Ministro vê quedas de Teixeira e Havelange como senha para democratizar poder no esporte

Gustavo Franceschini

Do UOL, em Londres (Inglaterra)

A comprovação, por parte da Justiça suíça, de que Ricardo Teixeira e João Havelange receberam propina no escândalo de corrupção da Fifa acabou com a desculpa de que não haviam provas contra os cartolas. Em entrevista ao UOL Esporte, o ministro do Esporte Aldo Rebelo evitou atacar diretamente a dupla, mas deixou claro que é contrário ao modelo de perpetuação de dirigentes no poder que vigora no Brasil.

“Acho que as instituições que governam o esporte no Brasil e o futebol precisam passar por um processo de democratização e de modernização compatíveis com a evolução da sociedade e as exigências do próprio esporte. Acho que os resultados, em havendo democratização e profissionalização, vão aparecer”, disse Aldo Rebelo, em entrevista concedida na residência oficial do embaixador do Brasil no Reino Unido, onde fica mais alguns dias para ver os Jogos Olímpicos. 

O hoje ministro foi uma figura importante no longo processo de queda de Ricardo Teixeira. Ele era o relator da CPI que, em 2000, esmiuçou as atividades ilícitas do então presidente da CBF (Confederação Brasileira de Futebol) e encontrou os primeiros indícios da ligação dele com o escândalo da ISL, ex-parceira da Fifa, que o derrubou no começo deste ano.

Depois da CPI, no entanto, Aldo aos poucos mudou de postura. A voracidade das críticas ao cartola diminuiu ao passar dos anos. Ao assumir a função de ministro do Esporte no ano passado, ele adotou um discurso político ao falar de Teixeira. Mesmo com os dois cartolas fora de cena, ele evita um ataque mais duro.

Para o político, o escândalo ainda não manchou a imagem da Copa de 2014 e das Olimpíadas de 2016, que tiveram Teixeira e Havelange como presidente do Comitê Organizador e garoto-propaganda, respectivamente. “Não creio [que tenha manchado], porque a organização e o êxito da Copa não dependem dessas pessoas. Ela depende da capacidade dos organizadores de tocar as suas ações e suas iniciativas e me parecem que estão fazendo isso no Brasil. Acho que a Copa do Mundo é muito maior do que esses episódios para ser afetada por eles”, disse Rebelo.

Confira a seguir a entrevista completa:

UOL Esporte – O que o senhor sentiu da Olimpíada em Londres até o momento?
Aldo Rebelo -
Eu destaco em primeiro lugar o ambiente de Londres com a Olimpíada. Apesar dos problemas que todos nós testemunhamos de trânsito, comunicação e de recepção. A cidade foi contagiada por um ambiente de tolerância, de confraternização entre as pessoas. Os ingleses estão muito mais risonhos e prestativos, inclusive os guardas dão mais informações. É preciso louvar o esforço que a cidade faz, o governo e sua prefeitura, de oferecer aos visitantes um ambiente agradável de eficiência. Por essa razão é que eu relevo os problemas que testemunhamos. Para nós, é muito melhor que registrar os problemas e tomar como lição para que eles sejam reduzidos no Brasil.

UOL Esporte – Qual foi exatamente o problema da comunicação que o senhor sentiu?
Aldo Rebelo –
Além do trânsito, a telecomunicação, o sinal de celular e o wifi apresentaram algumas dificuldades em alguns momentos.

UOL Esporte – Recentemente essa discussão sobre qualidade de telefonia móvel ganhou grande proporção no Brasil. O país vai saber lidar com isso até 2016?
Aldo Rebelo -
O Brasil é muito deficiente nessa área. Nós temos planos do governo e da própria iniciativa privada para reduzir os problemas que temos, que são grandes e importantes para a população nas grandes cidades e para as empresas, para os profissionais que precisam disso para o seu trabalho. Temos de cuidar muito bem disso.

