"Não podemos ter 20 anos com o Nuzman no poder", afirma atleta olímpico do taekwondo

Bruno Freitas

Do UOL, em São Paulo

  • Alessandro Shinoda/Folhapress

    Diogo Silva expõe lado politizado ao falar sobre a realidade diretiva do esporte brasileiro

    Diogo Silva expõe lado politizado ao falar sobre a realidade diretiva do esporte brasileiro

A história do esporte brasileiro nos conta que são raros os casos de atletas em atividade que levantam a voz contra a política de gestão vigente, que lhe afeta diretamente na direção de confederações e demais entidades do segmento.

E nesse pequeno universo, os nomes que se fazem ouvir geralmente sabem que precisarão lidar com algum tipo de consequência nascida da ousadia de sua opinião. Em um ano olímpico, Diogo Silva engrossa essa lista ao colocar para fora toda sua bagagem politizada para contestar a validade do continuísmo de dirigentes esportivos.

FACETAS DE DIOGO SILVA

  • Luiz Pires/VIPCOMM

    DIOGO ATLETA: atual medalha de bronze no Pré-Olímpico Mundial, disputado no Azerbaijão

  • Reuters

    DIOGO ENGAJADO: atleta do taekwondo faz gesto dos "panteras negras" após ouro no Pan do Rio

  • Arquivo pessoal

    DIOGO RAPPER: atleta do taekwondo participa de evento de rap e externa suas reflexões raciais

Classificado para a disputa do taekwondo nos Jogos de Londres deste ano, Diogo Silva ficou marcado na carreira pelo gesto de "pantera negra", com o punho direito cerrado e erguido, no pódio do Pan-Americano do Rio de Janeiro.

Vencedor daquela disputa de 2007, o atleta da categoria até 68k g na oportunidade dizia chamar atenção para a causa dos negros, em engajamento desenvolvido com a admiração pelo líder sul-africano Nelson Mandela e pela sintonia com as letras de contestação do rap.

Hoje, em entrevista ao UOL Esporte, o personagem que se descreve como uma "mente pensante no esporte" relata ter enfrentado repreensões extraoficiais por causa da atitude política executada dentro de um ambiente competitivo.

Sobre a gestão de Carlos Arthur Nuzman no comando do COB, que hoje cumpre seu quinto mandato e está no topo da entidade desde 1995, Diogo Silva diz entender que em tempos atuais não é possível aceitar uma administração que se prolongue por quase duas décadas.

"Não podemos ter 20 anos com o Nuzman, precisamos de uma reformulação sobre isso."

O destaque do taekwondo relata que esse tema vem sendo discutido ultimamente no âmbito de atletas olímpicos e faz analogia da situação do dirigente com o continuísmo de Ricardo Teixeira à frente da CBF (Confederação Brasileira de Futebol).

Segundo o blog do jornalista Juca Kfouri no UOL, Nuzman está sofrendo pressão do COI (Comitê Olímpico Internacional) por ocupar simultaneamente a presidência do COB e a do Comitê Organizador da Rio-2016 e teria de abdicar de uma das duas funções. Por isso, estaria disposto a deixar o órgão que comanda o esporte olímpico nacional na eleição deste ano, que acontece no segundo semestre. A entidade, no entanto, nega o movimento.

Em quase 30 minutos de conversa por telefone com o UOL Esporte, desde Londrina, onde treina para a Olimpíada, Diogo Silva falou sobre o sonho de medalha em Londres, real em seu entusiasmo de treinamento.

O atleta ainda emite posições firmes sobre engajamento racial e religião, agradece ao MMA pela ajuda aos esportes de luta e descreve um recente assalto sofrido, em que resistiu à tentação de usar seu conhecimento de defesa pessoal. Confira a entrevista:

UOL Esporte: Você está classificado e chegará a Londres com 30 anos. Li que você planejou sua carreira para que esse seja o auge dela. É isso mesmo?

