Gangorra entre fama e anonimato gera sintomas de BBB em medalhistas olímpicos
José Ricardo Leite
Do UOL, em São Paulo
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AP/Michel Spingler
Ketleyn Quadros (azul) é uma medalhista que teve semanas de fama e depois tudo parou
São algumas semanas durante o ano de máxima exposição na TV. Vários pedidos de entrevistas, convites para eventos e assédio de imprensa e público. Mas, depois da avalanche, a estrela daquelas semanas volta à rotina que, para alguns, é até de anonimato.
O processo descrito é o cotidiano comum para alguns atletas brasileiros de alta performance que conseguem se destacar em Jogos Olímpicos e até sobem ao pódio. Mas acabam não ganhando. Ficam a um passo de uma exposição maior.
Márcio e Fábio Luiz (prata no vôlei de praia), Isabel Swan (bronze na vela), Bruno Prada (prata na vela) e a judoca Ketlyn Quadros (bronze) são alguns dos nomes brasileiros que não foram ao lugar mais alto do pódio na última Olimpíada, em Pequim. E não tiveram o mesmo deslanche midiático como Cesar Cielo e Maurren Maggi, por exemplo, que conseguiram o ouro e viraram expoentes nacionais.
Apesar do alto nível competitivo em suas modalidades, acabaram tendo menor exposição e reconhecimento do público nos meses seguintes.
EX-BBB SAMMY LAMENTA SUMIÇO DE OLÍMPICOS APÓS MEDALHAS
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Pra eles deve ser difícil. Você está lá no esporte , suando, e acha que vai ganhar ´boom´ na carreira, captar patrocínio, e tem que desligar tudo de novo."
“São quatro anos, e com o tempo vai diminuindo. Quando você volta da Olimpíada, os flashes são todos para você. Nos quatro cantos do Brasil fui reconhecido. Depois volta ao normal, cai um pouco, no outro ano cai mais. As pessoas que acompanham o vôlei mantém, mas o resto cai um pouco”, falou Fábio Luiz, medalha de prata no vôlei de praia ao lado de Márcio, em 2008.
“Sempre lembram que sou medalhista, principalmente no ambiente esportivo. Mas muita gente esquece também”, falou a velejadora Isabel Swan, bronze nos Jogos Olímpicos de Pequim.
Bruno Prada é tetracampeão mundial de vela e disse que valoriza tanto esses títulos, quanto uma medalha de ouro. Ele foi prata em Pequim e conta que aquela medalha o tornou mais conhecido do que por ser campeão mundial. E que o ouro deixa um atleta ainda mais turbinado. E recomenda que o atleta tem que saber que a exposição pós pódio é passageira.
“Com certeza a repercussão da Olimpíada é a melhor cobertura e (você) acaba ficando conhecido. É uma exposição incomparável. Eu diria que esse período [de êxtase] é um mês. Depois desse mês você tem que ter a cabeça boa e saber que não vai ser sempre aquilo. Você tem um reconhecimento grande e depois de um mês volta. Tem que ter cabeça para saber que aquilo é passageiro”, falou.
“Mas o brasileiro tem uma cultura de só lembrar de quem ganhou. O segundo e terceiro lugares, para o atleta, são um reconhecimento grande. Mas para as pessoas às vezes soa como derrota. O ouro faz o atleta ser reconhecido, a prata e o bronze o fazem ser respeitado, mas quem não ganhou não recebe nem bom dia”, continuou.
A semana de fama destes atletas seguida de uma baixa nos meses seguintes lembra a exposição na TV de anônimos de um reality show como o BBB, em que mesmo quem se destaca e é finalista acaba sumindo.
“Ao longo dos meses, isso [sumiço da mídia] é algo normal para nós. Logo quando você sai do programa, é tudo fora do comum. Aí a exposição vai decaindo até chegar o próximo BBB”, falou Wesley, segundo colocado do reality show global de número 10, realizado em 2011.
Ele vê semelhanças na mudança repentina de sua vida nas semanas de exposição na TV com a de atletas durante uma Olimpíada, mas ressalta que estes ainda têm um plano de carreira a seguir, enquanto os anônimos precisam capitalizar tudo isso rápido.
“Acredito que sim [existe semelhança], mas no BBB não tem outra oportunidade. Acabou, acabou. Os atletas ainda podem se preparar para outra Olimpíada”, falou.
Fã de esportes, principalmente de vôlei, o ex-BBB Sammy foi terceiro colocado na quinta edição do reality da TV Globo e lamenta que a duração da fama de atletas de ponta seja pequena como a de um participante deste tipo de programa. “Pra eles deve ser difícil. Você está lá no esporte, suando, e acha que vai ganhar ´boom´ na carreira, captar patrocínio, e tem que desligar tudo de novo nos holofotes. A comparação é válida, chega a dar dá dó [de atletas de alto nível]”, falou.
