UOL Olimpíadas 2008 Especiais
 

Em montagem, dois símbolos locais: o cantor Serguei e o ponta Giba

Fotos da cidade

07/07/2008 - 09h02

Balneário surfista vira reduto de vôlei nacional

Rodrigo Bertolotto

Em Saquarema (RJ)

Primeiro era Saquá, o Maracanã do surfe, o point, o pico. Depois, a cidade ganhou fama como o Vaticano pansexual do roqueiro Serguei, com direito ao ditado “ir para Saquarema sem ver Serguei é como ir para Roma e não ver o Papa”. Agora o balneário fluminense tem o apelido de a casa do vôlei.

Tudo porque a confederação da modalidade construiu lá seu Centro de Treinamento, onde de tempos em tempos as seleções nacionais se confinam. O isolamento e a rotina de treino é tal que, tendo a praia em um atravessar de rua, os banhos de mar são raríssimos. A saída preferida é ir à farmácia vizinha comprar algum antiinflamatório.

O entorno do CT revela a típica desolação que um lugar de veraneio vive na baixa estação. Aposentados e pescadores são os únicos seres na praia. As casas estão puídas pela maresia, os quiosques fechados e, na areia, despachos de macumba aparecem vez ou outra. Uma matilha de cachorros atrás de uma cadela é a única movimentação no bairro.

Dentro dos muros da CBV (Confederação Brasileira de Vôlei), a locação é outra: os astros olímpicos em sessões em uma das quatro quadras do ginásio Aryzão, batizado em homenagem a Ary Graça, o presidente da entidade que idealizou o CT após a prefeitura local ceder o terreno, usado antes como garagem para barcos.

Nos gramados, secam os suados tênis, meias e joelheiras nas clareiras entre os pés de amendoeiras. Um heliporto serve para as idas e vindas rápidas de algum dirigente. Uma sauna com jardim de inverno relaxa os corpos submetidos a cinco horas diárias de treino. Uma imensa sala de musculação guarda aparelhos encomendados na proporção gigantesca dos selecionados. Um lago com caiaques fica à disposição dos astros do vôlei.

Rodrigo Bertolotto/UOL

[legendafoto.plain.html_reserved]

Jardineiro cuida de gramado do centro de treino do vôlei, com troféu em 1º plano

Mas o tédio das horas vagas já fez os jogadores não se contentarem com remadas no lago interno. “Uma vez pegamos a lancha do Ary, fomos quase até alto-mar, quando o motor pifou”, conta Gustavo, sobre a aventura marítima que deixou à deriva a seleção bicampeã mundial e ouro em Atenas-2004, com Giba, Rodrigão e Ricardinho, entre outros. “Os dois que sabiam nadar melhor foram pedir ajuda, o resto ficou esperando.” Tudo terminou bem, mas o episódio serviu para confinar ainda mais os selecionados.

“Aqui é para se concentrar, preparar a consciência, sem atividade extra”, decreta um austero Bernardinho, técnico do masculino. Um carteado aqui. Um mergulho na piscina lá. Um churrasco semanal (quarta para os homens, quinta para as mulheres).

“Aqui você respira vôlei, conversa vôlei, almoça vôlei. Mas dá tempo de fofocar e de ver novela também”, relata Joycinha, que tenta aliciar as jogadoras recém-chegadas da Itália para assistir aos folhetins atuais da TV: Valeskinha fez intensivão sobre enredos. Já Sheila, não aderiu.

O técnico José Roberto Guimarães exige um padrão de comportamento para formar um grupo que se mantenha unido na dispersão que é a Vila Olímpica. A norma é que as jogadoras comam juntas, mas, por outro lado, na hora da musculação não há bate-papo, afinal, ali não é academia.

A versão oficial é que o contato entre os times feminino e masculino foram mínimos nas cinco semanas de concentração por lá (o único casal público é formado por Murilo e Jaqueline). Só os papos de corredores e de refeitório.

Como tabu está as relações cortadas entre os técnicos José Roberto Guimarães e Bernardinho. E também a ausência de Ricardinho, barrado antes do Pan em meio a uma crise de premiação dentro da equipe (o espectro do levantador está nos pôsteres das conquistas, presentes em quase todas as paredes do local). “Desse assunto eu prefiro não falar”, corta o líbero Escadinha quando perguntado sobre o ex-companheiro, cujo nome batiza o quarto 6 do alojamento.

O retiro só é interrompido pela invasão semanal dos repórteres e pela eventual visita de estudantes, turistas ou grupo de moradores para um passeio agendado e guiado. Além dos treinos, os visitantes podem ver o Museu do Vôlei, sala com troféus, fotos e objetos do passado da modalidade.

O outro museu popular de Saquarema está a uns 20 quarteirões dali. É o Templo do Rock, com um jardim com arbusto podado em forma de conhecido símbolo de “paz e amor”. O cicerone é Serguei, roqueiro septuagenário que adotou Saquarema como lar há 25 anos e é a celebridade máxima da cidade quando os voleibolistas não estão.

A casa, cedida pela prefeitura local, foi visitada por 18 mil pessoas nos últimos três anos (só abre à tarde, já que o mestre de cerimônia odeia acordar cedo). Como troféu particular está pendurada em uma parede a camiseta da grife Cavalera como o dizer “Eu Comi a Janis Joplin”, que ele desfilou na São Paulo Fashion Week de 2004, em referência ao affair que teve com a cantora norte-americana.

De peruca loira e lentes azuis, o roqueiro recebe a reportagem com um “nice to meet you”, oferece um licor de chocolate e quer falar da eleição nos EUA (“Obama é o Kennedy negro”) enquanto escova os dentes. Aos poucos, começa a responder as perguntas feitas. “É. Sou cidadão do mundo, mas adoro Saquarema. Aqui é o paraíso.” O pessoal do vôlei pensa o mesmo. Basta saber se vão conquistar o mundo novamente em Pequim depois da temporada pela cidade litorânea.

Compartilhe: