UOL Olimpíadas 2008 UOL em Pequim
 

Suspeita afasta medicina chinesa dos Jogos

Rodrigo Bertolotto

Em Pequim

Chifre de veado ajuda na depuração do sangue. Fungo subterrâneo serve de energético. Lagarto seco dá mais força. Óleo de sapo funciona como sonífero. A medicina tradicional chinesa faz os locais engolirem vários animais, vegetais e minerais para ter bom estado de saúde.

Mas tudo isso está barrado para as Olimpíadas, afinal, o temor é que tantos estimulantes naturais acabem apontando doping nos exames dos atletas. Quando a polêmica surgiu, as autoridades chinesas adotaram a costumeira tática diante das controvérsias: negaram no começo e depois deram o braço a torcer.

"A medicina tradicional existe há milhares de anos e é benéfica para o organismo humano. Assim como a medicina ocidental, ela protege o corpo. É como dizer que a vitamina C é uma droga", rebateu Dai Jianping, médico e subdiretor no comitê organizador das Olimpíadas.

Dias depois, ele mudou de idéia. “Outros anfitriões olímpicos também não usaram antes a medicina chinesa, e então optamos por não utilizá-la também”, explicou Jianping, para logo esclarecer: “Isso não significa necessariamente que as práticas médicas do país façam uso de substâncias proibidas.”

Flávio Florido/UOL

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Com a contusão do ídolo local Yao Ming, da seleção de basquete, o assunto reacendeu. Para sua recuperação de uma fratura no pé, cogita-se a utilização de técnicas tradicionais aliadas ao método ocidental.

Para os Jogos, contudo, só estão liberadas as massagens e a acupuntura. As infusões, beberagens e pílulas não são aconselhadas. Esse banimento faz lembrar a perda de prestígio após os comunistas subirem ao poder em 1949. Rotulando a versão tradicional de "crendice", os seguidores de Mao Tsé-tung incentivaram a medicina ocidental.

Na policlínica 24 horas instalada na Vila Olímpica, haverá aparelhos de ressonância magnética e fisioterapia. Outros 28 hospitais da cidade estarão à disposição dos atletas – todos com acupunturistas, afinal, Pequim é a meca da técnica, com estudantes de todo mundo indo para lá se aprimorar.

Além das escolas e clínicas, a medicina tradicional chinesa é encontrada na cidade nas farmácias especializadas. Elas mais parecem joalherias, com cristaleiras exibindo caixinhas de veludo. Dentro delas, o arranjo faz uma raiz se assemelhar a um colar de ouro. O preço está à altura do metal precioso: um raríssimo ginseng chinês chamado shen ren pode valer 1.185.000 de yuans (R$ 290 mil). Colhida na província de Jilin, vizinha à Coréia do Norte, a raíz tem alto poder regenerativo e vale mais quanto mais antiga, mais comprida e mais eficaz.

Outra preciosidade é o ninho de andorinha. A saliva do pássaro solidificada é coletada em encostas marinhas durante a primavera. De cor branca ou vermelha, o ninho condicionado em uma bomboneira sugeriria uma sobremesa local. Na verdade, o ninho pode ser comido doce ou salgado. É só fervê-lo em água com açúcar ou com caldo de carne. Segundo os médicos chineses, seu pulmão agradecerá.

Outra caixinha pode ser confundida facilmente com um estojo de cigarrilhas. Dispostos em forma de leque sobre uma seda dourada, lá estão os fungos coletados por nômades do Tibete que prometem longevidade e um sistema imunológico jóia. O preço é de 4.200 yuans (R$ 1.020), mais caro que um caixote de charutos cubanos.

Outras mercadorias, porém, não têm como ganhar apresentação glamorosa, como pênis de foca (viagra marinho), rim de cachorro (bom para o rim do melhor amigo dele), pata de antílope (o bicho fica sem seu osso para ajudar o similar humano), olho de tubarão (para a memória) ou bile de urso (reduz a febre e dá brilho aos olhos).

Na lógica que transforma tudo em um festival de excentricidades para os ocidentais, uma jóia perde seu valor estético e vira pó: a farinha de pérola ajuda na digestão mais fácil e é calmante. Assim como os diamantes, as pérolas também podem ser o melhor amigo das mulheres: sua ingestão deixa a pele delas mais lisa, promete a bula.

Publicado no dia 25 de março de 2008

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