Bronze em 'era romântica', Servílio festeja fim de jejum no boxe, mas é cético para 2016
Maurício Dehò
Do UOL, em São Paulo
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Arte/UOL
Servílio de Oliveira em ação e com a medalha de bronze conquistada nos Jogos do México, em 1968
Passaram-se 44 longos anos, mas enfim o boxe brasileiro voltou a um pódio olímpico para, de uma vez, ganhar sua segunda e terceira medalhas na história. Primeiro pelas mãos de uma mulher, a baiana Adriana Araújo, e horas depois com o capixaba Esquiva Falcão. Num esporte em que o país não tem de fato uma tradição, mas que revelou talentos mundiais como Eder Jofre e Popó, um único bronze era até este momento a única conquista, com Servílio de Oliveira, nos Jogos de 1968, na Cidade do México.
Servílio era um garoto de 20 anos e faturou sua medalha em uma época que ele considera ter sido mais romântica no esporte, em que o amor à camisa falava mais alto e os recursos eram escassos. O paulista, hoje com 64 anos, relembrou a conquista em entrevista ao UOL Esporte. Ele comemorou enfim ver alguém igualando sua marca, mas, em tempo de profissionalização e grandes investimentos nas confederações, mostrou-se cético para o Rio-2016.
“É bom ver este jejum ser quebrado. É o momento das mulheres. De 30 anos para cá, entre o índio, o negro e a mulher, foram elas quem mais cresceram. Temos presidentes, ministras, então por que não uma medalhista no boxe?”, afirmou Servílio, sobre o feito de Adriana, depois aumentado por Esquiva. “Hoje o Brasil luta de igual para igual com qualquer um, mesmo quando perdemos, lutamos de igual para igual.”
De acordo com Servílio, o aumento no investimento, com recursos do Ministério do Esporte e também patrocínio da Petrobras - que investe mais de R$ 4 milhões no boxe - não chega como devia aos atletas e à base. O ex-pugilista acredita que a massificação que o esporte precisava ser feita mais cedo, e que isso pode comprometer conquistas ainda maiores na Olimpíada que será realizada no Brasil daqui a quatro anos.
“É importante os dirigentes verem que não é preciso investir muito. Infelizmente, esse dinheiro não é bem aproveitado, os atores principais, os lutadores, são quem ganham menos. Acho que no Rio teremos um resultado inferior. Os lutadores que foram para Londres estão trabalhando desde 2000 e não vão fazer muito mais do que isso”, completou Servílio, que teve sua ascensão fulminante no boxe interrompida por um deslocamento de retina, já quando era profissional e sonhava com um cinturão, repetindo os passos de Jofre.
Em seus anos de lutador, Servílio conquistava seus ganhos apenas por defender a Pirelli. Mas o salário não vinha apenas dos seus treinos e lutas, mas porque de fato trabalhava no clube, primeiro como colhedor de amostras, e depois no almoxarifado. “Hoje as confederações são donas dos atletas”, criticou.
Relembre a conquista de Servílio, em imagens de 2008
Veja Álbum de fotos1968: Foco no futebol e a questão racial
Medalhista de bronze em 1968 na categoria mosca, Servílio herdou não só uma página escrita no esporte brasileiro, mas quando se lembra da conquista também sempre destaca o que aprendeu em âmbito pessoal.
Negro, Servílio acompanhou de perto um dos momentos de comoção no México, com a saudação Black Power dos atletas norte-americanos, protestando contra o preconceito nos Estados Unidos. Também presenciou os protestos de parte do povo mexicano, que considerava que os gastos com os Jogos não condiziam com a situação do país.
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Servílio perdeu para mexicano na semifinal e ficou com o bronze; rival, lutando em casa, foi ouro
“Eu era um menino ainda, ignorante, mas me marcou participar das Olimpíadas que foram conhecidas como Jogos da Discórdia”, relembrou ao UOL Esporte Servílio, quando comemorou 40 anos de seu feito, em 2008. “Nas pistas de atletismo, os americanos negros fizeram o chamado Black Power, empunhando luvas pretas no pódio, em protesto pelo preconceito racial que sofriam nos Estados Unidos.”
A saudação aconteceu após a final dos 200 m rasos, no atletismo. Ao começo do hino norte-americano, o vencedor Tommie Smith e o terceiro colocado John Carlos levantaram os punhos e ficaram de cabeça baixa, em um protesto silencioso que correu o mundo pelas manchetes de jornais.
Diante de todos os problemas fora da esfera esportiva, dentro dela Servílio considera que se tivesse mais experiência e apoio, poderia ter voltado com o ouro. Para ele, as dificuldades eram grandes para chegar aos Jogos, já que, segundo o ex-pugilista, a mentalidade dos cartolas já priorizava o futebol em relação a outras modalidades, uma velha reclamação dos esportes ditos olímpicos.
“Se minha cabeça fosse outra, eu teria sido campeão, porque foi tão difícil sair do Brasil... O Brasil só pensava em futebol, como é até hoje, então não havia verba para mandar o boxe. Acabaram enviando dois pugilistas de última hora: eu e Expedito Alencar. No fim, ganhei a medalha, uma das únicas três do Brasil junto com atletismo (Nelson Prudêncio, prata) e vela (Burkhard Cordes e Reinaldo Conrad, bronze)”, explicou o paulistano.
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Na sua campanha pelo bronze, Servílio precisou de apenas duas vitórias. Bateu o turco Engin Yadigar e em seguida o ganês Joseph Destimo, a quem derrubou duas vezes. Na semifinal veio o grande desafio, contra o pugilista da casa Ricardo Delgado, mas ele perdeu e ficou fora do duelo pelo ouro. “Ele foi astuto lutando em casa, evitou o combate e saiu vencedor, ficando depois com o ouro. Com certeza eu seria campeão se passasse por ele.”
O feito de Servílio abriu caminho para ele apostar numa rápida profissionalização, em busca de um cinturão mundial. Um “acidente de trabalho”, no entanto, custou seu sonho. Em 1971, quando enfrentava Tony Moreno (EUA), levou uma pancada no olho e, apesar de seguir na luta e vencer, acabou diagnosticado com um deslocamento de retina e perdeu uma das vistas. O brasileiro ainda retomou a carreira e venceu mais combates, mas justamente por este problema foi impedido de realizar um duelo no Chile e, frustrado, se aposentou mais cedo, invicto.
Fora dos ringues, Servílio tentou seguir como técnico, mas se encontrou melhor como empresário no boxe. Ele foi o responsável por levar Valdemir Pereira, o Sertão, ao cinturão dos penas, no que foi o quarto e último pugilista brasileiro a virar campeão do mundo, o que de certo modo levou o medalhista olímpico ao título que ele sempre sonhou.