UOL Olimpíadas 2008 UOL em Pequim
 

Vil ou verde, “cavalo humano” retorna às ruas

Rodrigo Bertolotto

Em Pequim

“Os norte-americanos e britânicos são os mais gordos. Tem colega meu, principalmente os mais veteranos, que não agüentam. Eu canso um pouco mais, mas acabo pegando.” Jin Gong tem 27 anos e há seis trabalha como piloto de riquixá pelas vielas de Pequim. Como outros 100 colegas de cooperativa (a Beijing Hutong Tourist Agency), ele tira seu sustento das pedaladas em sua bicicleta que tem acoplada uma carruagem para dois passageiros.

O transporte de tração humana foi proibido depois da Revolução Comunista de 1949, apontado como trabalho humilhante. O costume elitista, porém, voltou em meio a abertura econômica que o país sofreu nos últimos anos.

Hoje em dia, cerca de mil homens vivem em Pequim do “desumano” riquixá, termo aportuguesado da palavra japonesa djinrikixa, que significa “veículo puxado por força humana”. No começo, eram homens a pé, depois veio a propulsão com bicicleta.

A invenção japonesa se espalhou no final do século 19 por toda a Ásia – tanto é assim que o serviço é comum até hoje no Paquistão, Vietnã e Tailândia; a capital de Bangladesh, Dacca, é conhecida como “a cidade dos riquixás”; e em Calcutá (Índia) cerca de 36.000 “cavalos humanos” tiveram seu sustento ameaçado por um governante que proibiu a atividade por lá há três anos.

Flávio Florido/UOL

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O curioso é que, nesses tempos de aquecimento global, a mania pegou até na Europa, agora com o selo de "transporte ecologicamente correto". Em Londres, por exemplo, muitos brasileiros pedalam por alguns trocados em libra. A moda só não pegou no Brasil, país com padrão asiático de abismo social, onde vários catadores poderiam reciclar seu serviço carregando as pessoas no lugar do entulho que elas produzem.

Mas na poluída China, com cinco milhões de carros invadindo as ruas cada ano e as chaminés a todo vapor, não vão ser os riquixás que equilibrarão esse prejuízo ambiental. O hábito mesmo voltou com a implantação da indústria do turismo querendo agradar visitantes com medo de se perder pelos bairros labirínticos.

Gong trabalha das 7h às 17h, fazendo de duas a dez viagens, sendo que cada uma dura uns 40 minutos. Seu local é o tradicional bairro pequinês de Houhai, como suas vielas típicas, os hutongs, com casinhas de paredes e telhas cinza e portas vermelhas.

Por lá, as crianças jogam badminton, senhoras passeiam com seus cães pequineses e os velhos disputam partidas de mahjong (jogo de tabuleiro com pedras representando flores, estações do ano e ideogramas e com regras parecidas com o buraco). A tranquilidade da área contrasta com a correria das avenidas modernas margeadas de prédios espelhados da capital chinesa.

“Trabalho só para me sustentar, com esse dinheiro não dá para fazer grandes planos”, define Gong sobre os 450 yuans (R$ 150) que ganha por mês. Por isso, as gorjetas dos turistas são um adicional bem-vindo. Ele veio da província de Heilongjiang, que faz fronteira com a Rússia, e trabalha todos os dias, afinal, dias chuvosos são raros na semi-árida Pequim.

Quando o movimento está fraco, vários pilotos dormem na carroça, embaixo de cobertores. É bom descansar agora, porque as Olimpíadas prometem ser uma maratona para eles com a maré de turistas que é esperada.

Publicado no dia 3 de abril de 2008

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