CBB paga também passagens e jantares de Paulo Schmitt e colegas de STJD
Os mais de R$ 3 milhões recebidos por Paulo Schmitt na Confederação Brasileira de Basquete (CBB) por um contrato de assessoria jurídica e com as vitórias em todas as licitações para convênios com o Ministério do Esporte são livres de despesas de qualquer tipo. Dos gastos mais simples como estacionamento e táxi (em reais ou euros) até jantares em bons restaurantes, viagens, pedidos de hotel com vista para o mar, passando pelo pagamento de passagens dos que estão sob o seu guarda-chuva. Tudo debitado na conta da entidade. Que repassa para os cofres públicos.
Os tentáculos do advogado no esporte vão muito além do cargo que ocupa de Procurador-Geral do STJD do Futebol. Na CBB, apesar de ter contrato de assessoria jurídica válido até 2017, no valor de R$ 35 mil mensais, atuou decisivamente nos bastidores na montagem do STJD do Basquete. Pouco tempo após a posse de Carlos Nunes, (5/5/2009), foi a vez do novo STJD do Basquete (2/7/2009). Na presidência, entra Fabrício Dazzi, para quem, em 12 de dezembro de 2009, Schmitt pede passagem e hospedagem por conta da CBB para participação do “Congresso Internacional de Educação Física”. E diversos membros do tribunal são também colegas de Schmitt no STJD do Futebol. Além da secretária comum dos dois STJDs, Joyce Nascimento, que cuida das coisas pessoais de Schmitt e também de toda a logística dos membros do tribunal junto a CBB por ocasião das reuniões.
Caso Schmitt tivesse levado para a CBB um código de ética, como o que o STJD do Futebol instituiu em 5 de setembro de 2014, onde o Artigo 3º determina que “imponha-se ao auditor desempenhar suas atividades sem receber indevidas influências ou vantagens de terceiro” ou logo no Artigo 1º que auditores atuem com “estrita observância dos princípios da independência e da imparcialidade”, talvez estivessem vetadas as recorrentes práticas entre CBB, Paulo Schmitt e os membros do STJD da entidade, verificáveis nos documentos obtidos pela reportagem através da Lei de Acesso à Informação.
Jantares e almoços no melhor estilo “boca livre”, em mesas formadas por membros do STJD, Paulo Schmitt e diretores da CBB, com a conta paga pela última e enviada para a prestação da Eletrobras. Frequentadores assíduos da renomada churrascaria com vista para o Pão de Açúcar, em mesas sempre repletas. Em uma das vezes, em julho de 2009, provavelmente não avisaram ao garçom Oliveira que a nota não poderia vir com bebidas alcoólicas e o descuido virou reprimenda da estatal: os 4 chopes na caneca e os 20 na tulipa foram riscados e apontados como “glosa”. Também um jantar de 15 de agosto com uma marguerita na conta levou caneta vermelha.
O descuido e o puxão de orelhas em forma de risco em caneta vermelha por parte do patrocinador valeu uma mini-cartilha. Pouco tempo depois do episódio das tulipas à beira mar de julho, no 5 de outubro, a secretária da CBB escreve para a secretária de Paulo Schmitt e enumera como devem vir as notas e a prestação de contas. Como deve vir marcada a despesa do táxi, do estacionamento e outras, e lá no item 4, a observação de que “despesas com bebidas alcoólicas não poderão constar nos comprovantes”. E o adendo quase em tom de desculpas porque “essas observações têm por finalidade atender exigências da Eletrobras no processo de prestação de contas”. O cochilo da nota com bebida é parte da soma total de R$ 2.533.786,06, só no que diz respeito de despesas anuladas na prestação de contas que a Eletrobras busca ressarcimento na justiça, em processo contra a CBB, que chega a quase R$ 5 milhões no total.
Poucos dias depois, a prova de que a lição fora aprendida. Em 16 de setembro, de volta a mesma churrascaria, para “jantar do STJD com 10 pessoas”, a nota para prestação de contas e reembolso de dinheiro público já não é mais a eletrônica e sim uma escrita à mão, onde de maneira genérica consta um “despesas” e só. Em 27 de novembro, “almoço com auditores do STJD- comissão disciplinar” também vem sem maiores discrições da conta.
