Chefe dos Jogos de Londres dribla polêmicas e cita o algoz Joaquim Cruz: "Atleta fenomenal"
Luís Curro
Do UOL, em São Paulo
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Peter Macdiarmi/Getty Images
Seb Coe, presidente do Comitê Organizador da Olimpíada de Londres, foi rival de Joaquim Cruz em 1984
Presidente do Comitê Organizador da Olimpíada de Londres-2012 (Locog), o britânico Sebastian Coe evita polemizar sobre questões atuais, e pertinentes, relacionadas à preparação para os Jogos e à política no esporte.
Em contato por e-mail com o Locog, o UOL Esporte abordou tópicos como o orçamento para a Olimpíada (em especial o alto custo que um país tem para realizar o evento) e a longa permanência de Carlos Arthur Nuzman no comando do Comitê Olímpico Brasileiro – o cartola também acumula a função de presidente do Comitê Organizador da Olimpíada Rio-2016.
Em suas respostas, Coe, primeiro, decidiu não ir a fundo na questão dos gastos públicos, que têm preocupado autoridades do Reino Unido, e centrou-se na questão do legado, que ele assegura que será recompensador para a Inglaterra.
Depois, preferiu não entrar no mérito da longevidade dos dirigentes em determinado cargo (no caso de Nuzman, há críticas pontuais, como a feita neste ano pelo atleta olímpico Diogo Silva); para Coe, o mais importante "é ser dedicado e apaixonado" ao exercer determinada função.
Nascido em Londres 55 anos atrás, Coe foi um atleta olímpico de respeito. Não atingiu o status de lenda, mas pode ser considerado um dos melhores meio-fundistas já vistos nos Jogos: é dono de duas medalhas de ouro e duas de prata. As conquistas de Coe foram nas Olimpíadas de Moscou-1980 e Los Angeles-1984: ouro nos 1.500 m e prata nos 800 m nas duas edições.
CRUZ BATE COE EM LOS ANGELES-1984
- Então recordista mundial dos 800 m, Sebatian Coe era considerado o favorito para conquistar o ouro nos Jogos de Los Angeles. Só que um jovem talento, de longas pernas e passadas, surpreendeu e pôs o Brasil no topo. Assista à prova.
- RELEMBRE A OLIMPÍADA DE 1984
Na Olimpíada nos EUA, perdeu a final para um brasileiro, Joaquim Cruz (ganhador de duas medalhas olímpicas), considerado por Coe um atleta "fenomenal" em sua época e a quem admira pelo atual engajamento no esporte.
Coe também subiu quatro vezes ao pódio nessas duas distâncias em Campeonatos Europeus de atletismo, entre 1978 e 1986: um ouro (800 m), duas pratas (800 m e 1.500 m) e um bronze (800 m). Cravou ao todo 11 recordes mundiais ao longo da carreira, incluindo os em pista aberta (oito) e fechada (três).
Na década de 1990, entrou na política e representou o Partido Conservador no Parlamento por seis anos. Nos anos 2000, engajou-se na campanha para levar pela terceira vez a Olimpíada à capital inglesa (Londres foi sede em 1908 e em 1948), e diz-se que o discurso que fez em Cingapura em 2005, pouco antes da escolha da cidade-sede, foi determinante para o triunfo londrino.
A seguir, a entrevista de Coe ao UOL Esporte, na qual ele também comentou sobre as perspectivas de medalhas de seu país em Londres-2012 e sua expectativa geral para os Jogos do Rio-2016.
UOL Esporte - Atenas e Pequim, sedes das Olimpíadas de 2004 e 2008, respectivamente, estouraram seus orçamentos e hoje pagam o preço. Muitos dos locais de competição tornaram-se elefantes brancos, sem uso para eventos esportivos ou para atividades da população. Na Inglaterra, o orçamento inicial era um, hoje é outro, maior, e já surgem reclamações. O que dizer a respeito?
