Crise do basquete: Eletrobras vai à Justiça e pede R$ 4 milhões da CBB
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Divulgação
A relação da Eletrobras como patrocinadora do basquete brasileiro durou 10 anos
A Eletrobras, parceira de mais de 10 anos, agora está atrás do dinheiro perdido e abriu uma nova crise na Confederação Brasileira de Basquete (CBB). A estatal cobra mais de R$ 4 milhões na Justiça. O processo 0056563-84.2015.8.19.0001, que corre na 12ª Vara Cível do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ), movido pela Eletrobrás e que tem como ré a CBB aponta para uma série de irregularidades cometidas pela entidade esportiva na gestão da verba de patrocínio da estatal.
Os ingredientes desta nova crise são acusações fortes como "transferência de valores da conta específica do patrocínio para outras contas correntes sem a devida comprovação de utilização do recurso para o cumprimento do objeto do contrato". Total destas "transferências para outras contas correntes", de acordo com o pleito: mais de R$ 2 milhões. Também "despesas sem apresentação de notas/recibos ou sem previsão contratual" estão entre os elementos da ação. A defesa da CBB alega "ausência de provas". E argumenta ainda que o objetivo primordial do patrocínio é a exposição da marca do contratante. E estando isso alcançado, deve-se considerar o contrato cumprido.
O valor requerido na ação é de R$ 4.127.166,26 (quatro milhões, cento e vinte e sete mil e cento e sessenta e seis reais, vinte e seis centavos).
Problemas financeiros da CBB não são novidades. Em julho deste ano, o capítulo da crise foi a negociação da confederação para pagar uma dívida com a Fiba (Federação Internacional de Basquete). Caso não o fizesse, as seleções brasileiras poderiam ficar fora dos Jogos Olímpicos de 2016. Para aumentar os transtornos, a gestão do presidente Carlos Nunes tem uma dívida de R$ 13,1 milhões para administrar (entenda mais do balanço financeiro da CBB).
Por que a parceria com a Eletrobras terminou?
A questão com a Eletrobras é o novo episódio. A parceira da estatal como patrocinadora da CBB começou em 2003 e atravessou a administração de Gerasime Bozikis, o Grego, e a atual, de Nunes, na presidência desde 2009, totalizando mais de R$ 80 milhões investidos. Tal volume de dinheiro não foi revertido pela confederação em resultados para a modalidade, que ficou de fora em dois ciclos olímpicos no período do patrocínio no masculino e no feminino não obteve nenhum resultado mais significativo. Até aqui as razões apresentadas por ambas as partes para o fim da relação não revelaram o tamanho verdadeiro das divergências. Diminuição nos investimentos da estatal em virtude de crise na empresa é uma das alegações veiculadas. Mas as efetivas razões estão nas 549 páginas da peça que deve ser julgada em primeira instância ainda este ano.
A gota d"água em uma relação que já vinha conturbada veio após a assinatura do último contrato entre as partes, em 29 de maio de 2013, para execução do projeto "Basquetebol do Brasil 2013", que tinha como objeto a preparação de atletas das equipes femininas e masculinas das seleções brasileiras de base e a realização de seis competições interclubes para a categoria adulta/masculino. Valor total de R$ 5.577.189,15 (cinco milhões, quinhentos e setenta e sete mil, cento e oitenta e nove reais e quinze centavos), com pagamento em duas parcelas, sendo a primeira paga imediatamente após a assinatura e publicação no Diário Oficial da União, no valor de R$ 4.461.751,32 (quatro milhões, quatrocentos e sessenta e um mil, setecentos e cinquenta e um reais e trinta e dois centavos).
A desandada definitiva do casamento aconteceu após o pagamento desta primeira parcela. De acordo com a ação que corre na Justiça, ocorreram "sucessivos e reiterados descumprimentos contratuais por parte da CBB", apontados em prestação de contas não aprovada desta primeira parcela, o que impediu o pagamento da segunda parcial.
A acusação: mais de 60 notas usadas suspeitas
Uma das partes mais explosivas do processo está na página 162, onde a Eletrobras revela pontos de sua auditoria e aponta os deslizes da CBB em relação ao contrato entre ambas em trecho curto e demolidor, em que afirma que "verificou-se transferência de valores da conta específica do contrato para outras contas correntes, sem a devida comprovação de utilização dos recursos para o cumprimento do objeto do contrato". Total exato: R$ 2.308.235,25 (dois milhões, trezentos e oito mil, duzentos e trinta e cinco reais e vinte e cinco centavos).