UOL Esporte – Em termos de esporte, é possível imaginar o Ministério do Esporte cobrando mais de perto esportes como a natação, que receberam verba pública mas fizeram tempos abaixo de suas próprias melhores marcas aqui em Londres?
Aldo Rebelo -
Os ingleses também esperavam muito de um ciclista consagrado e ele não teve o desempenho esperado [Mark Cavendish]. Mesmo seleções como a Espanha e o Uruguai [no futebol], sobre as quais se tinham grandes expectativas. Essas coisas têm essa explicação mais geral. O resto depende de planejamento muito detalhado, muito minucioso, que envolve toda a preparação do atleta, a participação dele em um circuito internacional de competições, que o deixe em condições de disputar a Olimpíada já conhecendo os possíveis adversários que vai enfrentar, as condições da competição, o equipamento. O trabalho que estamos fazendo com o COB, com as confederações, com o ministério da defesa e com os próprios clubes é para que nossos atletas tenham até 2016 a experiência necessária, a participação em competições e o apoio com a criação do bolsa-técnico. O Brasil não pode ser apenas o país-sede, que dê exemplo de acolhida, de organização, mas precisa que o quadro de medalhas mostre o Brasil em sua condição de sede, com o status de país-sede.

UOL Esporte – E o Brasil conseguirá fazer uma Olimpíada melhor que a de Londres, como sugeriu a presidente Dilma?
Aldo Rebelo -
O Brasil tem condições de oferecer organização, engenharia civil, sustentabilidade, telecomunicações, segurança... Tudo isso está planejado, tanto para Copa como para a Olimpíada. Os recursos já estão previstos. Além da realização material dos dois eventos, nós também vemos a oportunidade do Brasil mostrar ao mundo uma referência no plano espiritual. Um país acolhedor, onde os visitantes estrangeiros não sejam apenas respeitados ou tolerados, mas que eles sejam queridos, as pessoas sejam acolhidas com afeto e carinho, recepcionadas com toda a generosidade que o ser humano é capaz de oferecer. Nós, independentemente da nacionalidade, da religião, da cor da pele das pessoas, vamos tratar todo mundo de forma muito acolhedora.

UOL Esporte – Falando da parte organizacional, qual é a situação do Velódromo, que custou R$ 14 milhões no Pan e deve ser demolido porque não atende as exigências do COI?
Aldo Rebelo -
É que as exigências, não só técnicas, mas a dimensão dos equipamentos que acolhem o Pan e as Olimpíadas são muito diferentes. O COI tem exigências muito maiores não só do Pan para as Olimpíadas como de uma Olimpíada para outra. Aqui, o ministro local me dizia isso, que ele teve de fazer muitas coisas diferentes da Olimpíada de Pequim. Ele teve discussões sérias com o COI, porque eles usaram os parâmetros de Pequim e tiveram de alterar. O caso do Velódromo eu não sei exatamente se é essa a razão, mas provavelmente o gabarito com as referências técnicas para as Olimpíadas estão muito além daquilo que foi feito para o Pan.

UOL Esporte - Mas nós já sabíamos lá atrás que os parâmetros eram distintos. Quando se faz uma obra para o Pan e tem de fazer outra para a Olimpíada não dispendemos dinheiro desnecessário em uma delas?
Aldo Rebelo -
Em alguns casos pode ser. Em outros, nos talvez não tivéssemos no orçamento para o Pan a disponibilidade de fazer o equipamento já para os Jogos Olímpicos.

UOL Esporte - Quando ganhou a candidatura, a solução era a reforma do Velódromo, mas isso não aconteceu e agora não temos tempo hábil. Outra coisa que atrasou foi a matriz de responsabilidade fiscal, prevista para março e ainda pendente. Por que as coisas de 2016 demoram tanto a sair?
Aldo Rebelo -
Porque é diferente da Copa, que é praticamente privada. Nela, o Governo Federal entra com recursos de empréstimo para a construção dos estádios e a mobilidade urbana. A Olimpíada é um empreendimento com recursos públicos, que tem participação do Estado do Rio em uma proporção muito grande, e da cidade do Rio. Todos eles com uma estrutura própria para tratar da questão dos Jogos Olímpicos. Além disso, tem a Autoridade Pública Olímpica, que em tese é a autoridade maior, o consórcio entre os três entes federativos para tratar dos Jogos.

UOL Esporte - Não tem como agilizar isso?
Aldo Rebelo –
E não é exatamente isso que a gente tem tentado fazer? Nosso esforço não é esse?

UOL Esporte - Mas vocês têm conseguido? O senhor está satisfeito com a agilidade?
Aldo Rebelo -
Não, gostaríamos de estar em um estágio mais adiantado. Mas temos segurança de que nesse estágio nós cumpriremos o calendário de entrega das obras dentro do tempo necessário para os Jogos.

