Leonas dizem que vitória não tem significado político nenhum; britânicas choram

José Ricardo Leite

Do UOL, em Londres (Inglaterra)

  • José Ricardo Leite/UOL

    Britânicas choram na saída em derrota no hóquei; Argentina está na final

    Britânicas choram na saída em derrota no hóquei; Argentina está na final

As jogadoras da seleção de hóquei da Argentina procuraram demonstrar indiferença em relação à questão política após a vitória por 2 a 1 sobre o Reino Unido, nesta quarta-feira, pelos Jogos Olímpicos de Londres.

Após a partida, as argentinas comemoram muito e dançaram no campo. As britânicas foram muito aplaudidas pelo público, mas demonstraram abatimento. Quase todas elas passaram chorando na zona mista e visivelmente abaladas.

As “Leonas”, como são conhecidas as argentinas do hóquei, disseram que as rivais podem ter sentido a pressão da eliminação em frente aos torcedores, mas ignoraram qualquer sentimento extra pela vitória ou dentro do jogo.

“Estamos muito tranquilas, foi difícil. Elas tinham a pressão de jogar em casa e ganhar. Acho que elas é que sentiram a pressão, mas só pela torcida. A gente só pensou em jogar”, falou Macarena Rodriguez.

“Historicamente tem essa rivalidade [pela questão política], mas pra gente pesou mais por valer a vaga na final. É um jogo normal. Não tem nada disso dentro do campo”, disse Silvina D´Elia.

“Não, não tem nada demais. O público foi respeitoso, e elas também. Estamos acostumadas a ganhar com torcida assim. Queríamos ganhar só porque não temos essa medalha. Nada mais do que isso”, falou Sofia Maccari. Na sexta, a Argentina encara a Holanda na final.

O duelo desta quarta foi o segundo, neste mesmo esporte, que remeteu à velha rivalidade política entre as duas nações pela Guerra das Malvinas. Na semana passada, o Reino Unido havia goleado o time sul-americano por 4 a 1, entre os homens.

Naquela ocasião, houve fortes encaradas entre jogadores dos dois times. Hoje, no entanto, o cenário foi diferente e dentro de campo o clima foi bem frio, porém, sem ânimos mais exaltados.  Em determinado momento, uma argentina acertou uma bolada não intencional sobre a rival britânica. E não pediu desculpas.

O encontro desta quarta foi o quarto nos Jogos de Londres entre as duas nações. Foi a terceira vitória do país sul-americano contra o Reino Unido na competição. Os britânicos venceram no hóquei masculino, mas daí para frente, só deu Argentina: 3 a 0 no vôlei masculino e 32 a 21 no handebol masculino.

 

SOBRE A GUERRA

A Guerra das Malvinas transcorreu entre abril e junho de 1982, quando o governo ditatorial da Argentina decidiu reivindicar a soberania do arquipélago no sul, ocupado pelos britânicos desde 1833. O saldo do conflito armado foi a recuperação do território por parte dos europeus, além de 649 soldados argentinos mortos.

Se em Buenos Aires é difícil não notar as frases de protesto contra os britânicos a respeito das Malvinas, em Londres as referências ao conflito são quase nulas, com exceção de um monumento na Trinidad Square Gardens, dedicado aos 255 mortos britânicos no embate.

A torcida local gritou bastante, mas sempre com incentivos ao time e sem ironias ao país rival, ao contrário do que acontecera no duelo entre os homens. Na semana passada, quando o Reino Unido vencia, parte da torcida britânica cantava a música “Don’t cry for me, Argentina” (Não chore por mim, Argentina).

Os britânicos aplaudiram as jogadoras argentinas no momento de anunciados seus nomes e também quando tocou o hino do país branco e azul.

Se a torcida do time feminino esperava um momento de vitória para fazer a provocação voltar à tona, se deu mal, já que as Leonas abriram o placar logo com 5min do primeiro tempo.

Mas nem por isso os britânicos pararam de cantar. Com músicas orquestradas por uma forte corneta, a todo momento batiam os pés no tablado e gritavam “GB!” (De Grã-Bretanha).

Quando a torcida argentina presente na arena ameaçava seus coros, os britânicos respondiam. Mas dentro de um clima esportivo, diga-se. As duas torcidas até se juntaram para fazer a tradicional ôla.

Mas nem o barulho de seus fãs fazia o Reino Unido assustar, e a Argentina administrava. Até que, restando 5min para o final do primeiro tempo, Carla Rebecchi fez linda jogada individual e marcou um golaço: 2 a 0.

Na etapa final, Alex Danson voltou a colocar o Reino Unido na partida com um gol aos 29min. Porém, já era tarde. As Leonas souberam se defender nos minutos finais e comemoram muito a nova oportunidade de conquistar a inédita medalha de ouro - levaram a prata em Sydney-2000.

Por outro lado, as jogadoras do time anfitrião caíram no gramado após o apito final, e deixaram a quadra sob aplausos da torcida que lotou a Riverbank Arena.

POLÊMICA ANTES DOS JOGOS

O hóquei causou uma polêmica antes dos Jogos Olímpicos ao remeter a rivalidade em função das Malvinas. Isso porque Fernando Zylberberg, nascido na ilha, participou de um comercial de TV cujo slogan era: : "Para ganhar em solo inglês, treinamos em solo argentino". A propaganda era oficial do governo, e o atleta aparecia treinando nas Malvinas. Ele acabou não indo para os Jogos, mas ao treinador alegou motivos técnicos.

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Antes do comercial com o atleta do hóquei, um projeto de deputados argentinos de estampar o brasão das Malvinas no uniforme olímpico do país foi banido no parlamento nacional, no fim de 2011.

Já em maio passado, durante encontro de chefes de estado no G-20, o primeiro-ministro britânico David Cameron recusou aceitar uma carta da presidente argentina Cristina Kirchner sobre o tema, em rejeição diante das câmeras e devidamente explorada pelo lado sul-americano do debate.

No mesmo mês, o Comitê Olímpico Internacional emitiu comunicado em que manifestava a preocupação de que os Jogos de Londres se transformassem em espaço de plataforma política.

Na mesma nota, no entanto, e entidade expressou a confiança de que a Argentina não usasse a oportunidade para divulgar a causa Malvinas, mas deixou a pressão nas entrelinhas.

O estatuto do COI prevê inclusive expulsão dos Jogos Olímpicos em caso de manifestação política no espaço do evento. Por isso, os dirigentes do esporte da Argentina assumiram o compromisso de que o caso Malvinas não seria lembrado em Londres.

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