! Lesão, doping e celular: o que tira o sono do COB a 50 dias da Rio-2016 - 16/06/2016 - UOL Olimpíadas

Olimpíadas 2016

Lesão, doping e celular: o que tira o sono do COB a 50 dias da Rio-2016

Guilherme Costa

Do UOL, no Rio de Janeiro

O Brasil estabeleceu em 2009 uma meta esportiva para os Jogos Olímpicos de 2016, que serão realizados no Rio de Janeiro. O objetivo dos anfitriões é estar entre os dez primeiros por número de medalhas, e para isso, segundo o COB (Comitê Olímpico do Brasil), é preciso somar pelo menos 23 pódios – o recorde do país, registrado em Londres-2012, é de 17. A 50 dias do início da competição, o caminho para essa ascensão não depende apenas de talento e preparação. Lesões, doping e celular, por exemplo, são assuntos que tiram o sono de Marcus Vinicius Freire.

Quando atleta, Freire, 53, foi medalhista de prata no vôlei masculino dos Jogos de Los Angeles, em 1984. Hoje diretor-executivo de esportes do COB, é o responsável por conciliar anseios de atletas e confederações e por viabilizar o plano macro da entidade. Na reta final do que ele considera “a melhor preparação brasileira na história das Olimpíadas”, o dirigente conversou com exclusividade com o UOL Esporte e traçou um panorama sobre desafios e preocupações em torno do que o país pode apresentar na Rio-2016.

Confira abaixo os principais tópicos do bate-papo com o executivo:

Faltam 50 dias para a Rio-2016. Ainda dá para mudar algo na preparação?

Ainda tem muita coisa a ser feita. Principalmente o polimento final. Vamos ter algo em torno de 450 atletas nos Jogos – hoje o número é 444 –, e apenas 200 e poucos têm nomes confirmados. Então, já é uma preocupação nossa. Principalmente pela experiência que temos – e o COB tem mais de 20 atletas olímpicos trabalhando aqui dentro –, sabemos que o cara que ainda disputa uma vaga a 50 dias dos Jogos vai dar até morrer. Então, lesão é a principal preocupação: recuperar quem está machucado e não deixar se machucar quem não está machucado.

Lesão e doping: as principais preocupações do COB na reta final

Com certeza, esses são os dois pontos que mais incomodam. O doping tem sido uma das nossas preocupações não pelo [resultado] positivo, porque o positivo o cara errou. Se falhou tem de ser julgado, e se for culpado tem de ser punido. Nossa preocupação tem sido com o aumento gigantesco de testes em função de você ter um laboratório novo e uma agência nova, com a necessidade de treinar os caras que estão na operação. Pensamos até em fazer uma proposta à agência mundial antidoping sobre isso: em vez de três faltas, que o limite seja proporcional ao número de testes. Um cara que falta três vezes em cem é diferente do que falta três em quatro.

Nosso medo e nossa paúra hoje são sobre o cara que nunca teve problema nenhum, que a gente sabe que nunca teve histórico de doping, em esportes que têm risco baixo ou histórico muito pequeno, como a vela. Temos atletas importantes na vela que têm duas faltas, com a possibilidade de amanhã um deles dormir na casa da namorada, perder um teste e ser excluído da Olimpíada sem nunca ter sido positivo. Estamos quase indo lá cuidar do celular do cara.

Sobre lesões, temos feito um trabalho grande de prevenção. Muito grande. Temos pessoas que coordenam um grupo com mais de 40 profissionais de medicina nas confederações e temos treinado protocolos para aproximar o formato do que é feito antes e depois da lesão.

Celular: o outro inimigo da preparação brasileira

O que aconteceu nos últimos 16 anos: antes a nossa preocupação era a diversão na Vila ou o cara ir para uma boate. Hoje em dia, os moleques começaram a viajar de forma absurda. Então, não tem mais a novidade. Na minha época, há 32 anos, um campeonato era a viagem do ano. Então, você chegava lá e queria fazer tudo. Isso não existe mais, mas esse aparelhinho desgraçado aqui [mostra o celular] tem sido uma preocupação. O cara fica sem dormir, fica preocupado com o que estão falando, fica gigante se estão falando bem e fica em depressão se estão falando mal. Briga, discute, bate boca com jornalista. Temos orientado sobre o que seria melhor fazer antes de competição, durante ou depois.

