Neymar, prodígio do futebol, está em casa no Brasil

Sam Borden, do New York Times

Traduzido por George El Khouri Andolfato

  • Rafael Ribeiro/CBF

    Neymar já começou sua preparação para as Olimpíadas de Londres-2012

    Neymar já começou sua preparação para as Olimpíadas de Londres-2012

Há um ditado brasileiro com qual o prodígio do futebol, Neymar, e sua família sempre riem. A frase –“calça de veludo ou bunda de fora”– surge frequentemente: quando Neymar se lembra de seu início nas peladas de rua em São Vicente, por exemplo, ou quando alguém pergunta, de novo, “Você é realmente melhor que o Messi?” A família sempre retorna ao “calça de veludo ou bunda de fora”. E então todos riem.

A frase é difícil de traduzir diretamente para o inglês. De modo geral, tem a ver com aposta e a alma de um homem. Tem a ver com ser impetuoso, corajoso e audaz. Tem a ver com força de espírito e, talvez mais do que qualquer outra coisa, com a crença firme em um caminho traçado.

Sentado em um lounge de hotel 25 andares acima de Columbus Circle, em Manhattan no mês passado, o pai do astro, Neymar pai, olhava para o Central Park e se esforçava para explicá-la. Do outro lado do Rio Hudson, seu filho estava com a seleção brasileira, preparando-se para um amistoso com lotação esgotada contra a Argentina e, depois disso, para os Jogos Olímpicos, onde será um dos maiores destaques da competição. Nas Olimpíadas de Londres, com os holofotes do mundo apontados para ele, Neymar Jr. buscará conquistar a medalha de ouro para seu país, o único grande título do futebol que o país nunca conquistou.

“Ele está vivendo isso agora”, disse Neymar pai. “Aquele ditado de que falávamos –ele está fazendo isso.”

Mas isso não bastava. Então Neymar pai tentou de novo, por meio de um tradutor, resumir a essência da frase. O sucesso de seu filho, ele prosseguiu, sempre se baseou no risco. Em encontrar a mistura certa de rapidez e lentidão, de possibilidade e cautela.

Aos 20 anos, Neymar já é o jogador mais bem remunerado no Brasil. Ele é o rosto (e o futuro) da meca do futebol sul-americano. Ele é, nas palavras de ninguém menos do que talvez o maior jogador na história, um prodígio técnico, um mago com pés mágicos. Mas em meio a tudo isso, disse seu pai, foi esse ditado que o guiou, especialmente agora quando a pergunta mais recente –quando Neymar irá para a Europa?– é perguntada repetidas vezes.

Finalmente, Neymar pai riu e buscou explicar da melhor forma. Ele se sentou ereto e explicou que na vida há realmente apenas duas escolhas: “Um homem pode passar a vida usando calças de veludo”, ele disse com um sorriso, “ou pode passar a vida com o traseiro exposto”.

Neymar
Neymar

Um mágico com a bola

Durante grande parte dos últimos 100 anos, o costume brasileiro permite que muitos, se não a maioria das pessoas, sejam chamados apenas por um único apelido. Essa convenção não conhece fronteiras (o ex-presidente era conhecido simplesmente como Lula) e em algumas cidades até mesmo as listas telefônicas listam os moradores por um único nome.

No futebol, os apelidos são predominantes. Edson Arantes do Nascimento é Pelé. Ricardo Izecson dos Santos Leite é Kaká. Robson de Souza é Robinho, que foi o jogador favorito de Neymar Jr. enquanto crescia. E antes de Neymar –Neymar da Silva Santos Jr., na verdade– havia Neymar pai.

Neymar pai foi jogador profissional, ele disse, mas confessa que “não fui um jogador de muita qualidade”. Em 1992, ele jogava em Mogi das Cruzes, uma cidade fabril a cerca de 40 quilômetros ao leste de São Paulo, quando seu filho nasceu. Inicialmente, Neymar pai permaneceu em Mogi, mas após vários anos, quando ficou claro que sua carreira de jogador estava chegando ao fim, ele se mudou com sua família –sua esposa, Nadine, assim como uma filha ainda bebê e Neymar Jr.– de volta para sua cidade natal, São Vicente.

