Do céu ao inferno: em oito anos, Grécia vira antiexemplo de legado olímpico

Karolos Grohmann

Da Reuters, em Atenas

  • Stuart Franklin/Getty Images

    Dançarinas na arena de vôlei de praia antes de jogo entre duplas da China e da Alemanha nos Jogos-2004

    Dançarinas na arena de vôlei de praia antes de jogo entre duplas da China e da Alemanha nos Jogos-2004

A visão do Parque Olímpico de Atenas mostra tinta descascada nas paredes. Sua entrada está fechada, e essa um dia cintilante edificação para a glória olímpica está maltrapilha e praticamente abandonada. O custo de manutenção é alto demais para uma Grécia à beira da falência arcar.

“Como o céu e o inferno”, resume Vassilis Sevastis, presidente da Federação Grega de Atletismo, comparando os embriagantes dias de 2004, quando os gregos abrigaram os Jogos Olímpicos, com os dias de hoje.

Naquela época a Grécia emanava otimismo e orgulho, e os organizadores do evento multibilionário esperavam espalhar aos olhos do mundo o crescimento do país e sua imagem de modernidade.

O resultado também veio nas medalhas: foram 16 para uma nação com apenas 10 milhões de habitantes.

ATENAS: DO SUCESSO AO OCASO

  • A arena de vôlei de praia, localizada na região de Faliro, em Atenas, na época dos Jogos Olímpicos de 2004 e há alguns dias: diferença marcante

Hoje, porém, os atletas gregos têm de se contentar com uma escassa quantia de dinheiro para se preparar para a Olimpíada deste ano, em Londres. A crise financeira secou qualquer fonte, pública ou privada, de financiamento para o esporte.

“Isso reflete nossa realidade”, conforma-se o dirigente de atletismo.

E os Jogos de 2004, que serviriam para a Grécia rumar para um futuro melhor, tornaram-se um estorvo à medida que os bilhões de dólares que custaram só serviram para tornar mais grave a crise econômica vindoura.

“Monumentos mortos”

Tendo desprezado seus três primeiros anos de preparação, os organizadores tiveram de, em 2000, acelerar drasticamente os trabalhos para não correr o risco de perder a Olimpíada. O resultado: a Grécia embarcou num ritmo frenético de construção por quatro anos, com operações divididas em três turnos diários que perduraram até poucos dias antes da cerimônia de abertura.

Quem pagou a conta foram os cofres públicos: o gasto bateu em US$ 12 bilhões, mais que o dobro do inicialmente previsto.

“Está claro que perdemos nossa chance”, afirma Spyros Kapralos, presidente do Comitê Olímpico grego. “O sucesso da Olimpíada de 2004 acabou quando as luzes da cerimônia de encerramento se apagaram, pois nosso país não tinha um plano para capitalizar esse sucesso.”

Estivemos de férias na Grécia em setembro e amamos o país e o povo. Nossa única tristeza foi ver a cidade olímpica toda abandonada. Nos veio à mente a preocupação de que o Brasil acabe fazendo o mesmo

Luciano Oliveira, brasileiro que mora nos EUA e visitou a Grécia há alguns meses

Tentativas frustradas de alugar algumas das instalações olímpicas apenas aumentaram os holofotes sobre a inabilidade grega em gerar um legado do maior evento multiesportivo do planeta.

“Estou triste, o sonho que alavancou a imagem de nosso país por 16 dias se perdeu. Nossa dinâmica se esvaiu como as instalações olímpicas, que se tornaram monumentos mortos”, lamenta-se Kapralos.

A previsão do comitê é que a Grécia obtenha seis medalhas em Londres-2012, algo que soa como um enorme desafio perante o atual investimento pífio no esporte local.

Os gregos entrarão no Estádio Olímpico em primeiro lugar no desfile de abertura, como manda a tradição, no dia 27 de julho. A delegação terá cerca de 75 membros, ou a metade da enviada para Pequim-2008.

INSTALAÇÕES ESTÃO ABANDONADAS

  • Yiorgos Karahalis/Reuters

    Atleta se exercita no Centro de Agios Kosmas, sede da vela na Olimpíada-2004 e hoje com sua estrutura deteriorada, a exemplo de outros locais

Dois anos à míngua

Kapralos, que foi atleta de polo aquático, explica que o investimento estatal no esporte desapareceu por completo nos últimos dois anos.

“No quadriênio anterior 󞪅-2008], o governo grego destinou perto de US$ 30 milhões para a preparação olímpica do país. Combinamos a mesma quantia [para 2009-2012]. Em 2010 e 2011, recebemos zero”, relata o dirigente. “Nossa preparação sofreu.”

O corte, na prática, significou o fim de qualquer tentativa de enviar uma delegação competitiva a Londres. Até porque ficou impossível para muitos atletas tentar a classificação, pois viagens para torneios internacionais foram racionadas.

A equipe grega de ginástica, por exemplo, não pôde estar em Tóquio para buscar a qualificação olímpica no Mundial. Outras modalidades que sofreram experiências similares foram levantamento de peso, vela e polo aquático.

O Comitê Olímpico Internacional decidiu ajudar e está pagando a preparação de 22 atletas gregos e da equipe feminina de polo, campeã mundial em 2011.

Um exemplo claro do abandono das sedes olímpicas utilizadas em 2004, algumas em estado decrépito, está no centro de  de treinamento que fica no Estádio Olímpico. O esportistas têm de espalhar baldes pelo local para tentar mantê-lo seco.

“Foi um evento cataclísmico para todos nós”, conclui Vassilis Sevastis, da federação de atletismo, sobre a Olimpíada de 2004. “Houve erros, houve excessos, sim, na preparação para os Jogos. A verba [para o esporte] foi mais do que significante, patrocinadores brotaram.”

“Hoje tudo entrou em colapso. Não há brilho ou esperança para o futuro. A paixão e o compromisso dos esportistas é o que mantém as coisas fluindo.”

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