e Maracanã ainda estão em negociação sobre o reequilíbrio do contrato de concessão, com vistas à assinatura de aditivo que redefina o escopo e o cronograma das obras incidentais.

2- A decisão da Andrade Gutierrez em fazer a delação premiada e incluir as obras do Maracanã provavelmente tem a ver com eventual decisão?

Resposta - Conforme respondido acima, o processo de negociação sobre o reequilíbrio do contrato de concessão continua normalmente.

3- Alguns fornecedores do consórcio já foram cancelados, como os responsáveis pela visitação ao estádio, entre outros. Gostaria de saber qual a situação dos serviços cancelados, se há previsão de troca ou se não voltarão mais com o consórcio?

Resposta - Desde agosto de 2015, a Concessionária optou por não mais terceirizar o Maracanã Tour.

Lúcio de Castro

Lúcio de Castro é carioca. Formado em jornalismo e em história pela UFRJ. Conquistou algumas das mais importantes premiações nacionais e internacionais, entre eles o "Prêmio Gabriel Garcia Marquez". Autor de diversas reportagens com grande repercussão e impacto e de documentários que percorreram o mundo como "Memórias do Chumbo - O Futebol nos Tempos do Condor".

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