Lá, na cidade litorânea onde cresceu, Neymar pai se mudou para a casa de seus pais. “Nós não estávamos começando do zero –nós estávamos começando em menos cinco”, disse Neymar pai, reconhecendo que teria sido mais fácil ter permanecido daquele jeito. Morando naquela casa modesta, criando seus filhos com seus pais por perto, aspirando por um pouco mais do que tinha. “Nós podíamos ter feito isso”, ele disse.

Em vez disso, ele começou a buscar suas calças de veludo. Neymar pai começou a trabalhar em três empregos simultaneamente. Ele foi mecânico de carros. Ele foi pedreiro. Ele foi funcionário da prefeitura. Sua esposa também trabalhava, como cozinheira em uma creche.

O período de acordar cedo e dormir tarde durou cerca de quatro anos, disse Neymar pai, e no meio dele –quando Neymar Jr. tinha 7 anos– um olheiro de um time local de futebol de salão veio vê-los.

A família não sabia, mas aquele foi o início. Neymar pai não via muito seu filho jogando porque estava sempre trabalhando, mas ele ouvia as conversas. Mesmo aos 5 e 6 anos, Neymar jogava com meninos mais velhos nas peladas de rua. Não importava que os gols eram feitos de sandálias e a bola às vezes era pouco mais que uma pedra. “Eu só queria jogar”, disse Neymar durante uma entrevista recente em um restaurante de Nova Jersey.

Pegando um pequeno saleiro na mesa, ele o colocou ao lado de um copo com água pelo menos três vezes maior. “Eles eram desse tamanho, eu era deste tamanho”, ele disse, rindo da lembrança. “Eles eram desdenhosos, os outros meninos. ‘Quem é esse molequinho?” Mas eu consegui convencê-los a me deixarem jogar daquela primeira vez e marquei um gol. Isso mudou a atitude deles. Isso mudou tudo.”

Entre as peladas de rua e o futebol de salão, ou futsal, como também é conhecido, Neymar rapidamente desenvolveu um domínio de bola sobrenatural. O estilo é prezado entre os jogadores sul-americanos, e o controle artístico da bola é um talento desejado que até mesmo há um programa de televisão –conhecido como “Street Style”– dedicado a identificar o melhor malabarista.

Neymar foi jurado nesse programa no ano passado (e até mesmo aplaudiu de pé um candidato, que ergueu a bola e a escondeu sob sua camisa enquanto Neymar a procurava confuso) e, quando menino, ele treinou seu domínio de bola raramente permanecendo sem uma, como se estivesse disposto que ela se tornasse um prolongamento de seu pé.

Ele pode tocá-la como quiser. Ele pode fazê-la desaparecer. No amistoso contra os Estados Unidos neste ano, Neymar levou a bola para a lateral e dançou com ela até a linha de fundo. Enquanto o público no FedEx Field, em Landover, Maryland, soltava um “oooh” coletivo, ele seguiu na direção do gol e deu um passe perfeito para os pés de um companheiro, Pato.

O fato do chute de Pato ter batido na trave não importou. Por um instante, Neymar era aquele menino de novo, fazendo malabarismos com a bola nas ruas com seus amigos, gritando para ele manter a bola no ar mais tempo e tocar por sobre a cabeça mais uma vez.

“Eu gosto de brincar com a bola”, ele disse. “Eu sempre gostei. Eu brinco na rua até hoje. Quando estamos de férias –não importa onde– eu sempre saio à procura de um jogo.”

Nunca houve jogos suficientes para satisfazer Neymar, e quanto tinha 11 anos, equipes de todo o Brasil o cobiçavam. Seu pai passou a cuidar em tempo integral da carreira de Neymar e àquela altura, a lidar com a enxurrada de olheiros e representantes de clubes que buscavam contratá-lo. Um deles foi a lenda brasileira Zito, que marcou 57 gols pelo Santos e conquistou duas Copas do Mundo com a seleção brasileira. O fato de Neymar torcer pelo Santos tornou a ligação ainda melhor.

Neymar acabou integrando o juvenil do Santos, mas aos 14 anos lhe ofereceram a chance de jogar pelo Real Madrid, uma potência espanhola e um dos clubes mais famosos da Europa. Astros brasileiros como Ronaldo e Robinho já jogaram pelo Real e Neymar viajou até lá com sua família.

O atrativo da Europa era poderoso. “Eu sempre sonhei em jogar lá”, disse Neymar, e ele poderia ter ficado, poderia ter feito sua vida lá. Ninguém no Brasil se ressentiria caso tivesse aproveitado aquela abertura como o início de uma longa carreira jogando campeonatos de maior visibilidade como os da Espanha, Inglaterra ou Itália.