Julgamentos do STJD também foram motivos de confraternizações, sempre à custa do dinheiro estatal. Em 22 de janeiro, logo após uma sessão, um jantar com nota já no padrão, assim descrito: “após julgamento do técnico Flamengo. Presentes: Luis Felipe, André Alves, Paulo Schmitt representando à CBB e Fabrício e João Bosco do STJD”.
Os passos de Schmitt são livres de despesa. Táxis, estacionamentos, restaurantes, passagens. E por vezes, um pedido de mudança de hotel para outro com vista para o mar, como está no e-mail de 26 de abril de 2011 para a secretária da CBB: “Segue plano de voo para reunião de segunda pela manhã...Preciso de hospedagem, de preferência no Windsor Atlântica (rs) mas se não der serve o Plaza mesmo kkk...”.
Embora o Artigo 36, item E, do Estatuto da CBB determine que “cabe ao presidente da CBB nomear e dar posse aos membros do STJD”, o mesmo estatuto determina, em diferentes artigos, a autonomia do tribunal. Como no Capítulo IV, artigo 32, parágrafo 1, que “denomina o STJD como unidade autônoma e independente da CBB”. Ou na Seção II, artigo 53, item P, que garante o “funcionamento autônomo e regular dos órgãos de justiça desportiva”. Uma autonomia necessária, porque, em última análise, a instância final para questões entre clubes ou atletas com a CBB será o STJD. Como na cláusula dos contratos de direitos de imagem que os atletas assinam obtidos pela reportagem, onde, na décima quinta cláusula está determinado que o STJD é o fórum para resolver qualquer questão entre as partes ou conflitos quanto a interpretação dos contratos entre eles. Assim, a última palavra para qualquer conflito envolvendo partes da modalidade será sempre do STJD. O que explica a necessidade da existência de um código de ética e do cumprimento dele.
Procurada, a CBB não quis se pronunciar.
A reportagem procurou Paulo Schmitt e enviou as seguintes questões:
- Sobre a consultoria jurídica que o senhor realiza para a entidade, gostaria de saber se não há conflito de interesses por ser Procurador de um STJD, mesmo que de outra modalidade, mas poder ter influência pessoal no STJD da CBB. Na formação e entre os funcionários do STJD existem pessoas ligadas ao senhor. Não existiria portanto este conflito de interesses já que as questões envolvendo partes ligadas ao basquete são, em última análise, arbitradas pelo STJD/CBB?
A resposta de Paulo Schmitt: "A composição do tribunal desportivo, no caso STJD do Basquete, como nas demais modalidades, segue indicações dos segmentos previstos em Lei. A CBB possui apenas a prerrogativa de indicar dois membros ao Tribunal Pleno e lista tríplice para Procurador Geral, não havendo que se falar em qualquer violação do princípio da autonomia e independência do referido órgão judicante".
- Nas prestações de contas públicas sobre verba oriunda da Eletrobras, encontram-se despesas do senhor, que estão além do contrato de assessoria, e gastos em contas justificadas em pagamento de refeições para membros do STJD. Gostaria de saber se é justificável este gasto, vindo de fonte pública e se não há conflito de interesses quanto aos gastos com membros do STJD, que irão julgar casos onde o senhor pode estar defendendo a CBB?
A resposta de Paulo Schmitt: "O custeio do seu funcionamento pela CBB através de recursos humanos para atividades de secretaria, e materiais, inclusive deslocamentos, alimentação e hospedagem, quando necessário, é exigido por lei".
- Entre as despesas existe o pedido de pagamento de passagem (efetuado) para o Dr Fabrício Dazzi, para um congresso de educação física, em Foz do Iguaçu, 12/12/2009. Qual a razão para tal pedido e se também não há conflito de interesses em tal pagamento, em virtude do STJD?
A resposta de Paulo Schmitt: "A participação de membros do tribunal em congressos e eventos, como o citado Seminário de Legislação Desportiva no Congresso Internacional de Educação Física, avaliadas hipóteses de conveniência, oportunidade e viabilidade econômica, é apoiada pela diretoria da CBB quando solicitado pelo interessado como ação voltada ao aprimoramento e capacitação da atividade diletante do órgão. Algumas solicitações relacionadas a justiça desportiva partem da assessoria jurídica tão somente por ser na estrutura interna da CBB a área mais próxima de tal atividade, e por não possuir o STJD personalidade jurídica e orçamento próprios".