Grego contratou serviço de ar-condicionado de empresa da mulher na CBB
Assim como ocorreu com Carlos Nunes, atual presidente da CBB, em diversas situações, as contas de Gerasime Bozikis, o “Grego”, (1997 a 2009 na presidência da CBB) também foram partes do processo em que a Eletrobras cobra R$ 4 milhões na Justiça, sendo que desses, R$ 2.308.235,25 (dois milhões, trezentos e oito mil, duzentos e trinta e cinco reais e vinte e cinco centavos) se referem a notas não aceitas. No caso de Grego, um padrão que se repetiu foram as vantagens que parentes dos dirigentes obtiveram, seja com manutenção de ar-condicionado ou empresas de marketing que prestavam serviços à confederação.
As notas e faturas, obtidas através da Lei de Acesso à Informação, revelam fatos até aqui desconhecidos: pagamentos para empresa em que consta o nome da mulher como proprietária; plano de saúde pago para toda família; e empresa do filho do cartola Roberto Beck, que era o braço direito da presidência na gestão, aberta as pressas para explorar o marketing da confederação.
Durante o mandato de Grego, a CBB pagou para a Krioar pela manutenção dos aparelhos de ar-condicionado da sede, no Rio de Janeiro. A empresa consta na Receita Federal como de propriedade de Diana Bozikis, mulher do ex-mandatário. Há um outro detalhe que chama a atenção: ao mesmo tempo em que pagava R$ 677,00 para a empresa familiar pela “manutenção”, emitia também notas no mesmo mês, como em março de 2009, para outra empresa do ramo, a Friomag Assistência Técnica pela limpeza de oito aparelhos, com valor bem menor, R$ 144,00. A reportagem não conseguiu apurar se as duas faziam manutenção dos aparelhos ou se apenas uma fazia e a outra apenas recebia.
A empresa dos Bozikis seguiu sendo beneficiada por negócios com a CBB mesmo depois da posse de Carlos Nunes, em 5 de maio de 2009. Embora durante o processo eleitoral tivessem discurso de distância e diferenças entre os dois, uma fatura de R$ 1.800,00 mostra a ação entre amigos na compra de um aparelho na Krioar. A data é pós-Grego, de 3 de junho de 2009.
A série de reportagens do UOL sobre a CBB mostrou ainda outras transações realizadas na gestão de Gersime Bozikis, como os negócios de pai para filho envolvendo um dirigente da entidade. Roberto Stuart Beck era o vice-presidente da CBB e integrante do conselho fiscal. No dia 15 de novembro de 2003, a CBB assina contrato com a Atto Sports Marketing. Sócio majoritário: André Stuart Beck, filho de Roberto, o braço direito de Gerasime Boziks. Antes da Atto, André constava em outra empresa de marketing com mais três sócios. De acordo com os registros da Receita Federal, a constituição da Atto, já sem os sócios da empreitada anterior, é em 11 de setembro de 2003, apenas dois meses antes da assinatura com a CBB.
Além da proximidade entre a constituição da empresa que vai explorar o marketing da CBB e a assinatura do contrato entre ambas, existe uma outra data que merece atenção: cerca de um mês antes da constituição da Atto Sports, começa a entrar um volume de dinheiro jamais visto antes na entidade. É a assinatura do primeiro contrato CBB e Eletrobras, firmado em 14 de agosto de 2003. O ECP- 00012/2003, no valor de R$ 1.500.000,00 (um milhão e quinhentos mil reais). Objeto do contrato: "Seleções Brasileiras de Basquete Feminina Adulta, Sub-21, Juvenil e Cadete, e ao 6º Campeonato Nacional de Basquete Feminino Adulto".
Os tentáculos de Roberto Beck sob a gestão de Gerasime Boziks na CBB não se limitaram a fechar acordo com agência de marketing do filho. Também a empresa de assessoria contábil prestadora de serviços para a entidade é do guarda-chuva de Roberto Beck, a Dracma Assessoria Contábil. Em cujo site está contada a história de que a empresa foi fundada por funcionários da Cory Irmãos Comércio e Representação, pela qual Roberto Beck é citado em processos na justiça. Também no registro da Receita Federal, o endereço eletrônico da Atto para contato é o da Dracma. E o endereço constante na Receita não deixa dúvidas quanto aos elos: Cory Irmãos, Atto Sports e a antiga empresa de marketing, Sport Com Marketing, do filho de Roberto, tem o mesmo teto, no início da Avenida Rio Branco, centro do Rio de Janeiro.
Entre os documentos obtidos pela reportagem, está um e-mail que une as empresas prestadoras de serviço dos Beck na CBB, Atto e Dracma, trocado entre um diretor da entidade e um sócio da Dracma: "Sérgio estaremos fazendo amanhã o depósito de 1 mês, grato pela compreensão, em relação ao pagamento da ATTO SPORT FAREMOS na data de hoje".
A contratação de uma agência do filho de um dirigente vai contra as normas de contratação dos convênios abastecidos com verba pública, que determina "realização de, no mínimo, cotação prévia de preços no mercado, observados os princípios da impessoalidade, moralidade e economicidade". Além de vice-presidente da CBB, Roberto Beck também era do Conselho Fiscal. Segundo o estatuto da CBB, em seu artigo 34, cabe ao integrante do Conselho Fiscal "opinar sobre qualquer matéria de natureza financeira que lhe for encaminhada pelo presidente", "denunciar erros administrativos ou violação da lei ou destes estatutos". Assim, Beck opinava e decidia sobre os negócios da entidade com a empresa do filho e com outra também ligada a ele.
