Excesso de trabalho e medo de deportação afastam imigrantes brasileiros da Olimpíada
Rodrigo Bertolotto
Do UOL, em Londres (ING)
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Rodrigo Bertolotto/UOL
Família brasileira almoça e torce para o Brasil diante de Honduras, pelas quartas-de-final do futebol masculino nas Olimpíadas
Marco Túlio é do subgrupo dos motoboys dentro da comunidade brasileira em Londres e explica, na gíria deles, porque não consegue seguir as competições olímpicas nem pela TV. “Eu estou muito `busy´ (ocupado, em inglês) fazendo entrega e não está `easy´ (fácil, em inglês) parar para acompanhar ”, conta o mineiro que vive há oito anos na capital inglesa, junto com outros 120 mil compatriotas.
Kensal e Willesden são os principais redutos dos brasileiros e é fácil ver isso na avenida Harrow Road, que corta os dois bairros do noroeste da cidade. As placas de açougue, igrejas e cabeleireiras são bilíngues. E o que não falta são fachadas em verde e amarelo.
O UOL foi à região apelidada de Little Brazil durante o jogo em que a seleção derrotou Honduras, pelas quartas-de-final, e o que encontrou foi que, de 20 estabelecimentos visitados, em apenas três havia uma TV sintonizada no jogo do futebol olímpico.
“Semana passada os oficiais de migração pegaram 20 amigos meus e deportaram. Tem muita gente com medo de frequentar comércios brasileiros porque acontecem muitas batidas neles. Quando tem batida, dá uma esvaziada”, revela a mineira Fátima Rosa, 11 anos de Londres e há dois anos dona de café na região.
Os agentes da imigração costumam aproveitar a concentração de brasileiros para fazer blitz. "Tem restaurante por aqui que tem mais de dez batidas em seu histórico", completa Rosa. Outro modo de ação é, após receberam alguma denúncia, irem de madrugada nas residências dos ilegais para pegá-los dormindo.
O cálculo é que mais da metade dos brasileiros na Inglaterra é ilegal. O maior contingente vem do Triângulo Mineiro e de Goiás, mas há também muitos paranaenses e capixabas. O fenômeno mais recente é a chegada de brasileiros que estavam em países europeus engolidos pela crise do euro. “Na Espanha, tinha brasileiro passando fome. Aqui na Inglaterra pelo menos está menos ruim”, afirma o garçom curitibano Kleber Almeida, com seis meses na capital inglesa depois de três anos entre Espanha e Itália.
Na TV do rodízio em que trabalha, o time de Neymar e Oscar leva gol hondurenho. Na brasa, as linguiças são portuguesas e as picanhas chegaram da Austrália. Cupim nem pensar, porque as barreiras sanitárias locais proíbem. “Os ingleses estranham muito o garçom passando com as peças espetadas, mas eles gostam da fartura de carne de boi porque, para eles é cara no supermercado. Só não gostam do coração de galinha. Sempre comem um e não repetem”, afirma Kleber.
Outro restaurante brasileiro, o Galpão, anunciava na sua porta a transmissão do jogo. Um grupo de 15 brasileiros acompanhava a virada no placar tomando caipirinha e comendo feijoada em pleno sábado.
Mas o encontro entre a comunidade brasileira e as Olimpíadas não foi tão relaxante no passado. No dia 6 de julho de 2005, o COI (Comitê Olímpico Internacional) anunciou Londres como sede olímpica de 2012. No dia seguinte, uma série de atentados na rede de transportes da capital inglesa vitimou 52 pessoas e feriu mais de 700. Duas semanas depois, o eletricista mineiro Jean Charles de Menezes foi morto por policiais londrinos que o confundiram com um terrorista dentro da estação Stockwell do metrô – um mural por lá lembra sua morte.
O erro policial não gerou nenhuma punição aos envolvidos. E, por uma estranha coincidência, um dos policiais envolvidos na ação que assassinou o brasileiro é agora o técnico da seleção britânica de hóquei sobre grama nos Jogos Olímpicos.
No dia em que foi interrogado pela Comissão Independente de Queixas contra a Polícia (IPCC, na sigla em inglês), Andy Halliday foi também entrevistado para ser o treinador da equipe olímpica sub-21 da Grã-Bretanha, que depois o levou a assumir o time principal. Trocou de emprego, de vida e fala em entrevistas que o caso Jean Charles “é passado”.
Quem não consegue mudar de trabalho são os imigrantes brasileiros. A maioria está em subempregos na construção, na faxina, em cozinhas de restaurantes ou fazendo entrega de moto ou van. “A Internet acabou com o negócio dos motoboys, porque agora vai tudo por e-mail. Mas atualmente trabalhamos com entregas de gente que compra pela Internet. O problema mesmo é a concorrência de poloneses e indianos. Eles trabalham pela metade que a gente cobra”, conta o mineiro Tarlei Melo, há 20 anos na cidade.
O faxineiro mineiro Adriano Piloto prefere criticar Neymar, enquanto vê a partida por seu celular. “Ele mais atrapalha que ajuda. O Brasil joga melhor sem ele”, sentencia quando Honduras ainda estava à frente no placar.
Já Luis da Costa, natural de Uberlândia, encarna o privilegiado dentro da comunidade. É dono de restaurante, açougue e armazém, além de importador e distribuidor de produtos brasileiros na Inglaterra. Resultado: tem dinheiro e tempo para conferir de perto os atletas olímpicos. “Fui com a família para Cardiff ver a estreia do Brasil no futebol e já comprei ingressos para o vôlei masculino também”, conta o empresário que começou fazendo marmita dez anos atrás.
Ele importa de farinha de mandioca a pequi. Só o queijo de Minas que ele não consegue trazer, por barreiras de importação. Com isso, a massa do pão de queijo que vende é feita com o típico cheddar inglês.
O comércio local tenta fisgar o imigrante saudosista atrás do “pacotão Brasil”: coxinha, guaraná, bife acebolado, moqueca e até a invenção local X-Coração. Nos jornais e revistas da comunidade, há dezenas de anúncios de advogados que tratam de legalização e de dentistas brasileiros que cuidam daquilo que os ingleses tem fama de não cuidar muito.
Na parte músical, o axé conta com um “Carnalondres”, e o sertanejo universitário também já chegou à cidade dos Rolling Stones.
Parece que só mesmo a delegação brasileira na Olimpíada não está empolgando muito. No açougue “Delícias do Brasil”, o único monitor mostra o circuito interno. O goiano Edmilson Junior não sabe que o futebol brasileiro está em campo na Inglaterra. Convocado para colocar no canal que transmite, ele se complica todo até descobrir que só passa na BBC e em inglês. “Bom, eu não gosto de esporte mesmo. Só coloco a TV porque a clientela pede”, se explica Edmilson.