Doping: velejadores do Brasil temem perder Rio-16 e atacam número de testes
A velejadora brasileira Isabel Swan, 32, nunca foi flagrada em exame antidoping. Tampouco disputa uma modalidade em que pululem episódios de consumo de substâncias ilícitas. Ainda assim, está a um passo de ser considerada culpada e corre risco até de perder os Jogos Rio-2016. Tudo por já ter somado duas faltas em provas realizadas fora de competição – uma terceira falha equivaleria a um resultado positivo. Com dois atletas ameaçados de punição por erros – o outro é Gabriel Borges, 24, da classe 49er, o ex-atleta Torben Grael, 55, que é coordenador-técnico da CBVela (Confederação Brasileira de Vela), criticou duramente o sistema adotado no atual ciclo olímpico.
“Sobre doping a gente não tem o menor problema. É uma situação ridícula: a agência de doping do Brasil [ABCD] tem complexo de vira-lata e quer mostrar serviço pra Wada [agência mundial antidoping]. Aí eles ficam enchendo o saco dos atletas e fazem um milhão de testes para dizer que são efetivos e etc. Queria ver fazerem isso nos estrangeiros”, reclamou Torben.
“O problema é administrar a coisa das faltas. Não é uma modalidade em que o doping faça diferença. É um esporte que mistura parte física e parte intelectual. Não faz sentido. Não justifica porque não deveria estar com três faltas, mas acho que também há um exagero muito grande. Nenhum outro atleta de nenhum outro país foi testado a quantidade de vezes que eles foram testados. Por que essa diferenciação?”, completou o coordenador.
Os testes realizados fora do período de competição são controlados por um sistema chamado Adams (acrônimo em inglês que significa sistema de gestão e administração antidoping). Cada atleta tem de preencher ali a agenda pessoal para o trimestre e informar detalhadamente a programação do período. Se houver mudanças, é preciso fazer notificações – o aplicativo pode ser acessado de computadores pessoais ou plataformas móveis (tablets e celulares, por exemplo). Os responsáveis pelos testes se baseiam nessas informações para entrar em contato com os esportistas.
“O sistema de localização que norteia esse processo de controle fora de competição prevê duas coisas: falha na localização, que é quando o atleta não preenche no sistema Adams o ponto exato em que estará naquela data, ou se ele não está no local previsto. Três casos de um ou de outro no período de 12 meses significam um resultado positivo e equivalem a um episódio de dopagem”, explicou Marco Aurélio Klein, secretário nacional da ABCD.
Isabel Swan, por exemplo, acumulou um episódio de cada tipo de falta. Na primeira, a brasileira deixou de preencher a localização; na seguinte, dormiu com porta fechada e ar condicionado ligado e não levantou para atender o fiscal – ela mora sozinha. “Agora eu estou numa neura com isso”, disse a atleta. “Não posso mais cometer esse tipo de erro”, adicionou.
Atletas na corda-bamba também em outras modalidades
A possibilidade de acumular três faltas tem influenciado diretamente a vida de vários brasileiros. Uma atleta classificada para a Rio-2016, cujo nome é mantido em sigilo pela ABCD, mora em um bairro de difícil acesso (nem todas as ruas têm placa com nome e algumas casas não possuem numeração visível). Após ter somado duas falhas, ela pintou em um muro da região uma seta apontando para a própria casa e a sigla que nomeia a agência nacional.
“Há um mês nós fizemos uma oficina com três pessoas da ABCD e 80 pessoas entre atletas, técnicos e oficiais. Foi uma atualização de endereço, trabalho com o sistema. Não é da nossa intenção e não temos uma meta. Estamos apenas fazendo nosso trabalho”, defendeu-se Klein.
A ABCD foi constituída em 2014, mas o LBCD (Laboratório Brasileiro de Controle de Dopagem) começou a operar oficialmente apenas em maio deste ano. O COB (Comitê Olímpico do Brasil) também já manifestou preocupação com o alto número de testes realizados com atletas locais no atual ciclo.
“O doping tem sido uma das nossas preocupações não pelo [resultado] positivo, porque o positivo o cara errou. Se falhou tem de ser julgado, e se for culpado tem de ser punido. Nossa preocupação tem sido com o aumento gigantesco de testes em função de você ter um laboratório novo e uma agência nova, com a necessidade de treinar os caras que estão na operação”, disse Marcus Vinicius Freire, diretor-executivo de esportes do COB, que adicionou. “Nosso medo e nossa paúra hoje são sobre o cara que nunca teve problema nenhum, que a gente sabe que nunca teve histórico de doping, em esportes que têm risco baixo ou histórico muito pequeno, como a vela. Temos atletas importantes na vela que têm duas faltas, com a possibilidade de amanhã um deles dormir na casa da namorada, perder um teste e ser excluído da Olimpíada sem nunca ter sido positivo. Estamos quase indo lá cuidar do celular do cara”.
Klein negou que o volume de testes tenha relação com a necessidade de a ABCD preparar as pessoas que participam da operação e alegou que a quantidade é apenas o adequado para o período fora de competição.
O COB monitora desde o início de 2016 os atletas que falharam em exames antidoping. O comitê conseguiu login e senha específicos para acesso ao Adams e recolhe informações sobre os esportistas que deixaram de fazer testes – quantos erros, quando isso aconteceu e qual foi a justificativa, por exemplo.
Além disso, o comitê fez um pedido de alteração no sistema de controle. A ideia dos brasileiros é que o acúmulo de faltas seja proporcional ao número de tentativas ou de testes. “Um cara que falta quatro vezes em cem é diferente do que falta três em quatro”, ponderou Marcus Vinicius Freire. A ABCD já acatou a proposta, mas isso ainda depende de aprovação da Wada. Não existe data para uma alteração e é improvável que isso aconteça antes da Rio-2016, cujo início está marcado para agosto.