Ex-padre promete ir à maratona em Londres e quer dançar para pedir desculpas ao Brasil
Rodrigo Bertolotto
Do UOL, em Londres
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AFP
Cornelius Horan agarra o maratonista Vanderlei Cordeiro de Lima, que liderava a maratona em 2004
Londres tem um personagem da história olímpica que dança por suas ruas para completar o orçamento mensal. Em 2004, ele foi escolhido a figura mais odiada pelos irlandeses, seus compatriotas. E poderia constar em qualquer top 10 dos carrascos esportivos do Brasil ou dos momentos mais inusitados dos Jogos.
Cornelius “Neil” Horan, 65, mora em Nunhead, sul de Londres, de onde parte nos finais de semana ao centro da cidade para exibir seu “light jig”, uma dança típica de seu país. Entre os locais em que se apresenta estão Trafalgar Square e a catedral Saint Paul, pontos no trajeto da maratona.
REVEJA O EX-PADRE ATRAPALHANDO A MARATONA EM ATENAS-2004
E ele promete que vai estar perto da linha de chegada nos próximos dois domingos (no primeiro, correm as mulheres; no seguinte, os homens). Horan, porém, será escoltado por dois agentes da Scotland Yard, a polícia metropolitana de Londres.
“Tenho que comunicar por e-mail aos policiais quando vou ao centro. Às vezes, eles me pegam de viatura em casa para ir. Em outras, eles me encontram lá. Se vou sozinho e sem avisar, eles pedem para que eu saia do local. Principalmente agora na Olimpíada. No outro domingo, me expulsaram de Piccadily Circus.”
Tudo isso porque ele decidiu viajar para Atenas (Grécia) em 2004 para anunciar o apocalipse e acabou empurrando o maratonista brasileiro Vanderlei Cordeiro de Lima, que liderava a prova e terminou levando o bronze olímpico.
“Foram os anjos que me fizeram agir daquela maneira. Eu queria só aparecer para as câmeras segurando um cartaz que levei. Depois, quando vi a cena na televisão da delegacia, senti raiva de mim mesmo. Não sou um cara violento”, afirma o ex-padre.
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Ele afirma que o que mais quer na vida é pedir desculpas pessoalmente para Vanderlei. “Se ele falar que me recebe, começo a economizar agora para viajar ao Brasil e me mantenho lá dançando na rua. Quero dançar para as crianças abandonadas, para os índios, para os dirigentes esportivos.”
Como explicar um padre que anuncia o fim do mundo, atrapalha eventos esportivos e depois virou dançarino de rua? Talvez só lendo a biografia que saiu sobre ele na Irlanda em 2010: “Dancing Priest” (“O Padre Dançarino”, do jornalista irlandês Aidan O`Connor), que tem um capítulo intitulado “Sorry Vanderlei”.
“Será que há interesse no Brasil de traduzir esse livro? O que os brasileiros pensam de mim?”, pergunta Horan para a reportagem do UOL Esporte.
Vamos dar mais informações, então: Horan começou na vida religiosa em 1973, sempre em dioceses do sul de Londres. Em 1994, ele deixou da ter uma paróquia, depois que seus sermões começaram a anunciar o fim deste mundo, a segunda vinda de Jesus Cristo e a formação de uma comunidade mundial com capital em Jerusalém, algo não previsto pela doutrina católica. O irlandês ficou apenas como conselheiro da comunidade, sem dar missa.
Pouco antes, ele fora processado por ter se desvestido diante de uma criança de sete anos. A mãe dela, que estava presente na ocasião, moveu uma ação por assédio moral. Horan foi absolvido e, para comemorar, praticou uma de suas dancinhas na frente do tribunal.
Sua aparição para a fama aconteceu no Grande Prêmio de Silverstone de 2003, quando entrou correndo pela contramão em reta do circuito, quase sendo atropelado. Horan foi retirado da pista junto com seu cartaz (“Leia a Bíblia. A Bíblia está sempre certa”), por um fiscal que o arrastou para fora.
No ano seguinte, ele deu seu bote olímpico, passou uma noite preso e foi sentenciado a 12 meses de prisão ou uma multa de 3.000 euros. No final, a sentença foi suspensa, ele foi embarcado em um avião e deportado. Na volta, a Igreja decidiu proibi-lo de usar as vestes clericais.
EX-PADRE PEDE DESCULPAS PARA VANDERLEI CORDEIRO DE LIMA
“Já me chamaram de lunático, de louco, de idiota. Eu admito que sou excêntrico, imperfeito como todo ser humano. Mas sou um cara bom”, se auto-define. Em 2007, recebeu uma ordem judicial que teria de se ausentar de Londres durante a tradicional maratona da cidade.
A segunda virada em sua vida foi quando decidiu participar do “Britain`s Got Talent” em 2009, o mesmo programa de TV e o mesmo ano em que apareceu Susan Boyle. Ele, porém, não foi tão bem como calouro: foi reprovado pelos jurados. Mas, a partir daí, começou a se apresentar em outros canais e também nas ruas, quando é ajudado por um amigo polonês, que cuida do amplificador.
Segundo Horan, ele chega a ganhar 20 libras (R$ 60) em um dia como dançarino de rua, o que o ajuda a viver junto com as pensões que recebe do Estado (156 libras ou R$ 468) e da Igreja (paga o aluguel e as contas da casa em que vive).
Ele distribui cartões pessoais em que oferece seus serviços para “casamentos, aniversários e outros eventos”. “Não cobro cachê, só peço que as pessoas paguem o transporte e um lanche para mim. Danço para alegrar as pessoas e me alegrar. Sou depressivo desde a adolescência. E dançar é a única forma de me sentir feliz.”
Ele diz que não procura chamar a atenção para si, mas para as profecias em que acredita. E a dança faz parte agora de seus atos públicos. Só neste ano ele esteve com suas placas nas festividades do jubileu de diamante da rainha Elizabeth, no torneio de Wimbledon e no revezamento da tocha olímpica por Londres.
A última coisa que os britânicos querem agora é que Horan interrompa de novo uma maratona. “Esporte é uma nova religião, e seus templos são os estádios. Mas o esporte não explica a vida. A Olimpíada é um período de congraçamento, mas dura só duas semanas. Esse espírito vai estar presente quando Cristo voltar.” Horan promete se comportar.