Dinheiro do basquete era usado por mulher do presidente em Paris e Cancún

Lúcio de Castro

Lúcio de Castro

Colaboração para o UOL. do Rio de Janeiro

As faturas da Confederação Brasileira de Basquete (CBB) revelam uma vida de mordomias e alguns luxos do presidente Carlos Nunes e família. Cobertos em sua maior parte com verbas de origem pública, estão débitos de passagens para incontáveis viagens da mulher do dirigente, Clarice Mancuso Garbi. E no cartão de crédito corporativo da presidência estão mesas fartas, restaurantes de chefes badalados mundo afora com refeições regadas por bons vinhos e até compras de roupas em butiques europeias. Uma festa que começou no início do mandato em maio de 2009 e foi parar nos tribunais, onde o patrocinador (Eletrobras) cobra R$ 4 milhões pelas irregularidades cometidas na gestão do dinheiro. Deste total, R$ 2.308.235,25 (dois milhões, trezentos e oito mil, duzentos e trinta e cinco reais e vinte e cinco centavos) são de despesas recusadas na prestação de contas. Total de 63 notas glosadas por "gastos sem previsão contratual", como "passagens aéreas sem comprovação de viajantes autorizados".

Um breve exame por amostragem nos milhares de documentos de prestação de contas da CBB para a Eletrobras, obtida pela reportagem através da Lei de Acesso à Informação, é suficiente para constatar a farra do cartola do basquete brasileiro, apesar da entidade que preside estar endividada e a modalidade quase ter ficado fora das Olimpíadas por conta de inadimplência com a Federação Internacional de Basquete (Fiba). O estatuto da entidade prevê punição para mandatários com eventuais benefícios pessoais.

No dia 6 de abril de 2009, o cartão corporativo da CBB, em nome do titular Carlos Nunes, passeava por Madri e visitava a loja Sport 2000, na conhecida rua das compras da capital espanhola, a Calle de Preciados e comprava um suéter e um cinto de lona, gastando 55 euros no total, cerca de R$ 220, jogados na prestação de contas do patrocinador estatal.
 
A Espanha não foi o único destino internacional. Cancún e Paris também viraram roteiro de Carlos Nunes. E ainda com a companhia da sua mulher. O aniversário da primeira-dama do basquete brasileiro valeu uma comemoração no México. Clarice Garbi aparece acompanhando o marido na classe executiva, saindo do Rio de Janeiro para a paradisíaca Cancún, no México. Bilhetes confirmados para Mr Carlos Nunes e Mrs Clarice Garbi em 19 de junho de 2011 e regresso no dia 26. As duas passagens sob o mesmo código de reserva, pagos através da agência de viagem que faz as viagens da CBB e solicitadas por esta.  A reportagem perguntou sobre a viagem, razão e o ônus do custo do acompanhante para a CBB, sem obter resposta. Apurou-se que nas datas, o Brasil participou de um torneio sub-16 masculino no balneário. Em uma rede social, a mulher do presidente parece ter ignorado o certame e preferiu brindar a passagem do próprio aniversário ao lado do marido nas praias de Cancún. "Queridos amigos e amigas, amei muito todos os votos de felicidades no meu aniversário, só consegui ver agora já de volta ao Brasil pois em Cancún não entrei no Face". Embora não existam maiores notícias sobre a competição, sabe-se que foi boa a estada: "foi tudo muito bom, como está difícil voltar ao dia dia ehehe", atestadas também em fotos de mergulho em um mar deslumbrante. E a celebração da beleza do hotel e do aniversário ao lado do marido: "Eu não fui sozinha! Foi ótima a comemoração de aniversário em companhia do marido!". 
 
Talvez nem tenha dado tempo para desarrumar as malas na volta de Cancún e o casal já viajou para outro paraíso. Passagens emitidas pela CBB novamente. Tendo chegado ao Rio no dia 27 de junho, no dia seguinte (28) já estavam em voo noturno para Natal, para volta no dia 2 de julho. A agência de viagem, vencedora das licitações na maior parte das confederações esportivas do país, emitiu pela TAM os dois bilhetes e descreveu que estavam faturados pela CBB, e o centro de custo a ser debitado na contabilidade da entidade era a "Presidência". Depois dos dias juntos em Cancún e já de volta ao avião, Clarice Garbi e Carlos Nunes não devem ter se incomodado tanto pelos assentos separados, 07A e 22A. Na volta, no dia 2 de julho, Clarice Garbi manifestou-se na rede sobre a agenda concorrida depois de emendar Rio/Cancún/Rio/Natal: "Mais uma vez no aeroporto......Viajar também cansa!".
 
A mesma rede social que nos dias atuais a arquiteta é uma veemente crítica dos desvios de verba pública para uso pessoal. "Por mais que eu escute as notícias sobre a Petrobras, não entendo como nunca tocam no nome dos dois metralhas. Parece que foi tudo acontecendo mas Eles nunca são envolvidos". 
 
