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Terra do handebol, Dinamarca já enganou rival vizinho na época do nazismo

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Regime de Hitler (à esquerda), forçou Dinamarca a fazer operação secreta para judeus imagem: AP Photo

Gustavo Franceschini

Do UOL, em Kolding (Dinamarca)

Sede do Mundial de handebol feminino deste ano, a Dinamarca tem um passado turbulento com a Alemanha, rival do Brasil nesta terça-feira (17h30 pelo horário de Brasília, com acompanhamento ao vivo do Placar UOL Esporte). Ocupado pelo nazismo durante a Segunda Guerra Mundial, o país nórdico protagonizou um momento dramático do confronto quando a população local teve de transportar mais de 6 mil judeus às pressas para a Suécia.

O episódio é marcante na história da Dinamarca, que se gaba de ter inventado o handebol no começo do século XX – a Alemanha, veja só, também defende o título de criadora do esporte. A relação entre os vizinhos, no entanto, vai além e remonta ao século XIX. Steen Bo Frandsen é professor na Universidade do Sul da Dinamarca e estuda as conexões entre os dois países. Dinamarquês, ele mora em Hannover, na Alemanha, com a mulher alemã. E explicou ao UOL Esporte o surgimento da animosidade. 

“Se você for falar sobre essa relação precisa contar sobre o tempo em que a Dinamarca era o maior e mais forte país da região. Quando a Alemanha se unificou, em 1871, ela mudou dramaticamente o balanço de forças”, disse Frandsen.

O episódio mais importante dessa relação, é claro, ocorreu na Segunda Guerra Mundial, quando a Alemanha ocupou a Dinamarca em 1940. Ao contrário do que havia acontecido em outros países conquistados pelo nazismo de Adolf Hitler, o país nórdico pôde manter seu governo e suas leis até 1943, quando o combate se intensificou.

Foi nesta data que o regime alemão exigiu a deportação dos pouco mais de 6 mil judeus que viviam na Dinamarca, contrariando a intenção da população local. A salvação desse grupo foi a traição de um oficial do exército de Hitler, identificado pelo Museu do Holocausto nos Estados Unidos como Georg Ferdinand Duckwitz, que contou os planos de seus superiores antes que ele fosse posto em prática.

A informação confidencial permitiu que os dinamarqueses se organizassem rapidamente. Em duas semanas, a população se mobilizou para transportar todos os judeus para a Suécia, país vizinho que não estava envolvido na Guerra e que poderia, portanto, receber os fugitivos. De carro, trem ou a pé, os judeus se encaminharam até a área costeira da Dinamarca, onde pescadores em pequenos barcos conseguiram fazer a travessia para a Suécia.

Relatos de quem viveu a época ainda dão conta de que os dinamarqueses guardaram as casas dos judeus que foram viajar, para que após a guerra eles pudessem retornar em segurança. O resgate marcante foi parar no cinema. “Milagre à meia-noite”, em 1998, retratou a saga com os atores Sam Waterston e Mia Farrow interpretando um casal que é obrigado a mudar-se durante a ocupação. 

A relação entre os países, como em quase todos aqueles que entraram em conflito na Segunda Guerra, foi abalada. No esporte, no entanto, essa animosidade teve reflexo considerável em uma única oportunidade. Em 1992, no maior momento do futebol dinamarquês em todos os tempos, a seleção nórdica venceu a Eurocopa justamente em uma final contra a Alemanha.

“Embora não tenha havido nenhum incidente durante o jogo, ele foi marcante. Os dinamarqueses fizeram uma grande festa em Copenhague. Serviu para mostrar que eles eram capazes”, conta Frandsen sobre o episódio.

Hoje, as coisas não são mais tão complicadas. Kolding, cidade em que o Brasil está hospedado na primeira fase do Mundial de handebol, é a sede da competição que está mais próxima da Alemanha, e até por isso recebe a seleção germânica. Nos dois jogos já realizados, torcedores do país vizinho foram muito bem recebidos na Dinamarca e fizeram festa para sua equipe, que perdeu da França e venceu a Argentina.

Morten Soubak, dinamarquês que é técnico do Brasil, já adianta que a relação hoje em dia não é a mesma. “Zero rivalidade. Pode esperar zero rivalidade”, diz ele sobre o assunto. Frandsen concorda.

“Não há dúvida de que hoje as coisas estão bem menos amargas do que já estiveram em qualquer momento do último século. A balança entre eles não é equilibrada, mas eles se dão bem hoje em dia”, conclui o professor. 

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