Mãe de Alan Fonteles relembra dificuldade de conseguir próteses no SUS
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REUTERS/Olivia Harris
Alan Fonteles, abraçado com a bandeira do Brasil, comemora a vitória nos 200 m rasos T44
A mãe do para-atleta brasileiro Alan Fonteles afirma que conseguir próteses pelo Sistema Único de Saúde (SUS) foi uma das maiores dificuldades enfrentadas durante sua infância.
"A primeira prótese que ele teve, aos nove meses, nós tivemos que comprar. As outras, conseguimos pelo SUS", disse Cláudia Fonteles à BBC Brasil.
"Era muito difícil. Tem dias que não gosto nem de me lembrar. Mas Alan sempre me diz: 'Mãe, o passado é o passado, o importante é agora. Tanto eu ensinei para ele quanto aprendi.'"
Fonteles, que no último domingo venceu o favorito Oscar Pistorius e levou o ouro nos 200m rasos, correu até os 13 anos de idade com as próteses de madeira que usava para caminhar.
O atleta paraense, de 20 anos, começou a correr aos oito em um projeto de iniciação esportiva ligado ao governo do Pará.
Sua primeira treinadora, Suzete Montalvão, disse que ficou "assustada" e "preocupada" ao ouvir da mãe de Alan o pedido para que treinasse o menino. "Aquilo era novo para mim. Nunca tinha treinado um atleta paraolímpico."
Montalvão, que acompanhou Alan até o fim do ano passado, quando ele se juntou à equipe permanente paraolímpica, diz que foi preciso adaptar os movimentos do atleta às próteses de madeira. Por causa da falta de flexibilidade dos membros, ele tinha que correr com as pernas mais abertas.
"É muito difícil, imagine correr com uma perna de pau. Mas trabalhávamos com o que tínhamos, isso não podia ser um fator de desestímulo para ele. Eu tinha que mostrar que ele podia fazer o melhor para ele com essa condição", disse à BBC Brasil.
"Muitas vezes ele sangrava na hora do treinamento, mas ele sempre dizia para continuarmos. Me doía o coração, mas era da condição dele mesmo. O atleta olímpico também trabalha em cima da dor."
'Preocupação de mãe'
A dona de casa Cláudia Fonteles, de 39 anos, foi quem pediu a Suzete Montalvão que treinasse Alan para ser um atleta. No entanto, ela disse que foi convencida a deixá-lo correr.
"Os meninos próximos a ele, amigos e vizinhos, já corriam e ele começou a insistir que queria ir para o atletismo, mas eu não queria deixar. Era preocupação de mãe", disse ela à BBC Brasil.
"Mas o vizinho veio falar comigo e disse que seria bom para ele. Aí nós fomos na escolinha de educação física e ele começou."
Nascido em Marabá, Alan Fonteles teve uma septicemia - infecção geral no organismo - causada por uma infecção intestinal, aos 21 dias de vida. Por causa disso, ele teve as duas pernas amputadas acima do joelho ainda bebê.
Além da fisioterapia diária até os três anos de idade, para aprender a andar, ele também praticou natação durante a infância, por recomendação médica.
"Ele é um menino que não reclama, que 'fica na dele'. Não se queixava de dificuldades", disse a mãe.
"Sempre acreditei nele, nunca tive medo de ele cair ou se machucar."
Segundo Suzete Montalvão, o apoio familiar foi determinante na trajetória do medalhista olímpico. "Um dos maiores problemas que temos para treinar crianças com deficiências é que as famílias não acreditam que eles conseguem fazer as atividades", disse.
"A família do Alan foi diferente. A mãe dele é uma guerreira, o levava para os treinos e sempre o acompanhou."
Vontade
Fonteles tornou-se um dos nomes mais conhecidos dos Jogos Paraolímpicos de Londres, após uma arrancada na final dos 200m e as críticas do atleta sul-africano, que disse que suas próteses eram "altas demais".
Nesta segunda-feira, Oscar Pistorius pediu desculpas por ter feito os comentários sobre as próteses de Fonteles no final da corrida, mas manteve o questionamento.
O Comitê Paraolímpico, no entanto, voltou a afirmar que o equipamento do brasileiro está dentro dos padrões dos Jogos e que ele é, de fato, o campeão da prova.
"Ele (Oscar Pistorius) quer questionar, é do direito dele, mas o Alan está dentro dos padrões e das regras. Alan cresceu, não é mais o menino de Pequim. Ele é um homem. Por isso as próteses dele têm que acompanhar o crescimento, biomecanicamente. Se os ossos do corpo cresceram, os ossos da perna também tem que ser maiores", afirmou Suzete Montalvão.
"Alan ganhou do Pistorius na raça, na vontade, por causa da técnica dele e do treinamento."
O paraense havia conquistado uma medalha de prata no revezamento 4x100m nas Paraolimpíadas de Pequim 2008, a prata nos 200m e o bronze nos 100m nos Jogos Parapan-Americanos de Guadalajara 2011 e o bronze nos 100m no Mundial de Christchurch, em 2011.
"Ele sempre falava que o sonho dele era ir nas Olimpíadas e que ele iria. Desde pequeno", afirmou Cláudia Fonteles.
A disputa da final dos 200m rasos foi assistida pela família de Alan Fonteles em casa, na companhia de amigos, colegas e vizinhos.
"É uma emoção muito grande, não consigo nem explicar", disse a mãe do para-atleta, com a voz embargada, ao telefone.
Depois de conquistar a medalha, Alan falou com a família. "Falei para ele que eu amava muito ele e ele agradeceu por tudo que a gente já passou. Foi isso. Não tem muito mais o que dizer." Já Suzete Montalvão preferiu assitir a prova decisiva em sua própria casa, "quietinha".
"Na sexta-feira à noite eu conversei muito com ele, fizemos uma retrospectiva da vida dele, das dificuldades pelas quais passamos aqui em Belém. Disse que ele sabia onde queria chegar, agora era só mostrar que veio para ficar."