Major brasileira ouve apelido de "pistoleira" e cita violência do UFC para defender o tiro
José Ricardo Leite
Do UOL, em São Paulo
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Wander Roberto/Inovafoto/COB
Ana Luiza Ferrão atira para conquistar a medalha de ouro na pistola 25 m pelos Jogos Pan-Americanos
Sua paixão sempre foi a biologia. Mas, de forma despretensiosa, seguiu carreira militar e com apenas 13 anos de prática numa modalidade pouco conhecida conseguiu a chance de disputar uma Olimpíada.
A brasileira Ana Luiza Ferrão, 38 anos, é major do exército no Rio de Janeiro e representante brasileira nos Jogos de Londres no tiro esportivo, na pistola de 25 m. Foi a primeira brasileira a garantir vaga olímpica, há dois anos.
Mas a aventura pelo esporte foi algo totalmente imprevisto por seus desejos pessoais. Assim como o emprego de professora dentro do mundo militar. “Eu nem conhecia o esporte quando entrei no exército”, relembra.
“Não imaginava isso [fazer carreira militar] não. Foi realmente uma oportunidade. No último ano da faculdade eu estava naquela indecisão do que fazer, de ter que começar a trabalhar e ganhar dinheiro. Meu pai viu o anúncio do jornal de uma vaga no exército em Salvador e ele comentou. Fiz o concurso e passei. Fui direto da faculdade de biologia pra ser militar.”
Com fala mansa e jeito calmo, Ana Luiza tenta desmitificar a imagem de violência que alguns enxergam neste esporte em função do uso de uma arma. Ressalta que existe muita segurança na prática da modalidade e não há porque temer o tiro de forma esportiva. Até o MMA (artes marciais mistas) foi citado como comparação.
“Quando a gente aprende o funcionamento do armamento, você esquece o medo que uma pessoa civil tem, de pensar 'não posso tocar arma'. Não é assim, aquilo não atira sozinho, existem regras. Essa coisa de achar que é esporte perigoso é da imaginação das pessoas. Nunca ouvi falar de acidente. Nós nem podemos mexer no armamento quando o juiz não permite”, falou.
“São regras muito definidas. Acabamos com esses medos de quem não conhece. O tiro não tem nada de violento. Pelo contrário, se a pessoa for estourada e cabeça quente não terá calma e disciplina para conseguir competir. Não tem nada de violento, o UFC é muito mais violento. Nunca vi ninguém se machucar com tiro olímpico, mas nessas lutas eu vejo. Isso [de pensar que o tiro é violento] queima o filme do esporte”, continuou.
Usar arma na vida pessoal nem pensar. “Nunca, graças a Deus. Não tenho vontade, não ando armada. Ando com arma só no quartel.”
Apesar de praticar um esporte com arma, Ana diz que nunca teve sua imagem associada a violência pelas pessoas. Pelo contrário, gera curiosidade. “Não sou uma pessoa agressiva, as pessoas olham pra mim e ficam curiosas e interessadas. Gera mais curiosidade do que receio. Não tenho perfil de ser estourada e agressiva.”
ATLETA QUER SER MÃE E VOLTAR ÀS AULAS
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Ana Luiza demonstra estar cansada com a rotina de treinos e viagens e já fala em mudar o foco
As brincadeiras , apesar de poucas, são inevitáveis. A atiradora lembra de um coronel que deu um apelido e de alguns alunos que comentavam sua prática. “O chefe de um hospital onde trabalhei, coronel Rubens, brincava e me chamava de ´pistoleira´. Ele me abraçava e falava ´minha pistoleira´, mas com carinho, nada de preconceituoso. E quando eu dava aula meus alunos brincavam, falando que eu ia atirar em todo mundo. Mas de brincadeira mesmo.”
A rotina de treinos da brasileira que foi medalha de ouro nos Jogos Pan-Americanos é exaustiva e já dura há alguns anos com muitas viagens. O fato de ter que se privar de uma vida pessoal mais calma faz com que a atleta pense em rever a carreira após os Jogos. Ela deseja ainda ser mãe. Mas admite que a falta de competir futuramente pode gerar muita saudade. Saudade que já tem de sua profissão, lecionar biologia.
“Minha função é ser professora de biologia. Depois vou voltar a executar essa função”, falou.
“Passei esse último ano mais fora do Brasil do que dentro. Queria dedicar mais à vida pessoal. Quem sabe ser mãe. Mas tenho a impressão que logo vai me dar saudade. O bom do tiro é que temos muito tempo pela frente. Posso dar um tempinho, mas logo vou querer estar de volta”, falou.