Daiane pede maturidade às ginastas e diz não aguentar mais ouvir "Brasileirinho"

Gustavo Franceschini e Paula Almeida

Do UOL, em São Paulo

  • Alexandre Santos/UOL

    Daiane dos Santos falou sobre aposentadoria, a crise na ginástica e até de como é vaidosa

    Daiane dos Santos falou sobre aposentadoria, a crise na ginástica e até de como é vaidosa

Pioneira, experiente e símbolo de uma geração, Daiane dos Santos está prestes a se aposentar.

Em entrevista ao UOL Esporte, a ginasta mais famosa do Brasil fez um balanço da carreira, defendeu a seleção permanente e cobrou “maturidade” das pessoas envolvidas na ginástica para evitar crises. Com bom humor, ela também pediu que sua antiga música-tema, o “Brasileirinho”, não seja mais tocada perto dela.

Daiane dos Santos
Daiane dos Santos

“Ai, não. Não aguento mais. E as pessoas adoram. Ficou muito gravado. E as pessoas tocam em tudo quanto é coisa. Eu já vi gente tocar na folha, na caixinha de fósforo... As pessoas cantam, querem que eu dance. Chega uma hora em que você não aguenta mais”, conta Daiane, aos risos.

A conversa com a ginasta aconteceu no clube Pinheiros, onde ela treina para chegar forte aos Jogos Olímpicos de Londres. Com a aposentadoria marcada para o fim do ano, falou sobre o caminho difícil que marcou a classificação da seleção feminina, com direito a uma grave crise durante o Pan do ano passado.

“O que eu acho é que falta um pouco de maturidade para lidar com a situação. A situação começou no Mundial [de Tóquio, no início de outubro]. Aí, quando chegou em Guadalajara estava muito difícil. Não era pouco, era muito difícil”, enfatizou Daiane, lembrando que os problemas ficaram para trás no início do ano, quando uma conversa colocou as coisas em ordem para que elas se classificassem no evento-teste em Londres.

DAIANE CONTA COMO RECEBEU UM CONVITE PARA POSAR PELADA

  • Mesmo sem aceitar tirar a roupa, Daiane é vaidosa. Ela se orgulha do corpo de ginasta e de parecer mais jovem que seus 29 anos. Mas se preocupa com o que acontecerá quando parar de competir.

    "Não adianta só ficar treinando, tem de ter um creminho, se cuidar. A gravidade chega para todo mundo. Quando chutei o balde, vi que se ficar vivendo só de festa a coisa não vai ficar como eu quero. Tenho de gastar esse metabolismo."

Confira abaixo a entrevista completa de Daiane, que ainda opinou sobre a seleção permanente, a estrutura da ginástica no país e contou o que planeja para quando parar de competir:

UOL Esporte: Depois de duas Olimpíadas, qual é a sua expectativa para os Jogos de Londres?
Daiane dos Santos:
A gente não sabe o que pode fazer até chegar lá, mas temos coisas a melhorar como equipe para chegar na final. Para isso temos de aumentar as notas de partida, principalmente na barra paralela. Para mim, no solo eu tenho condições de ir à final. Não tem nada que diga que não tenho chances de medalha, mas tenho de melhorar a nota de partida da série. Depende do dia. Ginástica não tem como prever muito antes.

UOL Esporte: O caminho para Londres foi turbulento. O que aconteceu para gerar aquela crise no Pan do ano passado?
Daiane dos Santos:
O que eu acho é que falta um pouco de maturidade para lidar com a situação. Era um problema de organização, da coordenação, dos treinadores, que acabou afetando elas. E surgiu esse problemão que ficou e estourou no momento errado. A situação começou no Mundial já. Aí, quando chegou em Guadalajara, estava muito difícil. Não era pouco, era muito difícil. Acho que falta maturidade não só das meninas, mas um pouco do outro lado também, da coordenação. Para saber compreender e se acertar. A gente tem dentro da seleção muitas pessoas que pensam de forma diferente. Isso causa atrito. Mas, se você é uma pessoa civilizada, você senta e se entende. Elas [as ginastas] também não são mais crianças. Só que às vezes a gente fica mais velha e, em vez de ficar mais responsável e compreensiva, a gente acha que sabe tudo. E aí que começam os problemas.

UOL Esporte: E esse problema foi resolvido?
Daiane dos Santos:
A gente conversou muito quando se reuniu para treinar no início deste ano. Os treinadores, coordenadores, as meninas, todos conversaram. A gente se entendeu, por isso as coisas deram certo em Londres. No Pan a gente tinha a mesma equipe. A gente fez um milagre agora? É que agora todas estavam puxando a corda para o mesmo lado, e não cada uma para o seu lado

ENTENDA A CRISE DO PAN

A seleção feminina vinha de uma série de treinos e do Mundial de ginástica no Japão. No total, foram cerca de 45 dias de convivência. Após a eliminação da equipe no Pan, Daiane defendeu a volta da seleção permanente. Daniele reagiu, discordou e expôs a crise, que chegou ao ápice quando Adrian Gomes disse que as meninas falavam das outras “por trás”.

UOL Esporte: Em uma conversa com o UOL Esporte, Georgette Vidor, coordenadora da seleção, disse que a briga não aconteceria se ela estivesse lá no Pan.
Daiane dos Santos:
Eu acho que o Léo [Leonardo Finco, coordenador do time masculino e chefe de missão da ginástica no Pan] soube lidar muito bem com as coisas lá, porque as coisas não começaram em Guadalajara. As coisas começaram no Japão, e ela [Georgette] já estava lá. Guadalajara foi onde estourou. O Léo fez o que pôde. Ele conversou com as meninas, com os treinadores, mas estava muito difícil. Claro que a Jô [apelido de Georgette] ajuda muito. Ela é coordenadora, é o papel dela.