Diogo Silva: Foi. No começo da minha carreira, o esporte não tinha nenhuma referência, nenhum investimento, nenhum ídolo. A minha geração foi pioneira nessa questão. Imaginei que em Pequim ou em Londres estaria bem melhor. Sabia que iria colher todos esses frutos. Em Londres possivelmente estaremos em uma das melhores etapas mundiais do taekwondo brasileiro. Todos os profissionais aqui passam por um trabalho envolvendo a parte cientifica e psicológica. Estou bem maduro, mais experiente. Estou totalmente adaptado a clima de tensões, como são os Jogos Olímpicos. Usamos a psicologia para diminuir a sensação de tensão e ansiedade. Na parte cientifica, passamos por exames de laboratório para saber como o corpo evolui, como reage ao estresse, à fadiga.

UOL Esporte: Você acredita ir aos Jogos com chances reais de brigar por uma medalha?

Diogo Silva: Pelo que aconteceu nos últimos três anos, ganhei o Mundial universitário, o Mundial militar, conquistei o bronze no Pré-Olímpico Mundial, que é a única competição abaixo da Olimpíada, em nível. Ficar entre os três melhores durante quatro meses me dá essa percepção de ter saído de atleta de nível continental para nível mundial. Sei que posso vislumbrar uma medalha em Londres. Lutei com 50% ou 60% dos lutadores que vão estar lá. Já venci alguns deles, já perdi de alguns. A diferença para a gente é mesmo de investimento e de cultura esportiva.

UOL Esporte: Você disse que não tinha referências quando começou. O que o levou então ao taekwondo?

Diogo Silva: Quando eu era criança, comecei aos sete anos, era fã de filmes de lutas. Os atores que mais brilhavam eram o Bruce Lee e o [Jean-Claude] Van Damme, eram as referências para eu começar a praticar arte marcial. No começo eu queria apenas aprender a chutar, não imaginava que viraria uma profissão na minha vida.

UOL Esporte: Você ficou bastante marcado pelo gesto no pódio do Pan em 2007, no Rio, chamando atenção para a causa negra. Como foram as repercussões na sua vida daquele gesto? Como a direção do esporte olímpico o recebeu?

Diogo Silva: Teve repercussões diferentes, de setores diferentes. Da população tive uma aceitação muito grande, positiva. Ela está cansada de garotos-propaganda, querem uma mente pensante dentro do esporte. Já do empresariado, das pessoas que regem o esporte, não tive uma impressão positiva. Eles não querem a classe operária discutindo contra o patrão, isso nunca vai ser positivo. Teremos a organização da Copa e da Olimpíada no Brasil, nos próximos seis anos seremos o país mais visto na questão esportiva. Há dinheiro, tem investimento, mas ele não é distribuído igualmente a todas as modalidades, não chega na mão de quem tem que chegar.

UOL Esporte: Você chegou a ser repreendido de alguma forma por causa do gesto?

Diogo Silva: [Ele] dificultou bastante a minha vida. A repreensão não vem por escrito ou verbalmente, dificulta mais no investimento. Se eu preciso aprovar um projeto, não consigo. Sempre tive dificuldade, criticando sistema eu sempre vou ter. Saberia que o gesto não sairia de graça.

DIOGO E AS ARTES

UOL Esporte: Você é ligado à música, compõe rap. Vê a arte como uma forma de também manifestar seu lado mais politizado?
Diogo Silva:
Tenho essa necessidade de orientar as pessoas. Música e esporte tiram as pessoas para relaxar. A música amplia a questão da informação. Com ela posso atingir mais pessoas, chegar na casa das pessoas de outra forma. Capturar elas, promover uma conscientização sobre o nosso país. Melhorar isso. Tenho uma parceria com o MC Sombra, de São Paulo. Estamos com um projeto, que vai sair no final de 2012. Se chama "Senzala High Tech", unindo a parte cultural e tecnologia dentro de uma performance de musica, teatro e esporte.