Como o COB tem lidado com excessos de comportamento dos atletas

Você tem de assinar um termo de compromisso para cessão de imagem, mas não existe manual do COB ou algo escrito. Temos orientações. O que mudou no último quadriênio, de Londres para cá: criamos um board com os maiores treinadores do Brasil, estrangeiros ou brasileiros, e um grupo de ex-atletas. Queríamos que eles mostrassem quais são os melhores caminhos. Quem ganha sempre, como ganha. É melhor fazer isso nesse caminho; cuidado com a Vila porque é uma Disneylândia; desfile de abertura é muito legal, mas você fica 18 horas comendo mal, em pé, sem descansar e sem treinar. Essas informações têm sido passadas. Já estiveram com os atletas o Giovane, o Guga, o Giba, a Fabi e a Daiane dos Santos falando o que eles fizeram.

O Giovane foi ótimo. Na Olimpíada de Atenas, e ele é casado com uma grega, ele proibiu a mulher de ir à Grécia. A mulher não entendeu nada, mas ele disse que foi egoísta. Ele precisava ser egoísta para ganhar aquela medalha, e ele é um dos seis brasileiros homens que têm duas medalhas de ouro em Olimpíadas. Ele falou para os meninos: “Sejam egoístas”. Essa é a hora de você pensar que vai mudar sua vida em 17 dias.

Polêmica em 2015, continência está liberada no pódio da Rio-2016

Em relação à continência, para nós foi passada completamente a borracha. Para nós aquilo é um cumprimento à bandeira ou ao hino nacional, seja nosso ou de um país amigo. Ficou por ali mesmo, sem problema nenhum. Sobre fazer ou não, depende de cada atleta. Os que são militares possivelmente vão fazer se ouvirem o hino do Brasil.

Por que o Brasil reduziu a meta de medalhas para a Rio-2016

Lá atrás, em 2009, nós fizemos a meta: queremos ser top 10, e esse objetivo continua igualzinho. Aí, como é desenhada essa tabela: tem os três inatingíveis, que são Rússia, China e Estados Unidos, com mais de 80 ou 100 medalhas. Do quarto ao oitavo são sempre os mesmos há 20 anos: Reino Unido, França, Austrália, Japão e Alemanha. O nono e o décimo, nos últimos três Jogos Olímpicos, tiveram 27 ou 28 medalhas. Por isso, tínhamos como referência um número perto de 30. A tendência nos últimos quatro anos foi essa turma de cima, os oito, ganhar um pouquinho mais de medalhas e mais gente de baixo aparecer. Países novos subiram no quadro de medalhas. Se você olhar os mundiais dos últimos quatro anos e somar, quem ficou no top 10 teve entre 23 e 27 medalhas. Então existe a possibilidade de esse top 10 ser alguma coisa menor do que 27.

O COB continua sem nominar nenhum dos atletas. Com dois objetivos: não deixar os 210 milhões nas costas do cara e não desmerecer o trabalho de alguns que podem surpreender a torcida brasileira. Ah, esse cara não estava na lista, então ele foi menosprezado. Falamos em um total, e esse total é a soma das confederações. Se a confederação de vôlei quer ser melhor do que foi em Londres, é simples fazer a conta.

Como o COB trabalha para evitar frustrações com os mais cotados

Neste momento, o detalhe do detalhe. Vou dar um exemplo: temos quatro duplas de vôlei de praia (duas no masculino e duas no feminino). Normalmente, uma dupla vai para a Olimpíada com duas ou três pessoas acompanhando. Quatro, no máximo. No Rio de Janeiro, cada dupla nossa terá oito pessoas. Nós alugamos um ginásio perto da Vila só para o Zé Roberto e para o Bernardinho. Se eles quiserem treinar meia-noite, 2h ou 16h, vão ter sempre a quadra pronta.

