China faz vingar "Projeto 119", vence Olimpíadas e vê EUA de longe

O Comitê Olímpico dos EUA fez uma ginástica matemática e apresentou o desempenho deles como excelente. Eles até utilizaram a estratégia de levar em conta o total de medalhas para comprovar que venceram a China -110 pódios contra 100 dos anfitriões.

Mas a verdade é que a China superou de longe a superpotência econômica e esportiva, com 51 ouros contra 36 dos visitantes. Afinal, é a presilha dourada o primeiro critério para a colocação no quadro geral. Tanto que se tornou o quarto país a superar a marca de 50 vezes subir ao ponto mais alto do pódio (o que só foi realizado pela URSS em 1972, 1980 e 1988, pela Inglaterra em 1908 e pelos EUA em 1904 e 1984).

Antes dos Jogos começarem, os EUA já estavam com o discurso pronto, afirmando que a batalha olímpica seria vencida pela China. "O time chinês é excepcionalmente forte e quase todos apostam que eles ganharão o maior número de medalhas de ouro", disse o chefe-executivo do comitê olímpico norte-americano, Jim Scherr.

Mesmo assim, os Estados Unidos reclamaram muito e em vários momentos, como quando a equipe feminina de ginástica rival ganhou sua primeira medalha de ouro, alegando que as meninas tinham bem menos que os 16 anos estipulados pelo Comitê Olímpico Internacional (COI) como limite para a competição.

Mas essas polêmicas só escondem o porquê do recorde chinês: a estratégia da Administração Geral de Esportes da China (o ministério do Esporte local), que recebeu o título de "Projeto 119". Começando em 2000, depois dos Jogos de Sydney, o plano foi acelerado no ano seguinte para a China vencer as Olimpíadas em casa.

O "Projeto 119" foi assim batizado por ser este o número de medalhas de ouro relacionadas a esportes individuais escolhidos para um investimento pesado, justamente aqueles em que o país não tinha tradição, como, por exemplo, esgrima, boxe e vela. Hoje, estes esportes representam até mais ouros: 144. Já em Atenas-2004, a tática mostrou resultado, e o país chegou a ficar na frente dos EUA durante a competição, mas acabou em segundo lugar, a quatro ouros do rival de ponta.

O esforço incluiu importar técnicos, como o russo Igor Grinko, responsável por um ouro e uma prata em um esporte sem popularidade no país-sede, o remo. A China conseguiu ouro também em modalidades como esgrima, tiro com arco, canoagem, vela e até dois no boxe. Já a medalha mais esperada, de Liu Xiang nos 110 m com barreiras, não veio porque o atleta estava machucado.

Mas os chineses também mandaram seus esportistas para fora. Yao Ming, do basquete, é só a cara mais visível. A prata e o bronze no vôlei de praia feminino, por exemplo, foi resultado de temporadas de treino no Brasil, que obteve as mesmas medalhas no torneio masculino.

No "Projeto 119", os governos de províncias e de cidades de porte médio e grande investiram em "internatos esportivos", onde os olheiros federais vão buscar as crianças que receberão treinamento especial. Para estes estudantes, muitos de origem pobre e camponesa, é tirar a sorte grande: terão ajuda financeira do Estado, moradia gratuita na própria escola, alimentação gratuita e horas de treino duro intercalados com o ensino do currículo escolar comum. As famílias sentem a ausência dos filhos, mas sabem que eles terão melhores chances de ascender socialmente como atletas. São cerca de 400 mil jovens chineses estão matriculados em três mil escolas esportivas.

Os filtros sucessivos levavam à nata chinesa que foi a delegação de 639 atletas que competiu nesta edição olímpica. Boa parte do sucesso cabe às mulheres, um dos nichos que o país encontrou para brilhar. Dos ouros chineses, mais da metade foram conquistados por elas, enquanto nos EUA elas representaram pouco mais de 1/3 das presilhas douradas. Daí se vê que não houve truque e sim planejamento por parte dos anfitriões e principais vencedores destes Jogos.