O vento que derrubou Fabiana também trouxe lições para a torcida

Rui Barboza Neto

Rui Barboza Neto

O árbitro chama para o salto. Fabiana vai para sua última tentativa na altura de 4,55 m. Um minuto depois ela está fora dos Jogos e dentro das principais manchetes. Obviamente, nem nós do atletismo e muito menos ela e seu treinador, queríamos que fosse este o destaque de sua participação em Londres. Mas não tem como negar que a proporção gerada por sua precoce saída da prova foi grande, talvez maior do que se ela tivesse ganhado uma tão esperada medalha.

Neste momento tão triste, não só do atletismo, mas como do esporte brasileiro, não tenho dúvidas que algo de bom pode ser tirado. Não espere, leitor, que eu vá crucificá-la ou defendê-la. Irei, como já disse, analisar o que essa eliminação trouxe de bom.

A prova do salto com vara, há exatos 5 anos, graças a Fabiana e seu título no Pan do Rio de Janeiro, deixa de ser conhecida por suas piadinhas com conotações sexuais para se tornar uma prova de destaque e esperança por medalhas no atletismo do Brasil. Desde então o povo brasileiro passa a conhecer, mesmo que superficialmente, esta prova extremamente técnica. Fabiana é responsável por apresentar essa prova para o Brasil. Um ano depois, o Brasil todo acompanha seu drama em Pequim e ela ensina a todos que a cada determinada faixa de altura do sarrafo, o atleta tem um tipo de vara para saltar. Em 4 anos ela conquista dois mundiais (um em pista aberta e outro em pista coberta) e sempre figura entre as top 3 do ranking mundial. 

Neste ano vem o vacilo, a decepção e o linchamento virtual que vejo por parte de alguns jornalistas e de inúmeros torcedores. Então Murer, numa espécie de mártir da prova, deixa mais alguns ensinamentos e promove o debate. Ela apresenta a regra do tempo da tentativa que cada atleta tem para realizá-la. Poucos sabiam que este tempo existia e que era de um minuto. Pois bem, todos agora sabem o que é aquele reloginho em contagem regressiva ao lado das provas de campo. Quase ninguém sabia o que significava uma bandeira amarela nestas provas. Hoje já sabem que significa que restam para o atleta 15 segundos pra realizar sua tentativa.

E Fabiana apresenta, mesmo que em péssima hora, o vento. Fato que estimulou a parte comediante de muitos brasileiros, com suas tiradinhas, que nem sempre são tão engraçadas. Pois bem, pra quem ainda acha que o vento é um mero detalhe, terá de convencer a IAAF (Federação Internacional das Associações de Atletismo) disso. Primeiro pra tirar a biruta das provas, já que não faz diferença, não há necessidade deste instrumento para os atletas visualizarem. Depois peçam o fim do anemometrista e seu equipamento. E pra finalizar, que derrubem a regra que invalidou o recorde sulamericano da Rosângela Santos nas eliminatórias dos 100 m. Esta regra invalida qualquer marca feita com um vento a favor de mais de 2 m/s, ou seja, com o vento soprando nas costas do atleta.

Oras, através de estudos, medições e testes, a IAAF considera que o vento influencia na performance do atleta, em que este tem um benefício. Como que numa prova onde a corrida preparatória tem que ser feita com exatidão para o salto ser realizado na marca ideal, o vento se torna um detalhe insignificante? Ele pode alterar essa marca tanto pra trás quanto pra frente dependendo de onde ele bater. Se ainda duvida, por que acha que existem provas indoor? Só pra proteger da chuva e do frio? Chuva não é tão corriqueira em competições, mas o vento é. Não é a toa que muitos atletas de saltos realizam boas marcas, mesmo em começo de temporada, nas etapas indoor. O vento tem sua influência, e por mais que chiem, isso é um fato incontestável. Se ainda acha que é, repito, convença a Federação, ela é aberta a sugestões.

Assim como disse acima, neste texto não analisarei quais foram os fatores que levaram à saída inesperada da nossa atleta dos Jogos. Quero apenas mostrar que mesmo diante desta triste situação, o Atletismo brasileiro tirou algo de bom. E foi exatamente, mesmo que de uma forma negativa, apresentar para a torcida em geral pontos que poucos conheciam, com exceção dos que acompanham regularmente as provas da modalidade.

O argumento que o vento bate pra todos é válido. Nisso eu concordo e daria assunto para um novo texto. Mas que a prova do salto com vara desse ano ensinou algo que antes passava despercebido pela maioria dos espectadores, que levantou o debate e pôs o atletismo nos principais assuntos do dia, também é evidente.

Seria bom que essa frequência de debate fosse mais comum. Inspiraria as pessoas a entenderem mais do atletismo, modalidade que distribui mais medalhas em Jogos Olímpicos.

"As principais favoritas se classificaram para a final sem problemas"

Rui Barboza Neto

É bacharel em Esporte pela Escola de Ed. Física e Esporte da USP e treinador de atletismo e preparador físico da Associação a Hebraica de São Paulo. É comentarista do UOL nas provas de salto com vara e em altura.

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