Mas Neymar pai disse que a família ignorou o sentimento popular.

“Nós somos de uma família humilde, e em uma família humilde sempre há a questão dos valores culturais”, ele disse. “Nós achamos que ele deveria crescer no Brasil. Aquela foi a primeira escolha séria que tivemos que fazer.”

Assim, Neymar não ascendeu nas fileiras do Real. Ele não recebeu a exposição garantida aos prodígios sul-americanos que optam por jogar na Europa como, digamos, o argentino Lionel Messi, com quem Neymar é frequentemente comparado. Em vez disso, ele voltou para casa. Ele retornou ao Santos e reingressou em uma vida que rapidamente se desenvolveu em algo que ele nunca imaginou.

Certa tarde, antes de um jogo do Santos em 2010, Neymar e seu amigo André decidiram se dar novos cortes de cabelo. Neymar antes mantinha um visual simples, básico, mas após brincar um pouco com a navalha a dupla decidiu por algo semelhante a um moicano.

“Era apenas uma brincadeira”, disse Neymar recentemente, do modo como crianças levadas fazem.

Posteriormente no jogo, Neymar pai tinha acabado de se sentar em sua cadeira quando viu seu filho –e seu cabelo– em campo. Apesar de ter conseguido se conter de correr até lá e agarrar o filho pelo pescoço (um pensamento que passou pela sua cabeça, ele reconheceu), depois houve uma conversa –segundo o pai– sobre a impulsividade de Neymar.

Mas pouco podia ser feito. Afinal, Neymar marcou dois gols com seu novo corte de cabelo, de modo que aquilo não daria em nada e logo o corte de cabelo se tornou um fenômeno nacional. Crianças estavam com corte moicano. Adultos estavam com corte moicano. “No Brasil, só a presidente não tem corte moicano”, disse Neymar pai, suspirando. Até hoje –com Neymar de volta a uma aparência mais padrão– os fãs ainda prestam homenagem. Um adolescente com corte moicano espetado abordou recentemente Neymar em um restaurante em Nova Jersey, e Neymar esfregou os cabelos arrepiados enquanto tiravam uma foto juntos.

Uma vida examinada atentamente

A fama de Neymar, particularmente em casa, é difícil de quantificar. Ele voltou ao Santos aos 14 anos e teve o primeiro impacto no time aos 17, marcando 14 gols naquela temporada. Aos 18, ele marcou 42 gols em 60 jogos e levou o Santos ao título do Campeonato Paulista, o principal campeonato regional do país.

Não demorou muito para ele mal conseguir sair de casa. Neymar gosta de comer fora –comida italiana, japonesa e, é claro, arroz e feijão, ele disse– mas ir a restaurantes se tornou complicado. “E eu só sei fazer ovos mexidos sozinho”, ele disse um pouco encabulado.

Também há questões de segurança. Apesar da violência dos torcedores não ser tão predominante no Brasil quanto em alguns países da Europa, o escrutínio público sobre Neymar e seus companheiros de equipe aparentemente não tem limite. Certa vez, após o Santos ter perdido uma partida por 6 a 2, os torcedores ficaram tão furiosos que atiraram ovos contra os jogadores.

A atenção do público pode nunca ser maior do que em 2011, quando ele se tornou pai aos 19 anos. Seu pai o alertou contra o que chamou de riscos “químicos e físicos”, mas apesar de Neymar ter evitado problemas com álcool e drogas, o estardalhaço a respeito de seu filho fora do casamento foi brutal.

Jornalistas bisbilhotaram. Fãs especularam. Programas de televisão e a imprensa inspecionaram todos os aspectos da situação. Eduardo Musa, um dos 14 membros da equipe de consultores de Neymar, disse: “Foi esmagador e o que não queríamos era que as pessoas não esquecessem que não se tratava de uma questão de dinheiro ou outra coisa. Era um bebê. Isso é que era importante”.

O bebê, um menino chamado Davi, nasceu em agosto, e Neymar disse que a feiura da cobertura da gravidez foi superada em muito pela alegria da paternidade. Davi mora com sua mãe, mas Neymar disse que o vê com frequência; em Nova York, ele e sua irmã saíam frequentemente para comprar presentes para Davi, disse Neymar pai.

