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Vítima de Mao organiza a Paraolimpíada

Rodrigo Bertolotto

Em Pequim

Deng Pufang é o presidente da Federação Chinesa dos Deficientes Físicos e está no comitê organizador da Paraolimpíada. Em um despacho de agência internacional, essa informação já seria suficiente para caracterizá-lo e permitir que uma declaração sua seja reproduzida sobre a futura competição. Mas isso é muito pouco para se falar dele. Simplesmente porque a trajetória de Pufang explica como nenhuma a história recente do país.

Aqui vão duas informações iniciais para a posterior ligação entre elas. Primeiro: ele é paraplégico. Segundo dado: o Deng é sobrenome de família, e ele é filho de Deng Xiaoping, um dos personagens principais da Revolução Chinesa de 1949 e o mentor da abertura econômica a partir da década de 70. Nascido em 1944, ele acompanhou o pai em seus deslocamentos durante a guerra civil que culminou com a vitória dos comunistas. Mas não foi nesse momento que ele se feriu e perdeu os movimentos da cintura para baixo.

Reuters

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Na verdade, a conexão entre os dois fatos está no caos que a China viveu entre 1966 e 1976, durante a chamada Revolução Cultural. Nessa época, o líder Mao Tsé-tung pôs literalmente o país de cabeça para baixo promovendo a perseguição de aliados com a ajuda das guardas vermelhas, grupo de estudantes que portavam o livro vermelho com os pensamentos maoístas.

Um dos que caiu em desgraça foi justamente Deng Xiaoping. Quem já fora ministro das finanças e secretário-geral do PCC acabou internado em fazenda de reeducação após ser acusado de “comportamento burguês”.

À época, Pufang era estudante de física nuclear. Era o ano de 1968. E ele não resistiu à repressão e à humilhação pública e tentou o suicídio se atirando do alto de um prédio. Só recentemente em entrevista ao canal estatal CCTV ele comentou essa passagem trágica. “Eu era bastante revolucionário naquele tempo, mas minha vida e minha carreira se acabaram quando me acusaram de contra-revolucionário. Era muito frustrante. Eu pensava que era meu fim.”

Sem atendimento médico, operação ou internação, ele viveu separado dos pais três anos. Até que em 1971, recebeu permissão de viver com eles na fazenda na província de Jiangxi (sul do país) onde lhes foi relegado viver.

Com a morte de Mao, em 1976, seu pai foi reconduzido ao poder e tornou-se o responsável pela abertura econômica que resultou no “socialismo de mercado” que a China adota hoje em dia.

Por seu lado, Pufang assumiu o comando da federação de deficientes físicos em 1988, mas logo veio nova onda de acusações. Dessa vez, ele era apontado como corrupto, utilizando uma empresa que inicialmente seria usada para arrecadar doações para deficientes para receber propinas de estrangeiros que queriam entrar no mercado chinês, aproveitando sua proximidade com o poder. Pufang se livrou da limpa que o governo fez com os parentes de mandatários, mas a Kanghua Development Corporation, a empresa envolvida, foi fechada.

Por todas essas polêmicas, uma entrevista com Pufang é coisa difícil. Como acontece frequentemente na China, um pedido formal de entrevista pode demorar um ano. Para ser respondido...se é possível ou não a entrevista. Desde janeiro, a reportagem do UOL Esporte tenta conversar com o dirigente, com solicitações via correio eletrônico e fax. Em sua passagem por Pequim, visitas à sede da entidade foram em vão.

A sede está localizada ao lado da famosa Cidade Proibida, bem na rua onde desde os tempos imperiais viviam os altos funcionários de Pequim (os chamados mandarins). A resposta lá dentro era “senhor Deng não está” ou “tente marcar com sua secretária”. Novos contatos, e nada. Como o frenesi pelas notícias esportivas da China tem data para terminar, o dia de 24 de agosto, encerramento da Olimpíada, esperar meses pela resposta não é o caso.

Publicado no dia 27 de março de 2008

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