Barrados em sonho olímpico driblam frustração e evitam secar colegas que vão a Londres
José Ricardo Leite
Do UOL, em São Paulo
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AP Photo/Bernat Armangue
Vencedora da medalha de bronze em Pequim-2008, Isabel Swan (esq.) ganhou a vaga e não vai a Londres
Contusão, opção de treinador, demissão e questionável critério de seleção de vagas são alguns dos motivos que farão com que pessoas que conquistaram uma vaga ou ajudaram o Brasil a se classificar para os Jogos de Londres não possam estar lá para desfrutar do que conseguiram. Mas o conformismo é o principal dos sentimentos dos esportistas brasileiros que terão que acompanhar a Olimpíada ou de casa ou trabalhando de outra maneira. Alguns deles podem até estar em Londres, mas participando de outra maneira.
Nenhum deles fala em torcer contra os substitutos pela mágoa de não terem ido. Pelo contrário, todos dizem se sentir parte das conquistas em suas modalidades caso elas venham a acontecer e revelam muita torcida.
A velejadora Isabel Swan não estará lá por um critério da Confederação Brasileira. A vaga de sua classe, 470, foi obtida no Mundial de Perth, na Austrália, quando ela ficou na oitava colocação. Os 20 primeiros colocados garantiam vaga para seus países.
Mas, pelo critério nacional, representaria o país em Londres quem vencesse pelo menos duas etapas de uma “melhor de três” que teria ainda as competições de Búzios, no Rio, e Palma de Mallorca, na Espanha.
Nas duas etapas, a dupla de Isabel foi superada por Fernanda Oliveira e Ana Barbachan, que no Mundial foram piores, 26ª, enquanto a vaga brasileira foi cravada com o 8º de Swan. Isabel, no entanto, diz que estará em Londres e também se sentirá parte de uma possível medalha.
“Tive alguns convites [para participar da Olimpíada], até me falaram que tenho que ir de qualquer forma. Mas vou trabalhar para o meu patrocinador, vou estar em Londres e participar de alguma forma", falou. “Com certeza, com certeza [se sentirá parte de uma medalha]. Participamos pra que elas [da outra dupla] pudessem estar lá; abrimos essa vaga.”
SWAN DIZ QUE CONFEDERAÇÃO TENTOU FAZER JUSTIÇA E NÃO RECLAMA
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“É diferente do critério internacional, de outros países, que prioriza o Mundial. Lá, quem abre a vaga nos Mundiais é classificado. Todos que conseguem o índice têm apoio integral da confederação. Nós conseguimos a vaga pelo Mundial. Mas a federação procurou um critério justo, mas foram as condições de ventos [nas etapas que perderam]. Foi o que foi, paciência. As duas duplas com certeza estão sempre representando bem. Abrimos a vaga e fomos melhores no campeonato que abriu a vaga, mas o critério foi estabelecido antes. Foi uma disputa justa.”
A vaga da seleção brasileira de futebol foi conquistada por meio de um Sul-Americano sub-20 ocorrido em janeiro de 2011, no Peru. Mas, os Jogos ocorrem mais de um ano depois e podem ter jogadores com até 23 anos, e não 20, como no qualificatório.
Além disso, cada equipe está liberada para usar pelo menos três atletas com mais de 23. Por isso, alguns jogadores que ganharam a vaga no Peru nem foram relacionados na lista inicial de 50 nomes do técnico Mano Menezes para os Jogos.
Entre eles, está Allan Patrick, ex-Santos e atualmente no Shakthar Donestsk, da Ucrânia. Mas ele não demonstra mágoa e diz que até vai se sentir parte do ouro caso o time vença. “Acho que vou me sentir realizado por ter feito parte do grupo que levou o Brasil para a Olimpíada e torcendo".
ALLAN PATRICK BEM CONFORMADO
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O meia Allan Patrick, que participou do Sul-Americano que garantiu a vaga olímpica, não está na lista de 50 nomes de Mano, mas não demonstrou surpresa e nem mágoa. "Eu joguei o Sul-americano que valeu a vaga, mas não estive na lista do Mano. Eu sabia que alguns do Sul-Americano iriam, mas ele ia mesclar, e os jogadores que foram convocados são de muita qualidade. Essa posição de meia-atacante tem muita concorrência, tem muitos jogadores de grande nível, a seleção vai estar bem servida, falou. Eu me imaginava lá, mas agora estamos torcendo para os amigos que vão".
O mesmo conformismo demonstra o pivô RafaelHettsheimeir, destaque do Brasil no Pré-Olímpico de Mar del Plata, em 2011, quando o país voltou a se garantir em Jogos depois de 16 anos. Ele não foi convocado por ter que operar o joelho esquerdo.
“Vou ver dentro de casa, no Brasil, e não vou perder nenhum jogo. Preciso descansar um pouco com a minha família”, falou o jogador, que vai se sentir campeão caso a equipe vença. “Ah, por que não? Todos que estivemos em Mar del Plata temos um pedacinho dessa conquista. Trabalhamos pela classificação”
RAFAEL HETTSHEIMEIR ESBANJA TRANQUILIDADE E FRIEZA
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Rafael foi o mais comedido e conformado de todos. Disse que faz parte da rotina do atleta sofrer com lesões e afirmou que isso faz com que outro possa ter oportunidade de mostrar trabalho. Em sua posição, de pivô, um dos convocados foi Nenê, que pediu dispensa e não quis jogar o Pré-Olímpico. "É difícil quando se trabalha bastante e, de repente, uma lesão te tira disso. É difícil de entender. Mas não se pode fazer uma coisa em que você não está preparado. Tem que se recuperar e deixar a vaga pra quem está melhor preparado. Lesão é um dos contratempos mais comuns. A nossa vida está sujeita a riscos."
Ênio Vechi é o que demonstra maior insatisfação e tem mais motivos para não conformar com sua ausência. Ele foi o treinador que ganhou a vaga com a seleção brasileira feminina de basquete nos Jogos ao vencer a Copa América, na Colômbia. Depois, caiu nas semifinais dos Jogos Pan-Americanos e foi demitido, aparentemente pela falta de sucesso no torneio, disputado já quando a equipe tinha vaga em Londres.
“Nós conquistamos a vaga e havia expectativa. Foi uma vaga conquistada. O Brasil está na Olimpíada. E nossa comissão técnica, meu grupo conseguiu a vaga”, falou. “Sou muito autêntico. Não tem como você ser frio nessa hora. No esporte não tem como você não se emocionar”, falou o treinador sobre o que deve sentir ao ver partidas do time. Ele pode acertar com uma emissora de TV para ser comentarista.
ÊNIO VECHI AINDA ESTÁ INCOMODADO COM A DEMISSÃO
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O treinador de basquete lembra que sua saída do time altera toda uma programação pessoal. "Para mim, é frustrante, apostei todas as minhas fichas, mudei completamente a minha vida em função da expectativa de participar da Olimpíada. Foi a proposta inicial, o que foi conversado foi nesse sentido. Foi uma mudança radical na vida, e não indo, fico indignado e frustrado, até porque as razões não são argumentos suficientes. Além de não serem suficientes, não são consistentes. Causou um transtorno na minha vida", falou o treinador. "Nós conquistamos a vaga e havia expectativa. O Brasil está na Olimpíada. E nossa comissão técnica obteve a vaga."