Cielo é domado por "Muricy da natação" para tentar o bi olímpico em Londres
José Ricardo Leite
Do UOL, em São Paulo
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MARK RALSTON/AFP
Albertinho, à direita, é um dos pilares de sustentação de Cesar Cielo
Uma das principais esperanças de medalhas de ouro nos Jogos de Londres, Cesar Cielo tem um mentor que pouco aparece, não faz questão de apupos e bajulação da imprensa, mas que cobra seus comandados e se contenta em ser reconhecido apenas por eles.
Alberto Silva, o Albertinho, tem jeitão curto e grosso, é avesso a cuidados excessivos com a imagem e costuma ser seco e desconfiado quando fala com alguém da imprensa que não conhece. Ele lembra o perfil do técnico Muricy Ramalho, do Santos. Apesar de em alguns momentos demonstrar mau humor, trabalha bem a parte psicológica do atleta, está sempre disponível para conversas e procura ajudar nas dificuldades pessoais.
“Estou no trânsito. Mas, se for rápido, pode falar”, respondeu o técnico ao UOL Esporte, ao ser questionado se poderia conceder uma entrevista. “Você me ligou? Então talvez eu tenha sido grosso com você, não gosto de falar pelo telefone”, disse Albertinho, já pessoalmente, em contato com a reportagem.
Mas basta quebrar, com o tempo, a frieza dos primeiros minutos para que Albertinho se solte um pouco mais. Mesmo por telefone, depois de ver que a pessoa com quem conversa domina o assunto. Fala pausadamente e explica todos os detalhes com calma a interesse.
ALBERTINHO AJUDOU GUSTAVO BORGES
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O agora técnico de Cielo e do P.R.O. 16 treinou Gustavo Borges, quando este estava em final de carreira. "Naquela minha fase eu precisava de um amigo mais do que treinador, já tinha 27 anos, filho, quatro medalhas, o esporte envelheceu na minha geração. Fomos juntos até 30, 31 anos. Mas eu amadureci muito junto com ele. O mais importante foi termos uma amizade muito grande, um respeito de ambas as partes. Ele tinha que me escutar, me ouvir, a gente acertou e errou muito junto. Amizade e o respeito fez com que eu nadasse por mais 4 anos", falou Gustavo.
“Às vezes tem que ter sensibilidade de estar sempre aberto para estar conversando. É bom pra você identificar tudo no atleta, se ele está feliz, se não está, se está preocupado. Normalmente você consegue, na base da conversa, abrir isso e identificar. Se você é muito fechado, não consegue observar. Às vezes não temos competência pra ajudar, mas identificamos e podemos antecipar. É criar um ambiente favorável e buscar caminho pra tirar mais do atleta. Dá mais trabalho, mas você participa mais,e com certeza pode ganhar muito mais”, explicou Albertinho.
Os comandados pelo técnico dizem que o jeito mais seco e reservado se restringe à imprensa em um primeiro contato. Com os atletas, funciona como psicólogo.
“Com a comunicação, imprensa, ele é realmente objetivo. Quer saber isso? É isso. Mas com o atleta não tem como ser objetivo ao usar a psicologia. Ele consegue profissionalmente romantizar o lado psicológico com atleta. Não é só estar lá todos os dias e cobrar resultado, querer resultado. E o lado humano? Ele tem controle emocional. Com o atleta você se abre, tem intimidade. Ele é um cara que sabe fazer muito bem isso”, falou Gustavo Borges, que trabalhou com ele no final de sua carreira.
“Ele treinou muitos atletas de nome e nunca está querendo estar do lado da foto. O que ele mais gosta é dormir a noite com só ele sabendo das coisas, satisfação dele é essa, não precisa abrir o jornal e ver a cara dele. É o maior ideal dele”, falou Henrique Barbosa, treinado por Albertinho.
Albertinho tem alguns momentos marcantes em que fica evidente seu lado coruja de proteção aos seus atletas.
No Troféu Maria Lenk deste ano, Cielo saiu irritado da piscina ao não fazer o tempo que desejava nos 100 m livre. Visivelmente desapontado, jogou a toalha em relação a conquistar uma medalha nesta prova nos Jogos Olímpicos de Londres e falou que seu foco seria apenas nos 50 m.
No dia seguinte, o treinador chamou a imprensa para conversar e colocou panos quentes. Falou que o nadador já estava mais calmo que não tinha desistido de se focar nesta prova. “O resultado que ele planejou aqui está dentro dele. Não saiu, mas está dentro dele.”
No Pan de Gudalajara, em 2011, Cielo chegou a ter uma indisposição estomacal e não foi visto em um treinamento. A imprensa toda passou a especular o que teria acontecido. Para abafar uma repercussão que expusesse uma gravidade maior do que o caso, Albertinho disse que Cielo não estava lá pois tinha saído para comprar luvas.
“Ele é um cara bem sensível nesse sentido. Tem um coração enorme e tenta sempre conversar e compreender o que está se passando. Sofre com a gente. Ele é bem sensível nesse sentido. Acho que isso é importante, ajuda a gente a ficar mais comportado”, falou Henrique Barbosa.
Cielo pouco vem aparecendo neste semestre olímpico e chegou a dizer que está tendo postura “mala”. Ações de marketing se tornaram cada vez mais raras na vida do nadador. Desde o ano passado, praticamente não dá mais entrevistas exclusivas, evitou gravações de comerciais e vai a pouquíssimos eventos de seus patrocinadores. Tudo para manter o foco em Londres.
Não abriu seus treinos para a imprensa. Nunca foi clara ser uma orientação de Albertinho, mas ele não é admirador treinos abertos. Diz que é um momento de trabalho e que não vai acompanhar as outras pessoas em suas atividades profissionais. Ontem, no primeiro dia de treinos de Cielo no Crystal Palace, só Albertinho falou. O nadador não.
O relacionamento entre os dois é intenso. Tanto que em dezembro de 2009, ao bater o recorde mundial dos 50 m, em São Paulo, Cielo fez questão de publicamente credenciar a marca ao treinador.
“Não foi a imprensa que chegou e falou aquilo, foi o cara que eu gostaria de ter feito o trabalho. Ele poderia só cumprir tabela, poderia não falar nada. Se ele falasse só pra mim eu ia ficar feliz do mesmo jeito. Teria sido a mesma coisa. Acredito que foi o sentimento dele naquele momento. Ele achou que foi importante”, falou Albertinho.
“A sensação foi dele. Se eu tivesse do lado talvez ele tivesse falado pra mim e não pra imprensa. Eu fiquei feliz por ele dividir comigo, não precisava ter sido na frente da imprensa. Tem momentos e momentos. Esse foi muito legal”, finalizou.