Uma prévia de um fiasco de dimensões olímpicas

Marco Evers

Da Der Spiegel, em Londres

  • Kerim Okten/EFE

    Vista geral da Vila Olímpica de Stratford, onde vão ficar os atletas durante os Jogos de Londres

    Vista geral da Vila Olímpica de Stratford, onde vão ficar os atletas durante os Jogos de Londres

Está evidente que Londres e os Jogos Olímpicos não foram feitos um para o outro. Os visitantes precisarão de determinação e, acima de tudo, de paciência para chegar aos locais dos jogos. E a população local gostaria que as Olimpíadas de Londres chegassem ao fim o mais rapidamente possível.

Nunca foi fácil ser londrino, nem mesmo em um dia de semana perfeitamente normal durante o verão inglês.

Todo mundo, seja rico ou pobre, enfrenta os mesmos problemas inerentes à vida de cidade grande em Londres. Para os londrinos, o dia tem início com o ruído de aviões – algo com o qual alguns jamais se acostumam –, em parte devido à escassez das janelas de vidros duplos ou triplos na cidade mais cara da Europa. 

Em Londres, carros, táxis e ônibus são formas ineficientes de transporte para viagens de média e longa distância. Devido a isso, dia após dia, milhões de pessoas se acotovelam no barulhento Metrô de Londres, o mais velho, provavelmente o mais quente, e frequentemente o mais lotado sistema de metrô do mundo. Depois, após a prolongada inalação de uma mistura de odores de suor e perfumes, as multidões fluem para as estreitas calçadas do centro de Londres antes de desaparecerem nos seus locais de trabalho. Lá, as pessoas podem finalmente dedicar-se àquela atividade que algumas delas ainda conseguem desempenhar satisfatoriamente nesta enorme, às vezes magnífica, mas frequentemente excessivamente tensa cidade: ganhar dinheiro. 

O mesmo drama se desenrola todas às noites, só que no sentido oposto. Cerca da metade da força de trabalho de Londres passa mais de 45 minutos por dia se deslocando até o local de trabalho – isso se tudo correr bem. Sendo assim, não é de se surpreender que tantos moradores tomem alguns drinques em um bar antes de seguirem para casa, recorrendo ao álcool para terem uma sensação um pouco melhor em relação ao local em que vivem e às suas vidas. 

A revista “The Economist” alega que 100 anos atrás Londres “possuía a melhor infraestrutura urbana do mundo”. Mas, atualmente, a cidade vê-se diariamente encurralada contra os seus limites. E agora esta grande cidade está prestes a sediar o mais complicado espetáculo do mundo, as Olimpíadas, pela terceira vez na história. Ela já foi sede dos jogos em 1908 e 1948. 

Sem margem de manobras em caso de problemas

Entretanto, desta vez já ficou evidente que os Jogos Olímpicos de Londres, que ocorrerão de 27 de julho a 12 de agosto, vão se constituir em uma árdua corrida de obstáculos para todos. 

A partir desta semana, o maior centro financeiro do mundo cairá em uma situação que geralmente só se vê em períodos de guerra. Aos seus 7,8 milhões de habitantes irá se juntar uma média de um milhão de visitantes adicionais por dia. O já sobrecarregado sistema de transporte público terá que administrar um volume adicional de três milhões de passagens por dia. Um total de 175 quilômetros das ruas da cidade ficará fechado para o tráfego normal. Quase o dobro do número de soldados que o Reino Unido mantém no Afeganistão, um navio militar porta-helicópteros e forças militares especiais armadas até os dentes farão com que a cidade dê a impressão de se encontrar sob estado de sítio. 

O departamento municipal de transportes por ônibus e trem, o Transport for London, anda nervoso. De fato, tão nervoso que fez um apelo para que os londrinos evitem usar o metrô, se possível, durante os jogos. 

O Transport for London está rogando aos moradores que permaneçam em casa, caminhem, locomovam-se de bicicleta, de patins, ou simplesmente saiam de férias durante os Jogos Olímpicos. O departamento está também suplicando aos bancos que criem estações de trabalho domésticas para os seus corretores, a fim de dissuadi-los a usar o seu meio de transporte usual, o metrô. O Transport for London sabe que o sucesso das Olimpíadas será decidido nos túneis e nas estações do metrô, alguns deles construídos na era vitoriana, especialmente aquelas instalações localizadas nas linhas Norte, Central e Jubilee. 

