Tocha olímpica passa por bairros que tentam esquecer incêndios de 2011

Rodrigo Bertolotto

Do UOL, em Londres (ING)

  • Paul Hackett/REUTERS

    Sob olhar do príncipe Charles, Jay Kamiraz prepara-se para repassar a tocha olímpica

    Sob olhar do príncipe Charles, Jay Kamiraz prepara-se para repassar a tocha olímpica

A tocha passou pelos bairros londrinos de Tottenham e Enfield nesta quarta em seu caminho ao Estádio Olímpico, mas um ano atrás as chamas que se viam por lá eram os grandes incêndios de prédios durante os distúrbios que paralisaram a Inglaterra por seis dias e provocaram cinco mortes, 3.100 detenções e 200 milhões de libras (R$ 600 milhões) em prejuízos para lojas e particulares.

À época, a imprensa britânica criticou a segurança na cidade que iria receber a Olimpíada de 2012. Não por nada, a bolha de proteção da “família olímpica” inclui agora, além da polícia, 12 mil seguranças e 13 mil soldados (muito mais que os 4.000 homens que o Reino Unido mantém no Afeganistão atualmente).

Os anfitriões pecam pelo excesso até no desfile da tocha. Tamanho é o aparato logístico no trajeto que o público vê o fogo olímpico no meio de tantas viaturas policiais, vans da transmissão ao vivo e caminhões dos patrocinadores. Até agora, só um rapaz islâmico tentou interceptar a chama olímpica na semana passada, mas foi prontamente imobilizado pelo policiamento.

Em Tottenham e Enfield, os moradores que acompanharam o desfile da pequena chama esportiva não se esquecem de algo de maior proporção. “Foram três grandes incêndios que iluminaram a noite e deixaram a gente em pânico. Foi uma coisa sem propósito”, afirma a lojista Tricia Hart.

O estopim foi a morte do jovem negro Mark Duggan por policiais em 4 de agosto de 2011. Os protestos na frente da delegacia de Tottenham se espalham pelas ruas, com o saque de lojas e a queima de casas, carros e ônibus, incluindo os típicos de dois andares (os double-deckers).

No dia seguinte, a confusão se espalhou por outros bairros londrinos como Enfield e Hackney, que é vizinho ao Parque Olímpico. Quando a situação se acalmou em Londres, outras cidades inglesas, como Manchester, Bristol e Birmingham, tiveram suas noites de caos.

“Vi uma senhora ter a casa queimada, e os arruaceiros ainda riam do sofrimento dela”, conta a desempregada Chris Dalton. Como ela, 2,5 milhões de habitantes das ilhas estão sem trabalho, o que corresponde a 8% da população economicamente ativa.

Analistas apontaram que a recessão e o desemprego ajudaram motivar a revolta. A mídia local destacou a utilização de mensagens de celulares e tuitadas por smartphones para combinar saques e depredações.

Tottenham é uma Inglaterra bem diferente daquela história de rainhas, palácios, pompas e cerimônias. O que se vê são muitos conjuntos habitacionais, casas deterioradas que viram cortiços e terrenos baldios. A área tem uma grande concentração de imigrantes africanos e caribenhos, e o componente étnico serviu como um rastro de pólvora para os distúrbios de 2011.

Os prédios incendiados foram demolidos, e os tapumes que os cercam atualmente a área anunciam programas sociais e promovem o slogan “I Love Tottenham”. Mas o cenário geral parece próximo daquele de 2011.

Preparativos para a Olimpíada
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Maquiagem para a tocha

Bem diferente é o show televisivo da tocha passando pelos quatro cantos do Reino Unido. Só na passagem pelos bairros do norte de Londres teve príncipe Charles (e sua esposa Camila), o goleiro Gordon Banks e o ator Rupert Grint, o amigo ruivo dos filmes de Harry Potter.

 

Além deles, a lista de portadores da chama ao longo desses dias incluiu enfermeiras aposentadas, bombeiros voluntários, ex-combatentes na Guerra do Afeganistão, lideranças comunitárias, esportistas amadores, celebridades da televisão, das artes e do esporte (David Beckham, Louis Hamilton, Gary Lineker, etc.).

Inspiração para o Rio?

O fechamento das ruas aconteceu meia-hora antes, procedimento que engavetou ainda mais o trânsito londrino, que nesta quarta estreou as linhas exclusivas para os veículos olímpicos - o motorista comum que pilotar por elas receberá multa de 110 libras (R$ 330).

Em Enfield, a concentração humana que margeava a passagem incluiu os funcionários do comércio local, que abandonaram pubs, salões de beleza e supermercados para ver algo da Olimpíada de perto. Já os proprietários e gerentes ficavam na porta para ver de longe.

Os primeiros a passar são os policiais para abrir o caminho e afastar os curiosos do meio do asfalto. Em seguida, entram em cena os trios elétricos dos patrocinadores. De repente, de atrás de uma van (a van que faz o televisionamento ao vivo) aparece o corredor com a chama, sorriso estampado no rosto e acenos constantes para o público.

E pensar que essa mesma cena se repetirá em 2016 no Rio. E não há dúvida que o trajeto carioca deverá incluir as chamadas “comunidades pacificadas” para tentar apagar com o fogo olímpico o passado de violência que imperou por lá.

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