UOL Esporte – Ministro, há cerca de um mês a Justiça suíça divulgou que Ricardo Teixeira e João Havelange foram condenados por corrupção. Isso te surpreendeu?
Aldo Rebelo –
Bem... [faz uma pausa] Nós, de certa forma, levantamos informações na investigação da CPI da Câmara em 2000. E já haviam ali fatos relacionados com essa investigação que a Justiça suíça fez, concluiu e divulgou. Então de certa forma podia, na própria CPI ou a partir da CPI, haver uma previsão de que esses fatos, embora não totalmente esclarecidos na época, poderiam ser esclarecidos mais adiante.

UOL Esporte - Então, não te surpreendeu?
Aldo Rebelo -
A questão não é surpreender ou não surpreender, a questão é investigar ou não investigar, e a investigação foi feita.

UOL Esporte – De que maneira isso afeta 2014 e 2016, já que Ricardo Teixeira presidia o Comitê Organizador e João Havelange foi garoto-propaganda da Rio 2016? A imagem dos eventos fica manchada?
Aldo Rebelo -
Espero que não fique, porque o país acolhe a Copa do Mundo que é organizada pela Fifa. Me parece que a própria Fifa, pelo menos ultimamente, manifestou interesse de que essa investigação fosse concluída. O próprio presidente da Fifa tomou providências para reduzir a exposição da instituição a fatos semelhantes.

UOL Esporte – Mas são figuras centrais nos dois eventos. A imagem já não está afetada?
Aldo Rebelo -
Não creio, porque a organização e o êxito da Copa não dependem dessas pessoas. Ela depende da capacidade dos organizadores de tocar as suas ações e suas inciativas e me parecem que estão fazendo isso no Brasil, com o Governo procurando apoiar e ajudar naquilo que está ao seu alcance. Acho que a copa do mundo é muito maior do que esses episódios para ser afetada por eles.

UOL Esporte – O Governo errou ao escolher essas pessoas como seus representantes?
Aldo Rebelo -
A Copa do Mundo seria realizada no Brasil ou nos outros países que se candidataram e tentaram atraí-las, independentemente desses fatos e episódios. O que eu creio é que o futebol brasileiro deva adotar como lição, não para corrigir, mas muito mais para prevenir episódios semelhantes, é modernizar a gestão e a estrutura das entidades que organizam não só o futebol, mas todo o esporte do país. Tem de democratizar institucionalmente essas entidades, os critérios e mecanismos de escolha dos dirigentes, profissionalizar a gestão dessas instituições e dos próprios clubes brasileiros, onde há anacronismos inaceitáveis do ponto de vista democrático, como nós vemos em alguns clubes. Dou o exemplo do meu clube do coração, que é o Palmeiras, que precisa se modernizar e democratizar. São instituições importantes para o país. Tem de ter uma institucionalidade compatível com o que está acontecendo na sociedade.

UOL Esporte – O senhor é favorável ao projeto de lei que tramita na Câmara e sugere um limite para o número de mandatos para dirigentes esportivos?
Aldo Rebelo -
Sou. Aliás, sempre fui.

UOL Esporte – Mas o senhor hoje lida com cartolas que não concordam com ele, ou ao menos não seguem o que ele prega.
Aldo Rebelo –
Eu respeito a posição dos dirigentes e o seu ponto de vista, da mesma forma que espero que eles respeitem também o meu.

UOL Esporte – Nessa linha de raciocínio, que prejuízos o esporte tem quando no topo da organização, no comando do COB, está uma pessoa que vai completar 21 anos de poder em 2016?
Aldo Rebelo -
Os lucros e os prejuízos qualquer jornalista inteligente pode verificar. Eu não vou personificar a questão. Vou tratar como uma tese. Acho que as instituições que governam o esporte no Brasil e o futebol precisam passar por um processo de democratização e modernização compatíveis com a evolução da sociedade e com as exigências do próprio esporte. Acho que os resultados, em havendo democratização e profissionalização, vão aparecer. Não é apenas por uma questão de participação, de direito democrático. É também por isso, mas é pelo que pode ser obtido. Pela valorização dos clubes, de suas marcas, da ampliação da renda, do aumento da confiança dos parceiros nas instituições que gerem o esporte e o futebol. Eu só citei benefícios. Não vejo que prejuízo poderia trazer para o esporte ou para os clubes. 

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