UOL Olimpíadas 2008 Notícias

16/08/2008 - 01h13

Universidade em cidade pacata foi crucial no progresso de Cielo

Giancarlo Giampietro
Em São Paulo
"Todos esses três anos que eu passei longe da minha família valeram a pena", desabafou César Cielo, em Pequim, após conquistar o primeiro ouro olímpico brasileiro na natação, nesta sexta-feira, na final dos 50 m livre. O atleta ficou isolado na pequena cidade de Auburn, nos Estados Unidos, para se preparar para realizar esse sonho.

AUBURN FOI ARMA NACIONAL
Ted S. Warren/AP
Cielo chegou como atleta inexperiente a Auburn e virou o principal nome da equipe
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Para paulista, estrutura de Auburn foi fundamental para seu desenvolvimento
Giancarlo Giampietro/UOL
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O UOL Esporte visitou, em setembro do ano passado, o reduto para ver de perto um cenário ideal para o desenvolvimento do atleta. Não à toa, ainda no calor da façanha em Pequim, Cielo já deu a entender que a pacata cidade pode seguir em sua carreira.

"Eu sei onde é o melhor lugar para mim, o que eu preciso fazer para chegar ao meu melhor, a forma que cheguei dessa vez. Então, se tiver de passar mais três anos em Auburn, mais cinco anos, eu passo, porque sei que lá é o lugar em que eu tenho de ficar", afirmou o medalhista.

O caminho para o ouro nacional inédito nas piscinas dos Jogos passou pela saída 57 da rodovia interestadual 85 (I-85), que liga a Virgínia ao Alabama, no sudeste do país. Essa ramificação levou a reportagem à minúscula cidade, que tem apenas 51.906 habitantes.

Eles vivem em ritmo pacato em uma área de 102,5 km². Um de seus principais atrativos é a universidade que leva o nome da cidade, uma instituição estadual que é uma potência no departamento esportivo. Entre os seus destaques, a equipe de natação concorre anualmente ao posto de melhor do país.

Até se desligar do time - os Tigers - neste ano e se profissionalizar, Cielo atuou como grande figura no cultivo desse status desde sua inscrição no segundo semestre de 2005. Em uma relação de ganho mútuo, o nadador evoluiu sob a orientação da universidade e deu sua retribuição em resultados: foram dez títulos nacionais e 13 de conferência.

Auburn apresentou uma combinação certeira para incentivar o progresso do nadador. Primeiro, pela estrutura geral que proporciona ao atleta. Segundo, pela oportunidade de competir de modo regular contra boa parte da elite da natação mundial e promessas norte-americanas.

"No Brasil, às vezes parece que tudo é difícil. Aqui a competição tem sempre o melhor, com concorrentes e piscina do mais alto nível, o tempo todo", afirmou o brasileiro, em abril, ao UOL Esporte. A universidade é uma das poucas do país a oferecer um conjunto de piscinas olímpicas cobertas e ao ar livre.

Cielo teve à sua disposição cinco técnicos para instrução geral - de treinos com o chefe da comissão, Richard Quick (que comandou a equipe norte-americana em seis edições dos Jogos), até um trabalho personalizado com o ex-nadador olímpico australiano Brett Hawke, que acompanhou a comissão técnica brasileira na China, a pedido do pupilo. Para o atleta, contudo, o mais relevante foi o aparato de treino. "Em relação à condição dos técnicos, o Brasil não fica atrás. O que faz diferença é a infra-estrutura."

Dois anos e meio após a chegada a Auburn, o brasileiro virou o principal nome do programa, até anunciar o fim de sua trajetória universitária - hoje, sua carreira é gerenciada pelo ex-nadador Fernando Scherer.

Fora das piscinas, a experiência como estrangeiro, distante da atenção dos pais, também foi crucial para o amadurecimento do brasileiro. Especialmente em uma cidade que vive para a universidade e praticamente não apresenta distrações extracurriculares. Dividir uma churrasqueira com os vizinhos, alugar filmes e esporádicos jogos de golfe (os melhores campos estão na vizinha Opelika, ainda mais quieta) são as atividades predominantes nos raros momentos de folga.

"Foi difícil ir para uma cidade parada, sem conhecer ninguém, sem falar a língua direito. Até pensei em ir embora, não estava feliz. Mas quando os resultados vieram, vi que o preço não importava", disse Cielo. "Hoje me considero mais forte por ter lidado com isso. Era um cara que sempre descarregava tudo na minha mãe. Aprendi que não adianta esperar muito dos outros. Sempre ficava à sombra de outras pessoas. Hoje não tenho problema em buscar o que quero, mesmo nas coisas mais simples, como pedir um maiô para o meu patrocinador."

Veterano da equipe e primeiro companheiro a dividir apartamento com Cielo na cidade, o norte-americano Scott Goodrich, 21, se recordou do período de dificuldade. "Quando ele chegou aqui, tinha apenas 18 anos e faltava consistência. Com o passar do tempo, ficou muito mais profissional e maduro", afirmou. "A nossa rotina foi boa para isso. A cidade é muito aconchegante e facilita o entrosamento", disse o norte-americano.

Cielo cursou administração de empresas e espanhol, após uma breve passagem por criminologia. Independentemente dessa aventura com disciplinas tão distintas, a decisão de partir para a carreira profissional em ano olímpico, aquele que rende mais dividendos aos atletas nacionais, deixou seu futuro acadêmico nebuloso, qualquer que seja a graduação escolhida.

A saída de Auburn aconteceu antes do Troféu Maria Lenk, no Rio de Janeiro. Quando conversou com a reportagem, Cielo disse que era hora de buscar reconhecimento no mercado esportivo. "Estou em uma situação boa para procurar algum tipo de patrocínio. Todo atleta sabe que o ano olímpico é o ápice, que 2009 seria mais difícil", disse. Três anos depois de sua época de calouro universitário, o prestígio não poderia ser maior.

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