Sebastian Coe - Quando nos candidatamos aos Jogos, quisemos ter certeza de que só construiríamos arenas que pudessem oferecer um legado de longo prazo. E é por isso que adotamos uma combinação de arenas novas, arenas já existentes e arenas temporárias para a Olimpíada de Londres-2012. Cerca de quatro anos atrás, a Companhia do Legado do Parque Olímpico [OPLC, na sigla em inglês] recebeu a tarefa de ajudar a administrar o legado das arenas. Nossa visão sempre foi a de deixar um legado duradouro e queríamos assegurar que só ergueríamos instalações permanentes no Parque que pudessem ser utilizadas por muito tempo depois que a Olimpíada acabasse, pelas pessoas de Londres e do resto do Reino Unido. A OPLC recentemente anunciou que vários locais do Parque Olímpico já conseguiram arrendatários por um período de legado longo. A área no leste de Londres em que está o Parque Olímpico foi completamente restaurada e uma nova comunidade ali se estabeleceu. As fantásticas arenas permanentes do Parque Olímpico oferecerão um enorme legado para toda a população londrina.
Quando você consegue ver pelos olhos de um atleta, você consegue proporcionar Jogos [Olímpicos] excelentes para os atletas
SEBASTIAN COE, chefe da organização dos Jogos de Londres, indicando que esportistas devem ser ouvidos para que uma Olimpíada seja bem-sucedidaUOL Esporte - Geralmente o país-sede melhora sua performance esportiva na comparação com a Olimpíada anterior. Em Pequim, o Reino Unido conquistou 47 medalhas (19 de ouro, 13 de prata e 15 de bronze). O Comitê Organizador projeta algo para 2012 em relação ao resultado?
Coe - Essa é uma questão que provavelmente você poderia fazer ao Comitê Olímpico Britânico e ao UK Sport, que são os órgãos encarregados de preparar a equipe britânica. Contudo, como fui atleta, sei que nossos competidores se sentirão incrivelmente empolgados, e também pressionados, por atuar em casa. A população britânica fica louca quando o assunto é esporte e eles sem dúvida irão criar uma atmosfera fantástica nos locais de provas e fazer com que os esportistas britânicos se sintam orgulhosos e honrados por competir aqui. Vejo nossos atletas em grande forma, com um fantástico suporte em seus treinamentos, podendo apresentar nos Jogos o melhor desempenho de suas vidas.
COE VISITA O O RIO; ASSISTA
- Em março, Sebastian Coe esteve no Rio de Janeiro, que sediará a Olimpíada de 2016, e gostou do que viu. Ele disse que a crise econômica mundial tem sido um desafio para o Reino Unido no caminho para a realização dos Jogos Olímpicos de 2012.
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UOL Esporte - Carlos Arthur Nuzman preside o Comitê Olímpico Brasileiro desde 1995, o que tem dado margem a algumas críticas de personalidades do meio esportivo: por exemplo, a possibilidade de os interesses pessoais do dirigente suplantarem os interesses gerais do esporte no país. Qual sua opinião? Considera bom ou ruim uma longa permanência no comando?
Coe - Acho que o importante é se alguém é bom para a função, se é apaixonado pelo que faz, se é dedicado e busca dar o melhor de si. Acredito que Carlos Nuzman esteja fazendo um grande trabalho para a Rio-2016.
UOL Esporte - O que Londres pode recomendar que o Rio siga para 2016? E o que pode recomendar que seja evitado? Quais devem ser as prioridades?
Coe - Recentemente estive no Rio e me encontrei com o Comitê Organizador Rio 2016. Fiquei impressionado com o que vi na cidade e o espírito dos jovens com quem conversei. Foi também fantástico ver que o Comitê Olímpico Brasileiro e o Comitê Rio 2016 estão trabalhando próximos a muitos atletas e a antigos atletas, porque, quando você consegue ver pelos olhos de um atleta, você consegue proporcionar Jogos excelentes para os atletas. Londres está determinada a construir um legado para a cidade e para o país e vejo que o Rio está seguindo esse modelo. Creio que as relações construídas através do esporte, como acontece com Londres e o Rio, são duradouras. Daqui a 100 anos, o fato de que fomos cidades-sedes manterá nossa amizade firme.
UOL Esporte - Em 1984, você fez uma grande final olímpica dos 800 m, em disputa com Joaquim Cruz. Você se lembra daquele dia? Ainda tem contato com Joaquim Cruz?
Coe - Joaquim Cruz foi um atleta fenomenal e um dos grandes corredores de todos os tempos nos 800 m. Ele tem feito muito para melhorar o atletimo no Brasil e fico maravilhado que ainda esteja ligado ao esporte.
Joaquim Cruz, que vive nos EUA há três décadas, promove ações esportivas, culturais e educacionais por intermédio do Instituto Joaquim Cruz, sediado em Brasília. O campeão olímpico brasileiro nasceu no Distrito Federal e tem hoje 49 anos.