UOL Esporte: O que você mais gosta em música? O que ouve?
Diogo Silva:
Gosto de bastantes gêneros. Ouço Jimmi Hendrix. Aqui do Brasil, gosto de O Rappa, Cachorro Grande, Raul Seixas. Gosto também de Led Zeppelin. Tenho uma particularidade com o rap, em que o Emicida e o MC Sombra são os destaques da nova geração. Também gosto de samba, mas mais do estilo partido alto, de escola de samba.

UOL Esporte: Você costuma ler livros? Quais gêneros ou autores preferidos?
Diogo Silva:
Leio mais o gênero política, questões políticas. Os meus favoritos são os que tratam de Nelson Mandela, tenho três livros sobre ele. Admiro a inteligência de uma pessoa que usou o esporte para fazer política.

UOL Esporte: Você está engajado na causa negra, participando de palestras pelo país. Como essa causa chegou a você, ou como você resolveu abraçá-la?

Diogo Silva: A causa negra é o meu dia a dia, é pegar ônibus. É sair de casa e ver como a gente está atrasado perto de outras nações. O que causa tanta violência é o desequilíbrio social. A gente tem o conhecimento, consegue através do esporte uma visibilidade, e passei a usar essa ferramenta, conscientizar as pessoas que estão passando por isso.

UOL Esporte: O que você entende ser o principal conteúdo de sua bagagem olímpica, do que você já experimentou, disputando os Jogos de Atenas-2004 e ficando fora em Pequim-2008?

Diogo Silva: O que me fez ficar fora de Pequim e entrar em Londres foi a seriedade e o foco. Depois do Pan no Brasil, de tanta popularidade por causa do que aconteceu, acabei desfocando do meu objetivo, não levei o esporte tanto a sério. A gente não é artista, não dá para levar vida de noitada. Temos que acordar cedo, dormir bem, comer bem. Essa é a diferença. Foquei, concentrei no propósito de volta aos Jogos Olímpicos. Planejei e me organizei durante três anos para não gastar energias com situações desnecessárias.

  • Flavio Florido/Folha Imagem

    Diogo Silva chora após perder a chance do bronze em luta nos Jogos Olímpicos de Atenas, em 2004

UOL Esporte: Você tem amigos atletas, gente de outras modalidades? Conversam sobre a gestão do esporte?

Diogo Silva: De outras modalidades, nos encontramos, conversamos, falamos do ponto de vista da modalidade deles, fazemos a analogia em relação ao taekwondo. São conversas informais, não com um propósito de ação. No taekwondo, sim, abordamos a questão de propostas, de como melhorar o esporte, de inserir determinadas ações. Encontro esses atletas uma vez por ano, eles viajam muito. Não tenho uma afinidade muito grande. Mas existem alguns que têm ideias sobre as próprias modalidades, como a Daiane dos Santos [ginástica artística], a Juliana Veloso [salto ornamental], o Emanuel, do vôlei de praia. Eles têm uma visão diferenciada sobre o esporte.

UOL Esporte: Como você vê hoje a realidade administrativa do esporte brasileiro?

Diogo Silva: Nenhuma instituição deveria ser conduzida por uma única pessoa por tanto tempo, porque ela acaba colocando interesses particulares no caminho. Não podemos ter 20 anos com o Nuzman, precisamos de uma reformulação sobre isso. Mesmo nós, atletas, se competimos durante muitos anos, acabamos tendo um conforto. Há essa necessidade de reformulação. O Brasil passa por isso, tem troca de presidente, por que não trocar em outras instituições? Os atletas já reclamam sobre isso. O [Cesar] Cielo, por exemplo, reclama sobre isso, treina nos Estados Unidos, porque não tem estrutura na natação. O Ministério do Esporte, o Comitê Olímpico Brasileiro, as instituições mais poderosas já passaram da hora de ter essa visão, de só jogar dinheiro. Jogar R$ 1 milhão aqui, R$ 1 milhão ali não funciona mais.