A despesa do “Due Ladroni” foi recusada na prestação de contas
Os inúmeros vetos para notas apresentadas por ambos revelam um padrão comum entre os dois últimos gestores da entidade máxima do basquete brasileiro: o gosto pela boa mesa, gastos com familiares, pagamentos inusitados no Brasil e no exterior, compras em free shop internacional e as mais diversas e inimagináveis motivações, compondo um modelo perdulário de gestão onde a maior parte das verbas é de origem pública. Já a CBB segue atolada em dívidas, finanças desequilibradas e desenvolvimento da modalidade em níveis indigentes.
A conta de Grego no afamado restaurante de Cuiabá foi rejeitada. Outras tantas notas tiveram o mesmo destino, glosadas por serem despesas pessoais, custos não discriminados ou não atenderem aos critérios do patrocinador.
Era também na lista de despesas da CBB o plano de saúde, tanto médico quanto dental, de Grego e de toda a família Bozikis. O casal e mais duas filhas. O extrato de março de 2009 apresentado na prestação de contas para a Eletrobras, obtido, assim como os demais documentos, através da Lei de Acesso à Informação, trás em garrafais letras vermelhas a recusa do patrocinador em cobrir a despesa já paga pela CBB. “Somente a Presidência” acompanha os riscos feitos no nome dos demais cobertos pelo plano de saúde. E ainda se pode ver, a lápis: “só Grego”. O patrocinador não endossou e a despesa ficou por conta da CBB mesmo.
Curiosamente, em julho de 2009 ainda existe fatura de plano de saúde para toda a família Bozikis na conta da entidade.
No melhor estilo que Carlos Nunes iria consagrar anos depois, Gerasime Bozikis também se valeu diversas vezes do cartão corporativo da CBB para gastos pessoais. Entre eles, alguns pouco comuns e não usuais. Como o que aparece na fatura do Hotel Conrad, em Porto Rico, no dia 19 de março de 2009. São 14 dólares gastos em despesa que aparece como pagamento para filme no quarto. A reportagem tentou contato com o hotel para saber quais são os tipos de filme pagos à parte no cardápio do estabelecimento, sem conseguir resposta. Gerasime Bozikis também não respondeu a indagação enviada pela reportagem:
“Nas notas de viagem estão despesas até com filmes no quarto, como em viagem para Porto Rico. Gostaria que comentasse se possível e qual o tipo de filme, já que foi apresentado na prestação de contas”. Sem resposta.
Durante seu mandato, Grego encheu o tanque com o cartão corporativo da CBB. É o que mostram diversas notas fiscais e recibos do cartão. Um filtro de ar, comprado em um posto da Lagoa, no Rio, em 25 de abril de 2009 foi glosado pelo patrocinador.
Restaurantes foram constantes e Ipanema o bairro preferido para as incursões gastronômicas. A despesa de 24 de abril de 2009, na finada e sofisticada filial do bairro da pizzaria Excellenza acabou glosada na prestação de contas. O fim de mandato foi em ritmo alucinante de gasto com o cartão em boas mesas. Alternou a pizzaria Capricciosa da Barra com a de Ipanema, com direito a uma escapada na filial do Jardim Botânico, e, ainda que grego, fartou-se preferencialmente de massas italianas. No mesmo Jardim Botânico, diversificou os sabores na sofisticada, afamada e não muito em conta Escola do Pão, onde sua mesa transitou do mil folhas e creme brulee e o famoso “encontro perfeito” da casa, um brownie com calda de chocolate e sorvete de baunilha, passando pelo carpaccio e salada de camarão. A pièce de resistence foi o “Italianinho”, um ravióli de alho poró ao molho de quatro queijos. Sem dispensar uma ida ao Rancho Português, famoso pelo bacalhau, com a parte da frente na Lagoa e a lateral já em Ipanema. No bairro preferido lançou “reunião de diretoria” na nota para um encontro no tradicional Garden.
Gastos em farmácias também se sucederam mas na maior parte não foram reconhecidos pelo patrocinador, ficando o ônus para a CBB.
Recusada também foi a compra com o cartão da CBB em conhecida loja do ramo de presentes e decoração da Barra da Tijuca. A estatal não aprovou a compra de uma almofada com bichinhos, de um relógio digital de parede e outro analógico, um capacho de sisal e um singelo lixinho para carro.
O abril alucinante de Grego, em ritmo de “último baile da Ilha Fiscal” do mandatário que se despedia da CBB acabou se transformando em uma imensa glosa no extrato do cartão corporativo.
O Estatuto da CBB fala em coibir práticas de gestão como benefícios pessoais. No Artigo 3º, parágrafo 2º, consta que "na captação, gestão, aplicação e prestação de contas de quaisquer recursos, bens, serviços e direitos, a CBB implementará ações que visem a observância dos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade, economicidade e da eficiência". E o 3º parágrafo: "A CBB adotará práticas de gestão administrativa, necessárias e suficientes a coibir a obtenção, individual ou de forma coletiva, de benefícios ou vantagens pessoais, em decorrência da participação no processo decisório da entidade".
A reportagem procurou Gerasime Bozikis para falar sobre os gastos pessoais realizados no cartão. O ex-presidente afirmou que "De janeiro 2003 até maio 2009, todos os contratos da CBB com a Eletrobras foram cumpridos integralmente e as prestações de contas aprovadas. Em maio de 2009 terminou o meu mandato e me retirei da CBB". Voltou a procurar para falar especificamente sobre os pagamentos da entidade para uma empresa da família. Gerasime Bozikis respondeu que “gostaria de informar que nada tenho para acrescentar”.
Procurada, a CBB não respondeu as questões enviadas.