No pós-guerra, Antuérpia destruída abriga os Jogos e vê a estreia de um Brasil vencedor
Dois anos após o fim da Primeira Guerra Mundial, a Bélgica foi o local escolhido pelo Comitê Olímpico Internacional para sediar a Olimpíada. Em um cenário de destruição, Antuérpia teve que se virar como pôde para abrigar o evento.
O mais importante para as nações participantes era ter de volta os Jogos Olímpicos, cancelados em 1916 por conta do conflito. Ao indicar Berlim como sede da Olimpíada de 1916, o Barão de Coubertin, então presidente do Comitê Olímpico Internacional, ainda esperava contribuir para a paz na Europa e, assim, evitar o conflito.
A iniciativa, porém, não deu resultado. Quando se iniciaram as hostilidades, Coubertin fez pressão sobre os outros membros do comitê para mudar a sede dos Jogos para os Estados Unidos ou para a Escandinávia, regiões naquele momento não envolvidas no conflito. O COI recusou a proposta e, em 1915, quando se tornou evidente que a Alemanha não teria condições de abrigar os Jogos, a entidade anunciou o cancelamento da Olimpíada.
O adiamento deu ao Brasil a chance de se preparar melhor para conseguir uma boa campanha na sua estreia em uma Olimpíada. Com 29 atletas, a delegação nacional chegou aos Jogos mesmo sem ter ainda um Comitê Nacional. Convidado pelo COI, através de Raul Paranhos do Rio Branco, embaixador brasileiro na Suíça, os brasileiros alcançaram um desempenho que parecia promissor, com a conquista de três medalhas: uma de ouro, uma de prata e uma de bronze.
A participação brasileira, no entanto, quase foi cancelada. Quando o navio Curvello, cedido pelo governo do Brasil, aportou na Ilha da Madeira, em Portugal, o comandante percebeu que a delegação só chegaria a Antuérpia no dia 5 de agosto. Para conseguir estar na cidade a tempo das provas de tiro, a equipe desembarcou em Lisboa e seguiu viagem de trem.
Em cinco esportes (natação, polo aquático, remo, saltos ornamentais e tiro), os brasileiros tiveram bom desempenho apenas no tiro. O tenente do Exército Guilherme Paraense tornou-se o primeiro atleta brasileiro, e também sul-americano, a conquistar o ouro olímpico. O paraense de Belém venceu a prova de pistola de velocidade ou tiro rápido. As armas utilizadas pela equipe brasileira na disputa foram cedidas pelos norte-americanos, já que os brasileiros tiveram seu armamento e munição furtados durante a viagem.
A medalha de prata foi conquistada por Afrânio da Costa, na competição individual de pistola livre. Nessa mesma categoria, o Brasil conquistou o bronze, só que por equipes, com Guilherme Paraense, Afrânio da Costa, Sebastião Wolf, Dario Barbosa e Fernando Soledade.
O improviso
Uma das exigências dos belgas, que foram invadidos pelos alemães, para abrigar a Olimpíada foi a exclusão dos países derrotados na Primeira Guerra, encerrada dois anos antes: Alemanha, Áustria, Bulgária, Hungria e Turquia. Dessa forma, pela primeira vez na história dos Jogos Olímpicos modernos, disputas políticas impediram a participação de algumas nações.
Com pouco dinheiro para organizar o evento, os belgas construíram instalações precárias. A pista de atletismo, por exemplo, apresentava várias falhas e ficava impraticável em dias de chuva. Além disso, muitos atletas foram hospedados por famílias belgas. A competição só foi realizada graças à ajuda financeira de uma comissão de armadores navais e de vendedores de diamantes.
Apesar dos problemas, os Jogos de Antuérpia trouxeram inovações. Pela primeira vez foi feito o juramento olímpico, que já tinha sido utilizado de modo experimental nos Jogos Intermediários de Atenas, em 1906. O texto original era o seguinte: "Em nome de todos os competidores prometo que participaremos nestes Jogos Olímpicos respeitando e cumprindo suas regras, com verdadeiro espírito esportivo, para maior glória do esporte e honra de nossos países".
Em Antuérpia, o texto foi modificado com a intenção de dar um tom menos nacionalista, alterando as últimas palavras. A construção "de nossos países" foi substituída por "de nossas equipes". Em 1920, o belga Victor Boin foi o encarregado de pronunciar o juramento durante a cerimônia de abertura, com a mão direita levantada e a esquerda segurando a bandeira olímpica, em nome de todos os participantes.
Pela primeira vez, somente os Comitês Olímpicos Nacionais puderam registrar os atletas participantes. Antes de 1920, algumas associações nacionais não oficiais enviavam representantes para as Olimpíadas.
Também em Antuérpia apareceu a bandeira olímpica, com seus cinco anéis entrelaçados no fundo branco da paz, cada um de uma cor diferente (azul, amarelo, preto, verde e vermelho). Os anéis representam os continentes, mas, de acordo com o COI, é errado o conceito de relacionar uma cor específica a cada um deles. O comitê esclarece que as cores dos anéis, somada à branca da bandeira, representam todas as nações reunidas para participar da Olimpíada.