Rodrigo Bertolotto
Em Londrina (PR)
“Isso nunca aconteceu comigo aqui.” Natália Falavigna se surpreende ao saber que a principal celebridade local, o locutor global Galvão Bueno, é saudada com aplausos em pé quando entra nos restaurantes de Londrina. Tudo bem que as pessoas reconhecem a campeã mundial de taekwondo na rua, mas muitas ainda a chamam de “Flavinha”.
Para os detratores, não passa de “fazenda iluminada”, apontando o provincianismo por trás de sua muralha de prédios. Para os ufanistas, Londrina é a medalha de bronze entre as cidades do Sul (atrás só de Porto Alegre e Curitiba), com direito ao maior estádio do Paraná, chamado de “Estádio do Café”, inaugurado justamente um ano após uma geada acabar com todos os pés da região e a localidade perdeu seu aposto de “capital mundial do café”.
Com a desgraça meteorológica, Londrina foi obrigada a diversificar sua agricultura. O mesmo aconteceu no esporte. O time de futebol do Londrina E.C., que tem ramos de café em seu escudo, viveu seu auge na virada dos anos 70 para os 80, mas murchou depois.
Nos anos 90, a localidade virou pólo nacional da ginástica rítmica, mas a modalidade e a seleção olímpica migraram em 2004 para Vitória (ES) por decisão de seus dirigentes (ficou só uma equipe de base). Então, quatro anos atrás, trocou o bambolê pelos pontapés. A cidade, com grande comunidade japonesa, adotou um esporte coreano e desponta como celeiro de atletas. Há tantas academias de taekwondo por lá como agências de trabalho para dekasseguis no Japão.
Atrás de um sonho olímpico movido a chutes, migraram para lá promessas dos municípios vizinhos, de várias regiões do país, e até de fora, como Artur Ramirez, vindo da Costa Rica. A estadia do garoto de 18 anos já passou dos quatro meses e muitos mais virão. “Ninguém em meu país está treinando como eu”, diz o adolescente que vive do “paitrocínio” (neologismo do português que aprendeu rápido) e pensou em treinar em Cuba ou México antes de aportar no norte do Paraná.
Rodrigo Bertolotto/UOL Adesivo colado na janela de academia de taekwondo em Londrina |
Mas o mais célebre dos visitantes é o paulista Diogo Silva, 26, conhecido por um bronze no Pan de Santo Domingo, um ouro no Rio e por seu protesto no pódio a la ativista afro-americano. A mudança de ares foi para poder treinar com Fernando Madureira, técnico da seleção brasileira e presidente da federação paranaense.
Diogo preside a casa que virou alojamento de mais seis lutadores forasteiros. Um deles é Breno Pinheiro, 21, de Rondônia. “Para o taekwondo, acho aqui mais bem estruturado que em São Paulo”, sentencia. Dos novatos, é o único com patrocinador: um restaurante dá almoço e janta.
O carioca Michael Silva, 18, bem que gostaria que ele trouxesse uma quentinha, afinal, come todo dia sanduíche de tomate e ovo, com banana de sobremesa. Ele foi para o Sul graças ao professor que o apresentou à luta no Maracanã. “Ainda estranho não poder sair do treino e ir para a praia”, afirma o adolescente cuja mãe, diarista, bancou uma TV para ele se distrair da rotina de treinamento. O plano é ficar por lá até a próxima Olimpíada. Ou seja, para ele, o caminho para Londres-2012 passa por Londrina, nome dado por seus fundadores ingleses.
Há por lá ainda atletas da Amazônia, Pernambuco e Minas. Mas a figura do taekwondo local é uma filha da terra, descendente de “pés vermelhos”, os pioneiros que, com suas casas de madeiras, povoaram o lugar. Natália é tão da terra quanto ir à exposição agrícola todo ano ou tomar sodinha em sacola plástica (refrigerante é algo que ela não toma há oito anos, em uma lista negra que inclui também chocolate). Natália nasceu na vizinha Maringá, mas tem uma explicação: “Minha mãe tinha um tio que era obstetra lá.” A vida mesmo foi em Londrina.
“Estou aqui pelo ritmo de vida, pelas pessoas, não por ajuda de prefeitura. Chego a qualquer lugar em dez minutos.” Natália morou um ano em Campinas (SP) e não se adaptou. Nem se imagina morando em uma cidade maior. “Sei que o pessoal de São Paulo fala que Londrina não tem pizza boa, filmes decentes no cinema. Mas aqui é tudo simples e fácil para mim.”
Natália mora com o pai professor de inglês, a mãe dentista e o irmão em um prédio no centro. Em seu quarto, guarda as medalhas e troféus em uma caixa. Na calçada, os vizinhos desejam boa-sorte, a molecada vende rifa para ela. E poucos metros dali está o local onde deu suas primeiras pernadas. O salão em que se iniciou na modalidade ficava atrás de uma ótica, que ainda está aberta. Já a academia fechou.
Ela se movimenta pela cidade em um carro cheio de equipamento e complementos alimentares. No painel, um ursinho de pelúcia. Meses atrás ela via pela janela um outdoor com sua foto promovendo a matrícula justamente a faculdade onde já está para se formar em Educação Física. De tão obcecada com seu treino, fez o trabalho de conclusão sobre medições fisiológicas em atletas. E ainda chamou a professora-orientadora para ser sua preparadora física.
Convocou também o psicólogo Hélio Gonçalves, que trabalhou com a equipe de revezamento do atletismo prata em Sydney-2000. Ele se desloca semanalmente desde Cascavel (quatro horas de estrada) para melhorar padrões de comportamento dela durante as competições. Natália trocou sua equipe depois das duas derrotas para a mexicana Rosario Espinoza, no Mundial e no Pan de 2007, que lhe valeu a prata no Rio.
Mesmo com o tropeço na decisão, Natália passeou de carro de bombeiro pela cidade com Diogo Silva, que ganhou o ouro pan-americano, mas não conseguiu vaga olímpica. Quando ela foi campeã mundial em 2005, recebeu cartas de políticos locais parabenizando.
O reconhecimento da população vem em causos. Durante corrida em parque da cidade, ela precisou ir ao banheiro. Não teve dúvida: apertou a campanha de uma casa vizinha. A dona sim teve dúvida. Deixou Natália usar o toalete, que de lá ouviu que a moradora perguntava a outra atleta se a pessoa apertada era a campeã do taekwondo. Resultado: colocou o banheiro a disposição da celebridade local (“Quando precisar, você pode tocar aqui”, disparou).
Mas, mesmo com o título mundial e a prata pan-americana, Natália não ganhou condecoração ou medalha ao mérito. Já Galvão Bueno levou o título de “cidadão honorário” da cidade e ganhou um terreno da prefeitura para construir uma casa de idosos. O locutor da TV Globo mudou para Londrina após conhecer a modelo Desirée Soares durante o Pré-Olímpico de futebol disputado para Sydney-2000. Virou fazendeiro, montou agência para a nova mulher e transformou uma fazenda na região em seu refúgio. Quem sabe se Natália voltar de Pequim com um pódio ela ganhe uma visibilidade que lhe valha uma medalha similar de sua cidade de toda vida.