Olimpíada "rouba" policiais, banheiros e estrelas dos festivais de rock

Rodrigo Bertolotto

Do UOL, em Glastonbury e Pilton (Grã-Bretanha)

  • Divulgação

    Foto mostra típica cena do festival mais tradicional da Inglaterra, que só volta em 2013

    Foto mostra típica cena do festival mais tradicional da Inglaterra, que só volta em 2013

A cerimônia de abertura teve show ao vivo de Arctic Monkeys e Paul McCartney e dezenas de referências ao rock local. O que a festa no estádio olímpico não contou foi que o maior evento esportivo do mundo atravessou o caminho de 12 festivais de música da Inglaterra, inclusive Glastonbury, o mais tradicional deles.

FESTIVAIS INGLESES CANCELADOS

  • Divulgação

    Vacas pastam na fazenda Worthy, aproveitando o recesso do festival neste verão por conta dos Jogos

  • Rodrigo Bertolotto/UOL

    Vegetação encobre placas de trânsito para encontrar o local onde acontece o Festival de Glastonbury

  • Rodrigo Bertolotto/UOL

    O jardineiro aposentado Reginald Lynn mora na vizinha vila de Pilton e gostou do cancelamento

Todos esses festivais foram cancelados, afetados direta ou indiretamente pelos Jogos de Londres, o que inverteu a tendência de expansão desse mercado que só cresceu na Inglaterra neste século, mesmo com a crise econômica que começou em 2008. O consumo dos “festivalgoers” (ou turistas musicais) gera anualmente 247  milhões libras (R$ 750 milhões) para o país.

“A polícia falou que seus homens estariam todos à disposição das Olimpíadas. Não podiam vir aqui. Depois não conseguimos nem a metade dos banheiros químicos, porque estavam locados para os Jogos. Preferimos fazer uma pausa e voltar em 2013”, se queixou Michael Eavis, o fazendeiro que organiza há mais de 40 anos o festival em suas terras no condado de Somerset, sudoeste da Inglaterra.

Outro festival que culpou a Olimpíada pela suspensão foi o Big Chill, voltado para a música dance, que apontou a “indisponibilidade” de artistas e DJs porque muitos iriam se exibir nas centenas de eventos culturais que acontecem em Londres.

Não é para menos. Na abertura e no encerramento dos Jogos, shows pop foram montados na cidade-sede. No Hyde Park, no centro de Londres, se apresentaram as bandas Duran Duran, Snow Patrol e Stereophonics no mesmo momento que acontecia a cerimônia de abertura do Parque Olímpico.

No show programado para o último dia de Olimpíada, lá estarão Blur, The Specials e New Order – esta última banda ia tocar no festival Titanic Lockdown, que também foi cancelado. Os ingressos para esses shows esgotaram rapidamente e custaram 60 libras (R$ 180). Mas também não faltam atrações gratuitas pela cidade.

Revelador da situação, a segunda parte artística da abertura olímpica, nesta sexta, foi uma celebração de um dos principais produtos de exportação da Inglaterra: sua música pop.

A trilha foi dos anos 60 de Beatles, Rollling Stones, The Who e Kinks até a banda Muse da atualidade, passando por Led Zeppelin, Eric Clapton, David Bowie, Queen, Pink Floyd, Sex Pistols, Clash, Specials, Jam, OMD, Happy Mondays, entre outros. Não faltaram também figurantes vestidos com os uniformes psicodélicos do disco Sargeant Pepper e bonecos no estilo punk.

“Minha mulher e eu vamos tirar férias: iremos até Londres ver as Olimpíadas. É o que nos resta”, brincou Eavis sobre o magnetismo que a Olimpíada criou no país, puxando boa parte da cultura e da infra-estrutura do país para sua capital.

Quem tira vantagem de toda essa confusão são as vacas leiteiras da fazenda Worthy, que podem pastar durante o verão na grama onde, de outra maneira, estariam 180 mil pessoas pisando e jogando seus copos de cerveja e resto de comida.

Nos anos 70, o festival tinha fama de hippie, aproveitando a lenda de que parte da história dos cavaleiros da távola redonda, com o rei Artur, Lancelote, Excalibur, o Santo Graal e tudo, se passa em Glastonbury. Ainda hoje sobrevive um pouco da aura, afinal, o palco principal segue sendo em forma de pirâmide, e o evento tem sempre uma campanha política (nos anos 80 era o desarmamento nuclear, atualmente adota slogans ecológicos).

Na primeira edição (1970), a entrada custava uma libra e incluía um copo de leite por dia, da produção própria. Hoje em dia, custa 200 libras (R$ 600) e se esgota em horas, sem a pessoa saber ao certo todas as bandas  quem vão tocar.

Na segunda edição (1971), a principal atração foi David Bowie, cuja música “Heroes” serviu de trilha para a entrada da delegação britânica na festa de abertura. Para a próxima edição, em 2013, os ingressos já estarão à venda em outubro.

Glastonbury é definido como a Shangri-lá do rock inglês, mas é um paraíso que exige muitos sacrifícios. A inclemência da chuva britânica em geral cria de um lamaçal a um brejo na fazenda. Os organizadores recomendam levar capa, galocha e muitas mudas de roupa “porque você vai se molhar”. Roqueiros e roqueiras ficam ensopados, mas extasiados pela música, afinal, ir a um festival é como um ritual de passagem para os ingleses, principalmente para os adolescentes.

Apesar de se chamar Glastonbury, o festival acontece mais próximo da localidade de Pilton, onde os moradores estranham um verão tão tranquilo nas redondezas. “O festival dura quatro dias, mas para nós são três meses de confusão, com caminhões indo e vindo para trazer a estrutura toda”, conta o jardineiro aposentado Reginald Lynn.

Já a lojista Penny Warren não reclama do vizinho barulhento. “Quem vive aqui já acostumou. Fora que é bom para a economia local”, opina.

No ano sem festival, a vila parece deserta. Muitas casas estão para vender. A única loja entre suas casas está de portas fechadas. Enquanto Londres está superpovoada por atletas e torcedores, as pequenas Pilton e Glastonbury vivem um verão atípico sem as hordas de enlameados atrás de estrelas do rock. 

UOL Cursos Online

Todos os cursos