Após realizarem simulações de tráfego durante anos, as autoridades do Transport for London acreditam saber o que terão pela frente. Mas eles sabem também que o sistema antiquado à sua disposição não proporciona muitas opções de ação em relação a tudo aquilo que poderá dar – e que dará – errado. Não existe muita margem de manobra entre um cenário no qual tudo saia como o planejado e uma situação de caos total. Para perturbar esse equilíbrio delicado bastará apenas um trem quebrado, um turista idiota, um suicídio, uma onda de pânico ou um atentado à bomba. 

Aqueles que precisarão se locomover em Londres durante as Olimpíadas deveriam reavaliar as suas estratégias. O sistema alemão de entrega de encomendas DHL, por exemplo, pretende paralisar parte da sua frota de veículos de Londres, por saber que o tráfego na área do centro da cidade estará ainda mais lento do que a típica velocidade de tartaruga de 11 quilômetros por hora. O DHL pretende colocar nas ruas entregadores dotados de um preparo físico enorme, que correrão pela cidade entregando os pacotes durante os jogos. 

VILA OLÍMPICA COMEÇA A RECEBER AS PRIMEIRAS DELEGAÇÕES

Uma enorme e encharcada confusão

Mesmo nos períodos mais favoráveis, a maior e mais colorida cidade da Europa Ocidental é um local que exige dos seus moradores uma enorme tolerância ao estresse. Tudo nela é quase sempre simultaneamente caro e lotado, sejam os ônibus, os restaurantes, os concertos, os hotéis ou os espaços de moradia e trabalho. Como resultado, Londres ocupa uma posição modesta, o 38º lugar em uma lista de 221 cidades de todo o mundo, na Pesquisa Mercer de Qualidade de Vida de 2011, bem atrás de Viena (1º lugar), Munique (4º), Toronto (15º), Hamburgo (16º), Berlim (17º) e Cingapura (25º). 

E as Olimpíadas não deverão tornar a vida mais fácil para o cidadão londrino comum. “Não foi uma boa ideia infligir esse problema a Londres”, afirma o conhecido colunista Simon Jenkins. 

O maior, e problemático, aeroporto de Londres, o Heathrow, já opera com 99% da sua capacidade durante as operações normais. Mas agora ele terá que lidar com centenas de milhares de passageiros adicionais que chegarão e partirão em um curto espaço de tempo. 

Nas últimas semanas, as filas em frente aos balcões de controle de passaportes no Aeroporto de Heathrow já vêm aumentando enormemente. Passageiros furiosos – incluindo alguns da União Europeia, que recebem tratamento especial no controle de passaportes – tiveram em algumas ocasiões que esperar mais de três horas para entrarem no Reino Unido, que se recusa terminantemente a participar do Acordo de Schengen de fronteiras abertas que foi assinado por 26 outros países europeus. E o que faz Heathrow em uma situação tão complicada? A partir de agora, a proteção policial aos funcionários da alfândega está sendo aumentada devido às confusões que estão previstas. 

De fato, o potencial para cenas caóticas é tremendo. E isso mesmo se não houver nenhum ataque terrorista, uma possibilidade que os britânicos estão procurando evitar com o posicionamento de soldados armados e a instalação de mísseis terra-ar nos telhados dos edifícios de Londres. A M4, a avenida mais importante que vai do Aeroporto de Heathrow até a cidade, foi temporariamente fechadas devido a rachaduras descobertas em um viaduto. É duvidoso que Londres seja capaz de dar conta do desafio de transportar tantos passageiros até a cidade em um período de tempo razoável. 

Além do mais, existe também o problema representado pelo clássico mal tempo da Inglaterra, que faz com que muita gente ache que os Jogos Olímpicos irão se transformar em um fiasco. O tempo tem estado frio, úmido e cinzento desde a primavera, e o mês de junho passado foi o de maior pluviosidade já registrado. 

As previsões meteorológicas não têm sido nada boas: chuva, chuva e, sim, mais chuva. E a chuva não cairá apenas sobre os atletas, mas também sobre as cadeiras mais caras do Estádio Olímpico. Organizadores otimistas decidiram não colocar uma cobertura sobre essas cadeiras, ao contrário do que foi feito em relação ao restante dos assentos. 

Consenso local: “Não, obrigado!”

Com cerca de 28 mil jornalistas e técnicos registrados para o evento, ou quase o triplo do número de atletas olímpicos, todos esses problemas serão amplamente noticiados. Nunca antes uma quantidade tão grande de profissionais da mídia se reuniu em um só local. A rede de televisão norte-americana NBC estará participando com três aviões wide-body alugados e 2.700 funcionários. Há jornalistas vindo até de lugares tão distantes quanto o Afeganistão, a Somália, Kiribati e Nauru. 