[Nota da Redação: Georgette Vidor esteve no Japão, mas não foi liberada pela Prefeitura do Rio de Janeiro, onde ocupa o cargo de secretária municipal da pessoa com deficiência, para ir a Guadalajara.]

UOL Esporte: Uma das discordâncias mais sérias entre vocês é sobre a seleção permanente, que você defende. Por que ela foi boa?
Daiane dos Santos:
O molde estava certo, mas algumas coisas teriam de ser corrigidas. Implantar isso no Brasil é complicado, a gente não mora em uma Europa, mas a gente sabe que o resultado que a gente teve foi por causa da seleção permanente. Por que isso não surgiu antes nos clubes? Porque quando vai para a seleção permanente o foco é a ginástica. Infelizmente, quando a menina vai para a sua casa, ela tem outras coisas para desvirtuar.

GINASTA DEFENDE A SELEÇÃO PERMANENTE NO ESPORTE; VEJA

UOL Esporte: Mas na época em que a seleção foi desfeita surgiram acusações de maus-tratos, de negligência médica e até de que as meninas não podiam beber água. Isso aconteceu?
Daiane dos Santos:
Sofreu maus-tratos? Elas apanharam de alguém? Não. Teve coisas que não foram corretas, mas a gente tem de entender que eles [os técnicos ucranianos Oleg e Nadja Ostapenko e Iryna Ilyashenko] não são brasileiros, estavam se adequando ao país. Aconteceram algumas coisas exageradas, como ficar muito tempo sem ir pra casa. Eles não gostavam mesmo que a gente tomasse água, mas não era aquela coisa de que estavam proibidas, de ter de tomar em uma tampinha. Eu falo: ‘Eu vou tomar água’. ‘Ah, mas não pode tomar água’. ‘Mas eu vou tomar água, eu preciso tomar água’. Talvez não vão gostar? Fazer o quê? Você vai morrer sem tomar água? Mas acho que, se você tem algum problema, não é jogando na TV que você vai resolver. Vai sentar com quem tem de sentar e resolver. Acho que a gente tem de tentar achar um meio-termo de tudo isso. Algumas coisas não vão mudar na ginástica, porque é um esporte militarista. Tinham coisas a ser corrigidas, mas roupa suja se lava em casa.

UOL Esporte: Você se sente decepcionada por não ter conseguido uma medalha em Atenas-2004 ou Pequim-2008, quando você estava entre as favoritas?
Daiane dos Santos:
Decepção não. Para algumas pessoas pode ter sido decepcionante, para mim não. Eu fui a duas Olimpíadas. Fui a primeira brasileira a entrar em uma final olímpica. São coisas que acontecem no esporte. Claro que fiquei irritada e brava, porque treinei muito. Mas não tem muito o que fazer, tem de voltar e treinar.

UOL Esporte: Você se incomoda com uma cobrança pelos resultados?
Daiane dos Santos:
Ninguém está na nossa pele. Quem ganha e quem perde é a gente. Ninguém está aqui treinando sete horas por dia para ganhar uma medalha. Ninguém sente mais dor, revolta do que a gente, que estava ali com tudo na mão. Se as pessoas leigas, o povo fala, tudo bem. Mas o jornalista está acostumado com a sua rotina. ‘O cara amarelou’... Quem vai amarelar chegando na Olimpíada? Não existe isso. O que existe é você ter erros.

UOL Esporte: Como você avalia suas chances em Londres em relação às de 2004 e 2008?
Daiane dos Santos:
Acho que as chances não são iguais. Tenho chances de entrar na final. Agora, medalha não adianta, não é? Esporte é loteria. Eu tenho chance, só que para isso vou ter de trabalhar.

DAIANE CONTA QUE NÃO AGUENTA MAIS OUVIR "BRASILEIRINHO"; ASSISTA

UOL Esporte: No caminho para Londres, você sofreu uma punição de seis meses por uso de furosemida, uma substância proibida. Quão difícil foi esse momento para você?
Daiane dos Santos:
Muita gente não entendeu o que aconteceu. Não tive recriminação. De onde eu precisava de apoio estavam do meu lado, que era meu clube, minha família e meus amigos. Quem viveu uma situação parecida comigo foi o [Cesar] Cielo [nadador brasileiro também flagrado por furosemida, mas absolvido pela Corte Arbitral do Esporte]. Quem se dedica e é muito honesto é pego de surpresa, toma um choque.

UOL Esporte: Você disse na época que era um tratamento para emagrecer e que, como não estava treinando por lesão, achava que não teria problemas. Penalizou-se muito depois disso?
Daiane dos Santos: Não. Fiz o tratamento porque estava tranquila. Na minha cabeça, eu era uma pessoa comum. Se não podia treinar, eu queria fazer um tratamento estético como uma mulher qualquer. Só que aí me explicaram que não sou uma mulher normal. Até não querer mais treinar não é um direito. Me julguei horrores, porque eu sempre me cuidei muito. Só que estava tranquila.

UOL Esporte: No fim do ano você se aposenta. Já sabe o que vai fazer depois de parar? Pensa em trabalhar na TV como Tande e Flávio Canto, por exemplo?
Daiane dos Santos:
Eu não sei, porque nunca fiz nada além de ginástica. Não vou fechar portas para nada. Vou deixar de ser ginasta, mas vou estar sempre ligada ao esporte. TV é legal. Nada melhor que um atleta pra falar de um atleta. Algumas pessoas já vieram conversar sobre isso também, mas eu não sei. Vou pensar isso depois da Olimpíada. Ainda não sei o que vou fazer. Só sei que quero continuar perto do esporte.

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