Casa de chá é refúgio em Londres para fugir do frenesi olímpico
Rodrigo Bertolotto
Do UOL, em Londres (Inglaterra)
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Rodrigo Bertolotto/UOL
A Diamond Jubille Tea Salon é um oásis de calmaria em Londres
“Infelizmente não temos TV aqui, mas, se o tempo estiver bom, você pode sentar em uma mesa do terraço e aproveitar a vista para a Piccadilly Circus”, avisa a recepcionista polonesa Joanna Noworol na frente do salão de chá do hotel Le Méridien.
Ali os frequentadores remam colherinhas de açúcar e mergulham gotas de leite sobre as xícaras. As Olimpíadas parecem ser em outro planeta, não na mesma Londres que viu ressurgir nos últimos tempos a tradição de tomar o chá da tarde em salões requintados, uma instituição local até meados do século 20, quando o clima do pós-guerra diminuiu a popularidade desse luxo.
Na programação olímpica desta sexta-feira (10), o basquete, o handebol, o taekwondô e a luta livre vão definir medalhas às 17h, o horário convencionado para o chá inglês (o five o`clock tea). Quem for a um desses requintados refúgios nessa hora vai perder essas disputas. E, se atrasar um pouco, pode ficar sem o chá também – as casas londrinas abrem perto do meio-dia e fecham antes das 19h.
A resistência ao maior evento esportivo do mundo é pacífica. Não é radical como a do movimento “Nonlondon2012” ou revoltada como a dos inquilinos que foram desalojados para dar lugar aos visitantes endinheirados na região leste da cidade, onde estão a maioria dos locais de competição.
As casas de chá se vendem como oásis de calmaria que oferece delicadas delícias e uma atmosfera de elegância sem pressa. Nada mais diferente que o ambiente de pressão, gritaria e correria que se vê no Parque Olímpico.
No The Palm Court Tearoom, dentro do cultuado hotel Ritz, não se vê nenhuma medalha de ouro, só as cadeiras douradas no estilo Luís 16. Já no Diamond Jubilee Tea Salon, no último andar da loja Fortnum & Mason, é fácil conquistar a prata: todos os talheres são desse metal.
A Inglaterra é conhecida pelo chá, mas não há uma plantação dele em seu território. O país bebe 186 milhões de xícaras do “venerável líquido” por dia, mas todas as folhas vêm da Índia, China, Sri Lanka e Ruanda.
E o surpreendente é que foi uma portuguesa que introduziu o hábito de bebericar a infusão por lá. Catarina de Bragança casou em 1662 com Charles 2º, o rei inglês da época, e levou para a corte o hábito vespertino do chá, que na época era visto como um remédio para “letargia, vertigem, epilepsia e tuberculose” e tinha até um mercado negro via Holanda que adulterava as folhas para vendê-las mais barato (como se fosse um tráfico de drogas do século 17).
A rainha consorte Catarina também introduziu em Londres a geléia de laranja amarga, que os ingleses chamam de “marmelade” e não dispensam sobre os scones, bolinhos doces que são a quintessência da confeitaria local.
No meio das porcelanas e da prataria, o conjunto de baixelas sobre a mesa não pode deixar de ter uma “stand”, estrutura metálica onde pousam três pratos com estantes. Na parte mais baixa desse pódio ficam os sanduíches salgados, com recheios variados de pepino, ovo, presunto e salmão defumado. Na do meio se apresentam os scones, com serão cobertos com o delicioso clotted cream e com geleias de mirtilo e framboesa. E no topo estão tarteletes, bombas e docinhos variados.
Para cada guloseima há um chá que combina. O suave darjeeling (chamado de “o champanhe dos chás”) combina com os salgados. O frutado Earl Grey empresta seu sabor de tangerina com os doces mais cremosos.
Na Inglaterra há um conselho nacional do chá, chás dançantes, tea gardens e mil e um utensílios para celebrar o ritual local, desde de chaleiras em forma de unicórnio a coadores mirabolantes para separar as folhas da bebida.
“Nem pensei nas Olimpíadas quando decidi vir a Londres. Agora, não poderia deixar de experimentar uma tarde como essa”, relata a turista alemã Greta Schwarzwold, ao lado da amiga em uma mesa no Diamond Jubilee Tea Salon, que foi inaugurado em março último com as presenças de sua majestade a rainha Elizabeth e sua real alteza a duquesa de Cambrigde, Kate Middleton.
O chá da tarde é o típico programa feminino, seja ela nobre ou plebeia com orçamento. Para desfrutar da decoração eduardiana do The Palm Court Tearoom, que já foi frequentado por Charles Chaplin, Winston Churchill e Judy Garland, é preciso reservar com duas semanas de antecedência, vestir roupa social (turista de bermuda e tênis é barrado na porta) e desembolsar 42 libras por pessoa (R$ 126) por duas horas entre carruagens de bolos, candelabros, mármores, ninfas da belle époque e o som açucarado do pianista de plantão.
As garotas mais ousadas podem turbinar a merenda com uma taça de champanhe por 19 libras (R$ 57) para fofocar elegantemente. “Amor e escândalo são os melhores adoçantes de um chá”, escreveu o novelista Henry Fielding (1707-1754).
O sucesso do Team GB, a delegação britânica na Olimpíada, domina os jornais londrinos nestes dias, mas tanta estatística e tanta medalha dá pouco assunto para uma mesa de chá. Já as notícias da vida sexual dos atletas olímpicos é um prato cheio.