“Tudo na minha vida aconteceu muito cedo, pessoal e profissionalmente”, disse Neymar. “Eu estou sempre aprendendo. Eu preciso.”

Ultimamente, o foco em Neymar se tornou quase exclusivamente sobre onde ele jogará. Em seu 20º aniversário em 5 de fevereiro, ele marcou seu 100º gol profissional, e o Santos rejeitou as investidas de vários clubes europeus, incluindo o Chelsea, de levar Neymar para a Europa.

Isso não é novidade. Neymar pai lembrou de um estranho o confrontando em um mercado, quando Neymar tinha 16 anos, e o repreendendo sobre como ele devia a todo mundo –a seu filho, sua família e ao povo brasileiro– enviar Neymar para jogar na Europa.

Mas Neymar pai disse que a família está mantendo seu plano. “Foi difícil permanecer no Brasil”, ele disse. “Mas estamos conseguindo, nós estamos fazendo isso pelo menos até que ele amadureça. Então ele sairá e se mostrará ao mundo.”

Um senso de propósito e lugar

Às vezes, Neymar pai soa um pouco como o pai de Tiger Woods, Earl, quando fala sobre seu filho. Earl Woods era conhecido por seus pronunciamentos (frequentemente bombásticos) sobre a importância e impacto de Tiger, talvez mais notadamente quando sugeriu que Tiger teria mais influência no mundo do que Jesus Cristo. Neymar pai é mais comedido –ele ao menos diz que seu filho ainda está se desenvolvendo– mas prega, ao mesmo tempo, sobre como Neymar ajudará a mudar o estilo do futebol ao redor do mundo.

Inicialmente, parece uma reação exagerada ao aumento do estilo mais duro (tanto no Brasil quanto em outros lugares) e uma deterioração do belo jogo, que exibe dribles artísticos e, em seu melhor, sequências deslumbrantes de movimentação da bola pelo campo.

Mas mesmo assim é preciso considerar isso: há um vídeo no YouTube intitulado, em parte, “Neymar Super Drible”, que contém imagens de uma partida do ano passado entre Brasil e Argentina. Nela, Neymar recebe um passe na lateral esquerda, controla a bola habilmente e realiza uma série de dribles, chutes no vácuo e o que pareceu uma sambadinha rudimentar antes de astutamente passar com a bola pelo adversário.

Não há um gol incrível marcado no vídeo. Não há nem mesmo um chute a gol. Há apenas o drible, a corrida e o movimento quase gracioso, e até o momento o vídeo foi visto mais de 9 milhões de vezes.

Neymar pai acredita que esse tipo de alcance é prova de que os riscos assumidos pela família para Neymar valeram a pena. “Se meu filho não fosse jogador de futebol hoje, ele estaria desempregado”, disse o pai, mas é mais do que isso. Ele não teria propósito, prosseguiu Neymar pai. Não teria lugar.

Agora Neymar é comparado com Messi. Alguns, como o ex-companheiro de equipe de Messi, Thierry Henry, não veem comparação. “Eu acho Neymar incrível; eu acho Messi mais que incrível”, disse Henry. Mas há pessoas como Pelé, talvez o maior jogador de todos os tempos, que dizem acreditar que Neymar tem uma técnica mais avançada do que Messi.

Neymar é diplomático, dizendo: “Eu ainda tenho um longo caminho a seguir para ser comparado com ele de verdade”. Se acreditarmos nele e em seu pai, Neymar deixará Londres após as Olimpíadas e voltará ao Brasil, onde pretende cumprir seu contrato com o Santos, que vai até 2014.

É um risco, é claro. Neymar poderia se machucar, poderia perder a forma. Ele poderia ser superado por outro prodígio capaz de fazer ainda mais com a bola. E, como o homem no mercado disse anos atrás, como a família se sentiria se Neymar nunca jogasse nos maiores palcos do esporte?

Pai e filho dizem não se importar. Esses são riscos que eles correm e são as escolhas que eles fizeram. Esse é o caminho deles.

“Todo mundo pensa que dinheiro é tudo, mas não é”, disse Neymar pai, bebendo seu café. “Nós vivíamos com muito pouco.”

Ele gesticulou na direção da janela. “Talvez audácia, ousadia de dizer ‘não’, signifique algo para as pessoas em toda parte. Talvez diga algo importante. Não é?”

Então Neymar pai riu, porque ele sabia. É claro que sim. A busca pela calça de veludo nunca termina.

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