UOL Olimpíadas 2008 Reportagens Especiais
 

Em montagem, João Derli toma mate no barco da dupla da classe 470

Fotos do salto em Brasília

14/07/2008 - 08h30

Sul atrai vela e judô com camaradagem e frio

Bruno Doro

Em Porto Alegre (RS)

Fazer calor em pleno inverno de Porto Alegre parece tão improvável quanto a cidade ser apresentada como celeiro nacional do judô e da vela para Pequim-2008. Mas a reportagem do UOL Esporte viajou para lá e constatou os dois fenômenos.

A capital gaúcha está longe de ser o destino óbvio quando se pensa em judocas e velejadores, mas é justamente por lá que estão as grandes apostas de medalha nos tatames e a maior fatia da equipe olímpica ao mar. Os caminhos que levaram os dois esportes a florescer pelo Rio Grande do Sul, a terra do “não está morto quem peleia”, são distintos, mas guardam uma semelhança principal.

“Acho que o gaúcho tem a consciência de que pode não ser o mais talentoso, mas deve ser sempre o mais empenhado”, diz o técnico Antônio Carlos Pereira, o Kiko, que há 20 anos trabalha com o bicampeão mundial João Derly, revelou a novata Mayra Aguiar e há quatro incorporou o campeão mundial e medalhista olímpico Tiago Camilo ao seu time.

“O pessoal aqui treina mais. Eu sou a titular da (classe) 470 na equipe olímpica há 11 anos. Isso quer dizer que a Fernanda é muito melhor do que as outras? Não, só quer dizer que eu me dedico mais. Existe um espírito gaúcho de correr atrás sempre”, completa a velejadora Fernanda Oliveira, que, aos 28 anos, parte para sua terceira participação em Olimpíadas – sua parceira na classe 470 feminina será a niteroiense Isabel Swan, que trocou o Sudeste pelo Sul em 2005.

A garra dos pampas, porém, não é a única explicação. Que o diga Tiago Camilo. Mais jovem medalhista da história do judô brasileiro, ele conquistou a prata em Sydney-2000 aos 18 anos. Quatro anos depois, estava “perdido” em São Paulo, sem vaga e em uma encruzilhada na carreira. “Depois de Atenas, percebi que tinha de mudar minha postura”, admite o judoca.

Bruno Doro/UOL Esporte

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Medindo as palavras, Camilo não dá o crédito total de sua revolução pessoal à mudança para Porto Alegre. Seu irmão, o medalhista pan-americano Luiz Francisco, o Chicão, sim. “Em São Paulo, todo mundo é qualquer um. Aqui no Sul, somos alguém. E esse carinho faz bem. O Tiago pode não gostar de falar nisso, mas foi aqui que conseguimos fazer com que ele voltasse a sentir tesão pelo judô”, afirma o judoca que também trocou São Paulo por Porto Alegre.

A calma necessária para treinar também ajudou. No trânsito, Camilo não enfrenta mais uma hora para chegar ao local de treinos diariamente, como quando morava em São Paulo. “Aqui, são dez minutos no carro. E só quatro semáforos”, conta o lutador. Além disso, é figurinha carimbada na imprensa local. Aparece em colunas sociais. E, como gosta de se gabar o clube Sogipa, é “o único atleta do Rio Grande do Sul dono de uma medalha olímpica”. Detalhe: Tiago não é gaúcho, enquanto os centrais da seleção de vôlei masculino campeã olímpica, André Heller e Gustavo, são.

O caso da vela é um pouco diferente. Entre os timoneiros Fernanda Oliveira, Fábio Pillar (classe 470 masculino) ou André Fonseca (49er), o discurso de falta de apoio é o mesmo de todo o país. Mas a união entre as três duplas que eles lideram é diferente. Em um pequeno galpão bagunçado na sede do clube dos Jangadeiros ficam os três barcos no qual treinaram os seis brasileiros olímpicos. Nenhuma cidade do país ostenta tantas tripulações olímpicas.

São Paulo tem apenas os favoritos da classe Star, Robert Scheidt e Bruno Prada. Florianópolis conta com Bruno Fontes, da Laser. O Rio de Janeiro tem os outros três iatistas, Eduardo Couto (Finn), Patrícia Freitas (RS:X feminina) e Ricardo Winicki, o Bimba (RS:X masculina). Mas Bimba, quarto colocado na prancha a vela em Atenas, mora em Búzios, no litoral norte carioca, e defende o Iate Clube do Rio apenas no papel.

“As condições de velejada no rio Guaíba não são as ideais. O barco não flutua tanto, não temos ondas e sentimos a diferença quando vamos para raias no mar. Mas o clima de camaradagem faz com que cada um se esforce mais. Ter outros olímpicos ao lado estimula e faz a diferença”, diz Fernanda.

As razões acima são válidas. Mas, pelo menos nos dias em que a reportagem do UOL Esporte visitou Porto Alegre, encontrou outra razão para a força gaúcha: o frio matutino. Pela manhã, com o termômetro abaixo dos dez graus (na semana anterior desceu aos 4 graus), lá estavam Derly e Camilo no tatame, para as 1000 entradas (uchi komis, a simulação de golpe para aperfeiçoar a técnica) do dia – “Quando eu era criança, enrolava para lutar de manhã. Disputar pegada era um sofrimento”, lembra Derly.

À tarde, já com o termômetro chegando aos dois dígitos, passando dos 15 graus, à beira do Guaíba, foi a vez de Fernanda Oliveira admitir: “Nos dias em que a temperatura está em um dígito, a gente fala sempre que não dá para velejar. Mas o (técnico Paulo Ribeiro) Paulinho sempre insiste e acabamos na água”.

Daí vem a explicação bem humorada de Kiko Pereira para o fenômeno: “Imagina só. Aquele frio lá fora. Você acha que o cara vai sair para beber uma cervejinha, como dá vontade no Rio? Ele quer mais é ir para casa, tomar uma sopa e dormir”. Coincidência ou não, foi exatamente o que fez a reportagem do UOL Esporte em sua viagem à Porto Alegre.

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