Em 18 de dezembro de 2012, no clima do mensalão, publicou foto de Joaquim Barbosa em que a legenda comemorava a perda de mandato dos deputados. E acrescentou: "No mínimo. E a grana volta?". E em 18 de novembro de 2013 voltou ao tema: "tá tudo bem, foram condenados mas o Money voltou pros cofres ou esta tudo (sic) para virar herança para as outras gerações????". No processo em que tenta fazer o dinheiro voltar para os cofres públicos, o patrocinador questiona alguns gastos de Carlos Nunes não previstos em contrato. 
 
Visitante de uma Paris mais tranquila do que nos dias atuais, no outono de 2009, entre o fim de setembro e os primeiros dias de outubro, Carlos Nunes desfrutou com gosto todos os encantos da Cidade Luz. Do coração da torre famosa, contemplando a vista pelos janelões do badalado restaurante 58 Tour Eiffel em meio a uma farta degustação de sofisticadas iguarias da culinária francesa, o cartola não poupou o cartão de crédito. Da CBB. Foram seis couverts de entrada e uma mesa diversificada em sabores, com salmão defumado, a irresistível sofisticação de um magret du canard, uma porção de Saint Pierre e volaille fermier. Fechando, creme brulle e profiterole, além do crepe que leva o nome do chefe da casa, o mundialmente famoso Alain Ducasse, cafés expresso e mariage freres. Tudo isso regado a duas garrafas do vinho considerado por analistas como "encantador", o Beajolais Saint Amour da safra de 2008, tido como de estrutura sólida, "com nariz de morango de madeira e vegetação rasteira, com leve sabor de cogumelo", seja lá o que isso quer dizer.
 
Conta: 417 euros, nos dias de hoje algo em torno de R$ 1.700,00. Devidamente debitados no cartão de crédito da CBB. Que, por sua vez, botou na conta do contribuinte, apresentando a despesa na prestação de gastos para a Eletrobras, que recusou boa parte dos gastos, enquadrando como "despesas não previstas em contrato".
 
A Paris de Carlos Nunes, ainda que um tanto óbvia mas nem por isso menos charmosa, privilegia cafés e restaurantes em lugares badalados e turísticos. Além do jantar no restaurante incrustado na torre, tem café no Georges V, nas largas calçadas da Avenida dos Champs Elysees, também escolhida para lauta refeição no Publicisdrugstore Restaurant. Sem sair muito do seu ponto preferido e recorrente na Cidade Luz, uma passada na mesma avenida, agora aos pés do Arco do Triunfo, no Chez Clement. Para mudar um pouco de ares, uma volta à torre para o Café du Trocadéro, na praça do mesmo nome. 
 
 A calamidade nas finanças da CBB também não impediram os gastos em loja de roupa no aeroporto de Genebra, Suíça. Exatos 650 francos suíços, nos dias de hoje cerca de R$ 2.480,00. 
 
Já os gastos no Brasil revelam um paladar plural. Do restaurante italiano em São Paulo, passando para peixes no Rio ou iguarias árabes, e outros que se destacam não pela comida em si mas por serem templos da boemia carioca, como a Fiorentina ou o galeto Sat"s. Em comum mesmo só a CBB como pagadora do cartão. 
 
A ideia do uso de dinheiro público para fazer política também aparece na justificativa para despesa de "jantar com diretores da FIBA América", no dia 23 de setembro de 2009, poucas horas depois do Brasil bater Porto Rico por 78 x 34 na estreia da Copa América feminina, em cuja nota consta também a presença da seleção. O total do jantar em uma peixaria de Cuiabá ficou em R$ 1.920,88.
 
As verbas para viagem se sucederam desde o começo do mandato de Carlos Nunes. Em 10 de outubro de 2009, o presidente da CBB passou o cartão corporativo da CBB na loja da TAM para comprar a passagem da mulher. Na prestação de contas, está a ressalva "Esposa do Presidente acompanhando". A passagem também consta dos documentos e mostra tíquete em nome de "Mrs Clarice Garbi" para os trechos Porto Alegre/São Paulo/Rio de Janeiro.  No dia seguinte, 11, já na capital gaúcha, a conta do tradicional El Viejo Panchos, veio com alguns chopes mas com a justificativa: "Refeição com presidente da Fed. Gaúcha – Reunião técnica-".
 
As despesas do cartão do presidente Carlos Nunes constantes no cartão corporativo referentes ao mês de outubro de 2009, total de R$ 7.794,79, foram totalmente recusadas na prestação de contas do patrocinador, recebendo a indicação de "glosa total". 
 
No dia 30 de outubro de 2009, um e-mail do staff da CBB solicita que o quarto de hotel de Carlos Nunes, em Ribeirão Preto, reservado como "single" entre 30 e 31 de outubro, passe a ser um duplo a partir do dia 31 até 2 de novembro, pela chegada de Clarice Garbi. Com faturamento de diárias, refeições e extras para a CBB. A fatura do hotel, de número 213774, é paga pela CBB em 7 de novembro de 2009.
 
