Ex-flanelinha sonhou com BBB. Não deu, mas agora ele é esperança para 2016

Maurício Dehò

Do UOL, em São Paulo

BBB ou Olimpíadas: o que traz fama mais rápido? É claro que o reality show global pode mudar a vida de uma pessoa em instantes e transformá-la em celebridade. E este chegou a ser o sonho do garoto do Capão Redondo Davi Albino. Ex-flanelinha, ele morou nas ruas de São Paulo, viu a mãe sofrer com as drogas, mas não foi na TV, e sim no caminho mais longo do esporte, que encontrou um caminho para enfrentar. Em troca de lanches, ele fincou os pés na luta olímpica e conquistou tudo o que tem com ela.

Tal qual fez Marcelo Zulu, no BBB 4, Davi já era da luta quando surgiu a oportunidade de tentar a sorte no reality. Foi sua mãe quem viu que as inscrições estavam abertas, providenciou um vídeo bastante humilde e aguardou.

"Foi minha mãe que fez. Ela viu as inscrições abertas, fez o vídeo e me avisou. Se tivesse a oportunidade, eu teria ido, sim, seria uma oportunidade de aparecer", conta ele.

Não deu. Mas o paulista de 29 anos não tem do que reclamar. Integrante da seleção brasileira e terceiro sargento da Marinha, ele morou nos Estados Unidos, comprou uma casa para a mãe e hoje tem um lar e seu carro. Para completar a trajetória, só falta conquistar a vaga nos Jogos do Rio, em 2016, e entrar de cabeça na briga por uma medalha.

Disputar medalha parece fácil diante do que Davi viveu lá na infância. "Eu tinha uns 3 anos, e minha mãe estava envolvida com drogas, começou a se envolver com tráfico e perdeu tudo. O namorado a roubou, e, para os traficantes não a matarem, mandaram a gente embora. Tomaram a casa como pagamento das drogas", conta ele.

Veja o vídeo que Davi mandou ao BBB

A rua virou o lar para a família. A mãe ainda mandava Davi para a casa da avó ou de outras pessoas, para evitar que ele ficasse na precária situação. Mas o menino foi crescendo e uma rotina se repetia: a mãe o deixava na casa de alguém, e ele fugia para ficar ao lado dela.

O bairro de Moema, em São Paulo, um ponto nobre na parte comercial, virou moradia e local de trabalho. Davi desde pequeno passou a cuidar de carros e vender tíquetes de Zona Azul.

"Na rua você passa de tudo. Tem o pessoal te humilhando, os perigos da noite de São Paulo, o frio, a chuva... É muita coisa", relembra Davi. Ele tomou conta de carros até os 15 anos em Moema, mas aos 11 já havia conseguido dinheiro com a mãe para deixar de morar na rua e passou a viver no Capão Redondo – um dos bairros mais violentos da capital paulista.

Jaq Joner/Divulgação/TV Globo
Não foi só Davi Albino quem tentou o BBB. Se o paulista mandou vídeo para a nona edição, o colega de luta olímpica Marcelo Zulu conseguiu entrar no reality no BBB4. Ele foi o sétimo eliminado

Além de trabalhos como office boy, numa copiadora e num mercado, uma opção que surgiu em sua frente foi o esporte. Como ficava próximo do Centro Olímpico, acabou chamando a atenção do técnico Joanilson Rodrigues, que deixava seu carro justamente nas mãos do garoto. Na época, o esporte era o judô. E a recompensa não eram medalhas, mas simples lanches. Mais tarde, Joanilson "descobriu" a luta olímpica e começou a dar aulas da modalidade, atraindo nomes como Davi e a vice-campeã mundial Aline Silva.

"Eu treinava e parava. O Joanilson sempre ia lá, me chamava para eu voltar. Falava que eu era forte. Eu era bem bravo, então ele queria transformar aquela raiva em esporte", explica o lutador. "E tinha os lanches, né? Então, eu treinava e comia. Como me conheciam, eles ainda davam a mais para eu dar para meus irmãos".

"Eu oferecia lanches, passe de ônibus, conversei com a mãe...", conta o mentor, Joanilson. "Desde criança, ele é um menino extraordinário, inteligente. Chegou a morar na pracinha com a mãe e irmãos, mas a gente sempre via um bom caráter nele. Isso o ajudou muito, até a aprimorar nível técnico. Para onde ele vai, seja Alemanha, Cuba, ele aprende alguma coisa, sempre tem algo novo que traz."

Os esforços valeram a pena. Hoje Davi usa seus 1,87 m de altura e a força de seus 103 kg para competir na categoria até 98 kg do estilo greco-romano. "É um esporte de muita força. Os movimentos são de bastante força, mas é muito fácil de aprender. Você só precisa de um short, mais nada, não é complicado. A diferença de antes é que não precisava mais do quimono (do judô) e tinha que ser mais agressivo. Foi por isso que gostei."

O paulistano é um dos únicos lutadores brasileiros com vitórias sobre cubanos – inclusive na terra deles – e coleciona outras conquistas como a prata na Copa Brasil e o ouro no sul-americano da modalidade. Agora, falta a vaga olímpica.

Para Londres-2012, Davi bateu na trave duas vezes, ficando dois eventos a uma colocação de carimbar o passaporte. Para lutar em casa, sabe que tem de ir ao limite para garantir a vaga no Pan, no Canadá, ou nos Pré-Olímpicos. "Agora estou mais preparado e mais maduro".

Para o mentor, Joanilson, ele tem quase todas as armas para ter sucesso. "Ele tem uma boa característica física. É muito forte e tem grande envergadura. O Davi tem o físico, é muito inteligente, só falta mais intercâmbio. A Confederação tem investido mais no feminino, mas não adianta para os homens fazer só Pan e Olimpíada. Precisa de dez, quinze competições no ano, para pegar experiência."

Além da rotina pesada de treino, hoje a vida é mais tranquila. Davi chegou a morar por quase um ano nos Estados Unidos, para integrar alguma universidade como lutador, mas não ficou por conta de dificuldades com o idioma. Como atleta, viajou o mundo. Hoje, é um dos contemplados com o Bolsa Atleta e também representa a Marinha – é terceiro sargento e recebe como qualquer outro integrante das Forças Armadas.

Os salários permitiram deixar de lado a triste realidade da infância. "A luta mudou minha vida, comprei a casa da minha mãe, em São Paulo. Eu consegui comprar uma casa no fim do ano passado para mim, hoje tenho meu carro... Tudo graças ao esporte."

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