“No nosso caso ainda dura mais um tempo. Fiquei três meses e fui até a final. Esses esportistas de Olimpíada são como se fosse uma pessoa que ficou uma ou duas semanas em BBB, em que o povo dificilmente reconhece. É comparável com uma pessoa que fica pouco tempo.”
A judoca Ketleyn Quadros lembra a mudança drástica que teve nas semanas de fama após ser medalhista de prata. E ainda ressalta outras semelhanças da exposição olímpica com as de um reality show. “Pra mim foi uma loucura me adaptar. Ninguém me avisou o que poderia falar, o que não poderia. Ao mesmo tempo que trouxe coisa boa de oportunidade, de estar em vários lugares, fiquei um mês de férias, mas não conseguia ver minha família. Só ficava fazendo reportagens, dando coletivas. O telefone não parava de tocar”, falou.
“É verdade isso [de parecer com o BBB], e uma coisa que é bem comum é que quando estamos treinando estamos com a aparência bem mais séria, diferente de como sou na minha vida real. E isso acontece um pouco no BBB também, as pessoas ficam ali fechadas e mudando alguns hábitos, mas são esses que as pessoas acabam vendo. E tem isso, as pessoas querem conhecer, sabem quem é você.”
Será que os medalhistas aproveitaram a fama após Olimpíada para melhorar a carreira? Eles comentam abaixo.
KETLEYN QUADROS DIZ QUE PODERIA TER APROVEITADO MELHOR O FEITO
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Ketleyn Quadros diz que poderia ter um suporte melhor hoje se aproveitasse bem o fato de ser medalhista de bronze. Mas lembra que tudo era novo e que não sabe como seria desfrutar melhor. “Consegui transformar em muitas coisas boas, mas poderia ter aproveitado melhor. Ganhei com 20 anos e estava em formação no meu judô. Poderia ter melhor auxílio em termos de divulgação. Fiquei um pouco a desejar. Mas eu não sabia e não tinha noção do que seria um bom trabalho de imprensa e correr atrás de patrocínio. Fiquei só preocupada em ser atleta. Poderia ter aproveitado para ter uma estrutura melhor. Mas pegou todo mundo desprevenido.”
ISABEL SWAN DIZ QUE NÃO CONSEGUIU CAPITALIZAR RECURSOS COM BRONZE
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A velejadora Isabel Swan diz que só o bronze em 2008 não rendeu boa repercussão a longo prazo e pouco ajudou a captar recursos para o ciclo olímpico atual. Ela não se classificou para Londres. "Minha campanha 2008-2012 foi muito dificil, e tive que cuidar sozinha de toda a parte administrativa. Inclusive, todo o material meu de competição é particular. Temos que realmente estudar estratégias, contratar especialistas, profissionais para fazerem consultoria e ajudarem o desenvolvimento do nosso esporte", falou. "Com certeza o ouro é mais forte e reconhecido, porque temos poucos no país. E existe uma diferença entre o ouro e a medalha de prata e bronze", continuou.
FÁBIO LUIZ DIZ QUE REPERCUSSÃO DE SUA PRATA PODERIA SER MELHOR
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Prata nos Jogos de Pequim, Fábio Luiz, do vôlei de praia, diz que a repercussão não foi igual à de um ouro. "Acho que poderia ter sido melhor. A própria mídia esquece da prata e do bronze. E poderiam valorizar as pessoas que foram na Olimpíada. Infelizmente, naqueles momentos, a valorização é de quem conquistou medalha. Mas o Brasil tem que mudar um pouco o conceito de só o ouro. Tem que valorizar todas." Em seu esporte, já foram ouro Emmanuel e Ricardo, em 2004, nos Jogos de Atenas.
PRADA VÊ OURO EM OUTRO PATAMAR, MAS DIZ NÃO COBIÇAR FAMA
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Companheiro de Robert Scheidt na vela, Bruno Prada diz que ser medalha de ouro em uma Olimpíada dá um outro status a um atleta e uma repercussão maior. Mas diz não ligar para este tipo de fato na carreira e pensa apenas nos seus feitos pessoais. “Existe uma diferença para quem ganha o ouro. Eu diria que a prata e o bronze se equivalem. Mas o ouro está acima dos dois em termos de reconhecimento, de tudo. É o máximo que pode conquistar”, falou. “Mas não sei se o reconhecimento é algo que todo mundo almeja. Eu não tenho essa ambição. Minha missão são minhas conquistas. Quero continuar tendo capacidade física. É um lance meio de superação. É uma coisa que está no sangue.”
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