Em 12 de abril de 2010, a CBB paga o bilhete entre Porto Alegre e o Galeão (Rio de Janeiro) para Clarice Garbi, constante na fatura FT00016714, paga pela entidade no dia 29 de abril. 
E quem financia tudo é o dinheiro de origem pública que vem do patrocínio da Eletrobras, como mostram as prestações de contas da estatal, onde as passagens estão debitadas nos custos do contrato
ECP 001/2009.
 
Em 31 de maio de 2010, é emitido outro bilhete em nome de Clarice Garbi, saindo do Rio de Janeiro com destino a Ribeirão Preto. Em companhia do marido. Constante na fatura FT00016845, que é apresentada pela agência de viagens para a CBB e paga no dia 9 de junho.
 
No dia 10 de junho é emitida nova passagem para a primeira-dama da Confederação, entre Guarulhos (São Paulo) e Porto Alegre. Paga pela CBB através da fatura FT00016886. 
Nessa mesma fatura consta a emissão, em 2 de junho, do trecho Ribeirão Preto/Porto Alegre. A CBB pagou ainda a multa por alteração de bilhete por parte da mulher do presidente. 
 
Mesmo com poucos meses de mandato, o presidente da CBB já dominava as chamadas benesses do poder. E-mails que figuram nas prestações de conta revelam a utilização do cargo desfrutando a máquina da entidade. Como no correio eletrônico da gerência da CBB para o hotel no Rio, em Copacabana, onde a entidade costuma preferencialmente botar seus hóspedes. Um apartamento cortesia para amigo do presidente é solicitado para um fim de semana carioca. O tipo de apartamento cedido para o amigo do presidente também é questionado.
 
"Prezada Rose, o presidente me solicitou para ver com você sobre o apto cortesia concedido para o amigo dele para este final de semana, qual conseguiste para ele?????? Por favor entre em contato com ele, urgentemente". 
 
Em abril de 2010, uma passagem Porto Alegre/Rio de Janeiro/Porto Alegre é emitida para Rafael Nunes, filho de Carlos Nunes. E um trecho Porto Alegre/Rio de Janeiro para o neto, J.P. Nunes. Ambas sob a fatura FT00016647.
 
Em 14 de fevereiro de 2011, Carlos Nunes aparece novamente fazendo cortesia com o cartão da CBB. Esta, como de hábito, apresenta a conta para o bolso do contribuinte. Na ocasião, o presidente da federação gaúcha de basquete, Gilson Kroeff, escreve para o presidente da CBB, comunicando que vai ao Rio para a assembleia da entidade, mas pede que seja providenciado um quarto de casal "para a patroa ir junto". Faz o adendo de que irá pagar a diferença. Na troca de e-mails que se segue, com a secretária da CBB incluída, a secretária pergunta para Carlos Nunes:
 
"A diferença das diárias será por conta dele mesmo, Presidente?". Generoso quando o cartão é o da CBB, o presidente responde:
 
"Não. Passagem da esposa também nossa". No dia seguinte os bilhetes do casal, Porto Alegre/Rio de Janeiro/Porto Alegre já estão emitidos e na conta da CBB.
 
No dia 10 de outubro de 2014, o presidente da CBB usa sua rede social para tentar vender 3 ingressos para Miami Heat x Cleveland Cavaliers a ser disputado no Rio de Janeiro no dia seguinte, parte da turnê do NBA Global Games. "Amigo e demais. Para o jogo de amanhã da NBA, tem três ingressos na seção 110, nível 1, setor vermelho, no preço oficial de R$ 300,00 cada".  
 
O Estatuto da CBB fala em coibir práticas de gestão como benefícios pessoais. No Artigo 3º, parágrafo 2º, consta que "na captação, gestão, aplicação e prestação de contas de quaisquer recursos, bens, serviços e direitos, a CBB implementará ações que visem a observância dos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade, economicidade e da eficiência". E o 3º parágrafo: "A CBB adotará práticas de gestão administrativa, necessárias e suficientes a coibir a obtenção, individual ou de forma coletiva, de benefícios ou vantagens pessoais, em decorrência da participação no processo decisório da entidade".
 
A reportagem tentou por diversas vezes contato com a CBB, através da assessoria de imprensa, para saber a razão das viagens do presidente e da mulher dele pagas pela entidade e sobre os gastos pessoais no cartão da entidade. A CBB respondeu, em sua página oficial, uma resposta por volta das 17h dessa quarta (25)
 
Foram enviadas questões e pedidos de resposta também para a arquiteta Clarice Garbi. A reportagem perguntou também se a mulher do presidente da CBB acredita que, caso a justiça dê ganho de causa para a Eletrobras e condene alguns gastos faturados pela CBB, se acredita que os valores devem ser devolvidos para os cofres públicos. A mulher de Carlos Nunes não respondeu.

Lúcio de Castro

Lúcio de Castro é carioca. Formado em jornalismo e em história pela UFRJ. Conquistou algumas das mais importantes premiações nacionais e internacionais, entre eles o "Prêmio Gabriel Garcia Marquez". Autor de diversas reportagens com grande repercussão e impacto e de documentários que percorreram o mundo como "Memórias do Chumbo - O Futebol nos Tempos do Condor".

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