No entanto, por mais estranho que pareça, esse entusiasmo global não é compartilhado pelos moradores locais. “Nós decidimos, coletivamente, osmoticamente, que detestamos essas Olimpíadas”, declarou o temido crítico do “New York Times”, que mora em Londres, A.A. Gil, em abril último. Ele acrescenta que os Jogos Olímpicos são caros demais, e só tornarão a vida mais complicada, a um tal ponto que será impossível pegar um táxi. “Mas, acima de tudo, existe uma coisa da qual esta cidade não necessita: mais turistas circulando por toda parte com um olhar estúpido na face e uma expressão de felicidade incontida”. 

Os britânicos comemoram as suas características nacionais com prazer e entusiasmo. Em 2011, o orgulho nacional os fez acompanhar uma cerimônia de casamento extravagantemente cara feita para o Príncipe William, o herdeiro do trono. O primeiro-ministro David Cameron decretou um feriado nacional de quatro dias para comemorar o 60º aniversário do reinado da rainha. 

Mas as Olimpíadas nada têm a ver com esse caráter britânico. Com esportes como boxe feminino, taekwondo, vôlei de praia, levantamento de peso e nado sincronizado na sua agenda, as Olimpíadas se constituem em um universo alienígena que está sendo imposto sobre Londres. E é por isso que os britânicos têm manifestado tão pouco entusiasmo pelos jogos. 

Da mesma forma que vários outros londrinos, Mark Shand, 61, cunhado do príncipe Charles e irmão da mulher dele, Camilla, escapará da cidade durante as Olimpíadas. Ele está apavorado devido às massas que paralisarão Londres. E Shand está falando sério quando propõe: “Eu acho que as Olimpíadas deveriam ser feitas na Grécia. Os gregos estão passando por muitos problemas. Eu acho que se eles sediassem as Olimpíadas a cada quatro anos, isso os ajudaria a sair da crise”. E, o mais importante, acrescenta ele: “Se isso ocorresse, as Olimpíadas não estariam ocorrendo aqui em Londres”. 

Fantasias caras

Quando o então primeiro-ministro Tony Blair aceitou a escolha de Londres como sede das Olimpíadas de 2012, em 6 de julho de 2005, os defensores do projeto falaram sobre a perspectiva de um espetáculo barato acompanhado de um milagre econômico, com um custo total de apenas 2,37 bilhões de libras esterlinas (3,02 bilhões de euros, US$ 3,71 bilhões). A Zona Leste de Londres, constituída de áreas arrasadas pela poluição industrial durante décadas, passaria por uma total limpeza e prosperaria como nunca. E uma geração inteira de crianças britânicas contrairia a febre olímpica e tornar-se-ia atletas. 

Mas agora ninguém está falando mais sobre tais esperanças. 

Um comitê parlamentar concluiu recentemente que os Jogos Olímpicos custarão apenas para o setor público 11 bilhões de libras esterlinas. Alguns críticos acreditam que o custo total para Londres será, na verdade, de cerca de 24 bilhões de libras esterlinas. 

Segundo uma pesquisa, a metade dos banqueiros da cidade teme que os problemas para o deslocamento de pessoas em Londres durante os jogos possa provocar distúrbios sérios nos mercados de securities. Ao se levar todos os fatores em consideração, as Olimpíadas provavelmente não compensarão o dinheiro e o esforço dispendidos – algo que, é claro, Cameron nega terminantemente. 

E quanto às crianças? Elas também não se tornaram atletas. Ao contrário, os meninos e meninas das ilhas britânicas estão entre os mais obesos da União Europeia. Os pobres da Zona Leste de Londres contam com um Parque Olímpico e com o maior shopping center da União Europeia. Mas eles continuam pobres. 

Embora Londres possua muitas atrações, elas não são daquele tipo que fariam da cidade o lugar ideal para sediar tal evento. E, como o Reino Unido é ao mesmo tempo um país endividado e democrático, não foi possível remodelar radicalmente a cidade para as Olimpíadas, como os chineses fizeram com Pequim em 2008. 

As Olimpíadas de Londres de 2012 provavelmente acabarão sendo como a própria cidade que está sediando os jogos: um pouco caótica, meio irritante, jamais perfeita, mas com bastante espaço para improvisação, charme e talento.

É claro que os moradores de Londres ficarão encantados, mas somente quando as Olimpíadas chegarem ao fim. 

Tradução: UOL

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