UOL Esporte: Você vem discutindo a questão do Nuzman no comando do COB dentro do universo de atletas?

Diogo Silva: Sobre a questão do Nuzman, a gente vem discutindo mais com jornalistas esportivos, com atletas de mais senso crítico. O [jornalista] Juca Kfouri vem colocando sua ideia sobre isso. A ESPN Brasil veiculou uma reportagem de aspectos das últimas eleições no COB. A discussão é geral. Se no futebol tem jogador se manifestando, pedindo a saída do Ricardo Teixeira, já estão se manifestando também no esporte olímpico.

ASSALTO SEM REAÇÃO VIOLENTA

UOL Esporte: Você passou por um incidente desagradável no começo deste ano, em um assalto em Londrina. Como foi isso?
Diogo Silva:
Fui estacionar o carro, eram umas 11 horas da noite. Estava na porta da casa onde eu moro aqui em Londrina. Dois homens correram na minha direção, eu estava com a minha namorada, tentei amenizar. Entreguei o carro, mas 30 minutos depois ele foi encontrado. Fiquei sem carteira, sem documentos, sem cartões.

UOL Esporte: Numa ocasião como essa, chega a pensar em usar seu conhecimento de defesa pessoal? Chega a lembrar que é um atleta de lutas?
Diogo Silva:
A gente tem noção do que a gente pode, do que não pode, um equilíbrio muito grande sobre isso. A pessoa estava armada, qualquer movimento brusco meu ela iria acabar disparando. Minha única intenção era que a pessoa ficasse calma, mostrar para ela que ela estava no controle. Tive a percepção de que poderia desarmá-lo. Poderia ter apagado o cara na hora. Mas é um risco que não vale a pena correr.

UOL Esporte: Você tem formação acadêmica?

Diogo Silva: Faltam dois semestres para eu concluir o curso de educação física. Não consegui concluir em razão de muitas competições, de muitas viagens nos últimos anos. Estou trancado há dois anos. Pretendo encerrar em 2013 e depois começar o curso de gestão esportiva, que são mais dois anos.

UOL Esporte: Você é de São Sebastião e foi criado por mãe solteira. Li que ela é ligada à umbanda. Você tem algum tipo de relação com alguma religião?

Diogo Silva: Sim, tenho. A religião dá equilíbrio às pessoas, oferece uma visão diferenciada. Eu escolhi uma religião que sofre muito preconceito, mas que está aberta a todas as outras, que tem a missão de tentar promover união e paz. Existem outras que estão na época da inquisição, mas a que eu escolhi é mais flexível. É o espiritismo.

UOL Esporte: Você gosta de MMA? Acha que a recente popularização da modalidade no país pode ajudar o universo dos esportes de lutas?

Diogo Silva: Assisto, acompanho desde a época do Pride. Na verdade comecei pelo K-1, que era algo próximo da minha modalidade. Não gostava muito do Pride, achava violento demais, com os lutadores saindo ensanguentados. Mas depois que o esporte foi reformulado com o UFC, passei a acompanhar mais. Existem mais brasileiros em destaque, gosto de ver brasileiro se se dando bem. A geração do Anderson Silva, do Minotauro, do Vanderlei Silva abriu as portas para essa geração mais nova, com o Lyoto Machida, o José Aldo. É uma coisa profissional, é feita para o atleta. A gente nunca vê eles se envolvendo em confusão, em briga. O esporte passa hoje em rede nacional. No UFC Rio, a gente via que cada nocaute era comemorado como se fosse um gol da seleção brasileira, nunca tinha visto uma manifestação tão grande em questão de lutas. Antes existiam os pitboys, as lutas eram marginalizadas. Levei vários "nãos", as pessoas não queriam lutas em suas academias, as empresas não queriam contratar lutadores. Agora é uma outra realidade para o esporte. Acho que as modalidades olímpicas podem se aproveitar disso.

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