Perto de ser o 1º amputado em Olimpíada, Pistorius conta que era alvo de travessuras

Pedro Taveira

Do UOL, em São Paulo

  • David Gray/Reuters

    Oscar Pistorius (dir.) disputa revezamento 4 x 400 m no Mundial de Daegu, em 2011, pela África do Sul

    Oscar Pistorius (dir.) disputa revezamento 4 x 400 m no Mundial de Daegu, em 2011, pela África do Sul

Aos 25 anos, o corredor Oscar Pistorius já fez o que nenhum homem na história conseguiu: tornou-se o primeiro atleta amputado a competir contra pessoas “normais” em uma prova de Campeonato Mundial.

Mas o sul-africano quer mais. Ele busca ser o primeiro também a ir para uma Olimpíada. Para isso, disputa a partir desta sexta-feira a última eliminatória de seu país para os Jogos de Londres.

Correndo a prova dos 400 m, Pistorius precisa marcar menos que 45s30. No mês passado, ele cravou 45s20, tempo que o credenciaria para os Jogos. A tarefa é complicada, mas nada que impeça um “competidor feroz”, como ele se definiu.

A POLÊMICA DAS PRÓTESES

Oscar Pistorius nasceu com uma má formação óssea em suas pernas e não tinha as fíbulas. Seus pais, então, optaram por amputar suas pernas para que ele não passasse sua vida inteira preso a uma cadeira de rodas.

Após começar a se destacar, o sul-africano foi banido em março de 2007 pela Iaaf (Associação Internacional das Federações de Atletismo), que alegou suposta vantagem para ele devido a suas próteses.

O corredor, então, foi convidado a realizar testes e estudos na Universidade de Colônia, na Alemanha. O caso foi parar na Corte Arbitral do Esporte e, em maio de 2008, Pistorius recebeu veredicto favorável para competir em qualque tipo de prova.

O sucesso nas pistas vem de um desejo que habita a cabeça do sul-africano desde os tempos de criança. Amputado desde os 11 meses de vida, Pistorius sempre fez questão de ser tratado igual ao demais.

Foi isso que fez, por exemplo, com que sofresse uma pegadinha no colegial, quando seus amigos esconderam suas próteses, colocaram fogo em seu colchão e o acordaram dizendo que o dormitório estava em chamas. “Apenas uma brincadeira”, diz ele.

Para ter condições de ir a Londres, Pistorius teve de superar as barreiras naturais de um atleta amputado e a resistência de quem falava que ele tinha certa vantagem sobre seus rivais por causa de suas próteses.

O corredor evita usar a palavra preconceito, mas fala que “há países no mundo que ainda não aceitam que há um grande número de pessoas com deficiência”. O caso chegou à Corte Arbitral do Esporte, que lhe deu permissão para competir com atletas olímpicos.

Inspiração para pessoas com deficiência em todo o mundo, Pistorius contou em entrevista ao UOL Esporte sobre a exigência de não receber tratamento especial por sua condição, como descobriu seu talento no atletismo e a respeito das expectativas para a Olimpíada.

UOL Esporte - O que você achou da decisão que seus pais tiveram que tomar quando você era um bebê, de amputar suas pernas?
Oscar Pistorius - Eu sei que a decisão que meus pais tomaram não foi fácil de tomar. Tenho muito respeito por eles por isso. Eu nunca fui tratado de forma diferente de meus irmãos e tive uma infância incrível.

UOL Esporte - Como foram sua infância e adolescência?
Pistorius - Tive um crescimento bom. Sempre me dei muito bem e fui muito competitivo com meu irmão e com minha irmã. Sempre estive ligado a esportes e fui uma criança ativa, cheia de energia. Joguei rúgbi e muitos outros esportes antes de entrar no atletismo.

UOL Esporte - Há uma história sobre terem escondido suas próteses e colocarem fogo em seu colchão. Como era o relacionamento com seus colegas?
Pistorius - Ah, foram travessuras no colegial. Nós pregávamos peças uns nos outros e isso significou que eles não me tratavam diferente de ninguém. Quando eu apareci no primeiro dia, falei para eles que não queria ser tratado de forma diferente, e eles respeitaram isso. Gostei muito da escola. Eu não era muito bom no lado acadêmico, mas havia muitos esportes disponíveis para os alunos praticarem e eu prosperei nisso.