Para todos os atletas, também não queríamos que ficassem preocupados se a mãe comprou ingresso ou algo assim. Cada um terá dois ingressos disponíveis em cada vez que for competir. Ele não vai nem entregar: me fala o nome, e eu tenho um lugarzinho pertinho para que os familiares façam tudo sem que ele fique preocupado.

Em 2015, COB teve de cobrar confederações por queda de rendimento

O primeiro semestre de 2015 foi um sinal de alerta para todo o esporte brasileiro por três razões. A falta de resultado, o que acontece. Você não consegue ficar lá em cima o tempo inteiro. Nós tivemos dificuldades. Também tivemos estratégias diferentes com os que já estavam classificados: “Ah, não vou levar esse cara ou preciso fazer uma cirurgia e acho melhor que seja agora”. E uma terceira coisa: nós tivemos várias lesões importantes. Handebol, vôlei feminino, atletismo, natação. Tivemos um primeiro semestre difícil, um segundo de recuperação e um primeiro semestre de 16 que eu diria que foi no ritmo de 13 e 14, que foram os melhores anos pós-olímpicos. E eu, como sou muito otimista, diria que perdemos quando podíamos.

Por que a mudança de comando no futebol masculino é boa para o COB

Eu, como direção do COB, não faço um acompanhamento do futebol. Como ele tem um mundo um pouquinho diferente no Brasil – nós temos 41 esportes e uma religião –, nós não temos esse controle.

Eu sou muito amigo dos dois que saíram. Dunga e Rinaldi foram às Olimpíadas de Los Angeles comigo em 1984 e são medalhistas de prata como eu. Sinto eles saírem porque são dois profissionais e meus amigos, mas o processo da seleção olímpica há quatro anos tem sido conversado com o Micale. Não sei se ele será treinador, auxiliar ou estará no grupo, mas a preparação e a logística sempre foram com a equipe que cuidava da molecada sub-23, mesmo. Acho que se a confederação entender que o Micale vai estar no grupo a continuidade do trabalho vai ser seguida como foi planejado.

Por que o Brasil recorreu a atletas naturalizados para fortalecer times para a Rio-2016

Nós não fizemos um plano de naturalização de atletas. Nós apoiamos algumas confederações que resolveram ou tinham em seu desenho colocar naturalizados dentro de suas equipes. Segundo: é uma tendência mundial. Nossos principais adversários, como Itália, Ucrânia, Holanda e Canadá, têm. Eu fui jogar na Europa, trabalhei em banco francês e trabalhei em banco português. É uma tendência não ter essa obrigação de “ah, porque eu nasci aqui eu tenho de trabalhar ou competir por esse país”. Só acho que isso não pode ser generalizado, como aquela equipe do Qatar no handebol. Era uma legião estrangeira, e aí eu sou completamente contra. Só espero que ele tenha vontade e orgulho de jogar pelo país que escolheu. Se a lei dá esse direito, que ele possa usar bem.

E se o Brasil não for top 10 na Rio-2016? COB só não quer atletas “coitadinhos”

Acho que nós demos para os 450 atletas brasileiros a melhor preparação para eles terem a possibilidade de registrar ali a melhor atuação da vida. Se isso vai acontecer ou não, aí depende do adversário, de como eles vão se comportar no dia. Mas a tranquilidade, isso eu tenho treinado. Quando acabar, se vocês tiverem feito 12º ou 15º lugar, se tiverem uma medalha a menos do que o esperado, cara, eu durmo tranquilo. Só não durmo tranquilo por lesão e doping. Sobre o resto, quem dera eu tivesse tido como atleta o que demos para esses caras hoje. Não vai ter nenhum deles que vai dizer “pô, mas se vocês tivessem...”. Não vai ter. O Comitê Olímpico do Brasil pode ter a honra de dizer, faltando 50 dias, que nós fizemos realmente o que podíamos fazer por eles. Nada menos do que fizeram China, Rússia e Estados Unidos.

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