A página 159 também carrega momentos pouco edificantes para o esporte nacional. Nada menos que 38 notas constam como anuladas por serem relativas a gastos "sem previsão contratual". E outras 25 não valeram. "Sem a devida comprovação", diz a auditoria reproduzida no processo.
Uma batalha de cartas, memorandos e circulares se estabeleceu entre as partes, muitas vezes em duros termos, até que em 31 de janeiro de 2014 o presidente da Eletrobras, José da Costa Carvalho Neto, aprovou a abertura de processo administrativo para pagamento do débito apurado e multa de 10% sobre o valor do contrato. E o aceno da rescisão contratual ou defesa prévia.
Entre idas e vindas, pedidos de prazo suplementar para prestação de contas por parte da CBB, impugnações de tais prestações, volta para novas prestações de contas, a Eletrobras concluiu em junho de 2014 pela impugnação das contas e estipulou o valor de R$ 4.127.166,26 (quatro milhões, cento e vinte e sete mil e cento e sessenta e seis reais, vinte e seis centavos). Sem a possibilidade de acordo, o processo administrativo virou ação penal que requer o pagamento por parte da CBB desta quantia. O julgamento em 1ª Instância deve ser ainda este ano.
O que a CBB diz?
Procurada pela reportagem para comentar sobre a ação, a entidade, através da assessoria de imprensa, respondeu que "a diretoria da CBB decidiu não comentar as perguntas encaminhadas". Mas através da ação, é possível verificar-se que a defesa da CBB alega ao longo de toda sua sustentação que a autora da ação "não possui elementos de prova que sustentem as alegações". Segundo a ré, "documentos produzidos unilateralmente que não apresentam provas materiais e o ônus da prova que não se constata na peça da patrocinadora". E o cerne da defesa é a argumentação de que, acima de tudo, um contrato como o em questão é um contrato de patrocínio em que "uma parte (a Ré – patrocinada) compromete-se a afixar a logomarca, nome e dizeres identificativos da outra parte (a Autora – patrocinadora). Esta é a essência da relação entre as partes". E não havendo no processo questionamento do cumprimento deste aspecto, a exposição do patrocínio, o objetivo estaria atingido e o restante (os não cumprimentos e faltas mencionadas pelo patrocinador) não seria a finalidade do patrocínio.
A Eletrobras também foi procurada pela reportagem e perguntada sobre as razões da ação. E por que só depois de 10 anos como patrocinadora tomou tal atitude já tendo tido problemas em contratos anteriores. Através da assessoria de imprensa, a empresa respondeu que "A razão pela qual a Eletrobras propôs ação em face da CBB se deve à inexecução parcial do objeto de contrato, e cobrança de valores apresentados e não aprovados na prestação de contas do contrato. Em situações anteriores foram aplicadas as penalidades cabíveis e os contratos encerrados com o cumprimento de seus objetos".
Em 2012, a Eletrobras já tinha retirado o valor de R$ 825.707,00 em virtude das falhas de prestação de contas da CBB no ano anterior. Em 2013, em entrevista ao site da própria entidade, o presidente da CBB, Carlos Nunes atribuiu os descontos a burocracia da estatal . "O motivo do déficit foi uma defasagem no patrocínio da Eletrobras. Alguns itens foram glosados, pois o contrato não previa. E por força burocrática, o patrocinador teve que glosar''. Entre as despesas apresentadas na prestação de contas da CBB e anuladas pelo patrocinador estão despesas pessoais de farmácia por parte de dirigentes da CBB, posto de gasolina, bebida alcoólica em refeições e outras despesas de ordem pessoal. Desde o encerramento do patrocínio, as duas partes tem sido evasivas quanto as verdadeiras razões do conflito. Mas o processo em questão não deixa dúvidas de que a sempre citada crise econômica aqui teve pouco a ver.
Cronologia do conflito
Lúcio de Castro
Lúcio de Castro é carioca. Formado em jornalismo e em história pela UFRJ. Conquistou algumas das mais importantes premiações nacionais e internacionais, entre eles o "Prêmio Gabriel Garcia Marquez". Autor de diversas reportagens com grande repercussão e impacto e de documentários que percorreram o mundo como "Memórias do Chumbo - O Futebol nos Tempos do Condor".