Oscar Pistorius
Oscar Pistorius

UOL Esporte - Quando decidiu que correr era o que queria para sua vida?
Pistorius - Sofri uma lesão no rúgbi e parte da minha reabilitação foi correr em uma pista. Eu logo me dei conta de que era bem rápido e resolvi entrar no esporte. Sinto saudades do rúgbi, mas é no atletismo que meus talentos estão. Sempre fui ensinado a fazer as coisas com o melhor de minhas habilidades e, assim que comecei no atletismo, eu queria ser o melhor atleta eu pudesse.

UOL Esporte - Você pode ser o primeiro homem amputado a correr em uma Olimpíada. Qual a importância disso para a comunidade paraolímpica?
Pistorius - Não é garantido ainda, mas estou esperançoso. Sou muito honrado e privilegiado de estar na posição que estou. Sou um paraolímpico orgulhoso e, se isso motiva e inspira pessoas, então isso me orgulha. Não me vejo diferente de nenhum outro atleta por aí. Venho competindo com corredores normais por anos e todos nós nos conhecemos e temos muito respeito uns pelos outros.

UOL Esporte - Você imaginou um dia que se tornaria um atleta olímpico?
Pistorius - Sempre fui encorajado a ir atrás do que eu quisesse. Trabalho duro para ser o melhor atleta que posso. Você tem de ter sonhos e fé para chegar aonde você quer. E isso eu tenho bastante.

UOL Esporte - Você sofreu algum tipo de preconceito quando começou a competir contra corredores “normais”?
Pistorius - Todos têm opiniões. Tudo que eu quero é correr nos melhores torneios contra os melhores competidores. Eu mesmo sou um competidor feroz, e isso significa que eu saboreio um desafio e não fico satisfeito até atingir meus objetivos. Mas tenho um grande relacionamento com outros atletas.

UOL Esporte - Você acha que existe preconceito?
Pistorius - Eu acho que há países no mundo que ainda não aceitam que há um grande número de pessoas com deficiência. Não vejo isso como preconceito, mas é nossa responsabilidade educar as pessoas e dizer que o que importa são as habilidades que você tem, não focar em uma pequena deficiência.

MIKE TYSON INSPIRA SUL-AFRICANO

Nada de Michael Johnson, LaShawn Merritt, Lee Evans ou nomes lendários do atletismo. O grande ídolo de Oscar Pistorius é o polêmico ex-boxeador Mike Tyson.

“Tenho uma grande paixão por boxe e pelas pessoas que fazem o melhor que podem. Acho que Mike tinha grande ligação com seu esporte”, explicou Pistorius.

Ex-campeão mundial dos peso-pesados, Tyson era um verdadeira máquina dentro do ringue. Fora, porém, teve uma vida recheada de polêmicas, como seus problemas com drogas, as passagens pela prisão e as mordidas nas orelhas de Evander Holyfield.

UOL Esporte - O que você pensa quando as pessoas dizem que você tem algum tipo de vantagem sobre outros corredores por causa de suas próteses?
Pistorius - Já foi provado que eu não tenho nem um fio de vantagem sobre outros atletas. Venho competindo com as mesmas próteses desde 2004.

UOL Esporte - No Mundial-2011, você chegou às semifinais dos 400 m e participou das eliminatórias do revezamento 4 x 400 m. Até onde pode chegar em Londres?
Pistorius - A preparação está sendo boa. Foi um dia muito emocionante quando corri no Mundial em Daegu. A África do Sul irá mandar um time para o 4 x 400 m na Olimpíada deste ano e a perspectiva é muito boa.

UOL Esporte - Por que você foi excluído da final do revezamento 4 x 400 m em Daegu?
Pistorius -
Eu realmente não sei. Foi uma decisão da equipe e foi decepcionante. Mas fiquei bem satisfeito pelo time com a medalha de prata.

UOL Esporte - Você está com 25 anos. Acha que ainda pode evoluir?
Pistorius - Quero continuar sendo o melhor atleta que posso. Tenho muitas metas para 2012, mas, além disso, se eu continuar melhorando não haverá nenhuma razão que me impeça de competir no Rio de Janeiro, em 2016. Eu apenas preciso me manter consistente e sem lesões.

UOL Esporte - E quais seus planos para depois que sua carreira terminar?
Pistorius - Tenho outras paixões, como meu projeto de minas terrestres [“The Sole Foundation”, de detecção, identificação e remoção de minas terrestres em solo africano e ajuda a pessoas atingidas] e espero encorajar as pessoas ao redor do mundo em todas etapas da vida a entrar no esporte.

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