! Nunca uma Olimpíada sofreu dificuldades como a do Rio, diz Nuzman - 29/06/2016 - UOL Olimpíadas

Olimpíadas 2016

Nunca uma Olimpíada sofreu dificuldades como a do Rio, diz Nuzman

Rodrigo Mattos, Taís Vilela e Vinicius Konchinski

Do UOL, no Rio de Janeiro

Carlos Arthur Nuzman, presidente do Comitê Organizador da Rio-2016 e do COB (Comitê Olímpico do Brasil), admite que nenhuma Olimpíada sofreu tantas dificuldades como a do Rio de Janeiro. Em entrevista exclusiva ao UOL, comenta da economia, da calamidade pública fluminense e dos projetos para futuro como dirigente.

Aos 74 anos, Nuzman está há mais de 20 anos no comando do COB, conta chegar às 7h para trabalhar e só encerrar suas tarefas no final do dia. Sua saúde está em dia, ele afirma. Tanto é assim que ele já faz planos de permanecer por mais alguns anos à frente do comitê olímpico do país após o fim da Olimpíada. "A grande maioria quer que eu continue", justificou ele.

O dirigente também fala sobre críticas de federações esportivas à Rio-2016, sobre suas expectativas para o desempenho de atletas brasileiros e até sobre o conflito de interesses entre os cargos que ocupa. Tudo dito em cronometrados 26 minutos, durante um intervalo de sua agenda apertada.

Confira abaixo os principais trechos da entrevista:

UOL: O Estado do Rio de Janeiro decretou situação de calamidade pública 50 dias antes do início da Olimpíada. O senhor lembra-se de uma situação semelhante em edições passadas dos Jogos Olímpicos?
Carlos Arthur Nuzman:
Não. Como estado de calamidade pública, não. Agora, vale destacar que a calamidade é do lado financeiro e não do lado do Estado propriamente dito. Algumas Olimpíadas tiveram suas dificuldades. Quase todas tiveram, mas não no nível do que aconteceu no Rio de Janeiro.

Como será realizar uma Olimpíada num Estado em calamidade pública?
Eu acho que, primeiro, isso será resolvido; segundo, isso não está alterando a organização da Olimpíada; terceiro, a Olimpíada não motivou nenhuma das ações que geraram a atitude do governador [que decretou a calamidade]; quarto, os Jogos não têm nada a ver com isso. Então, eles serão organizados e entregues.

A calamidade gera um questionamento na população. Pessoas se perguntam: "deveríamos estar investindo recursos na Olimpíada quando o Estado está em crise?". O que o senhor acha disso?
Isso é um grande engano. A Olimpíada não tem nada a ver com os problemas do Estado. Muito pelo contrário. Nós [o Comitê Rio-2016] estamos trabalhando de maneira completamente independente [do Estado]. As obrigações que o Estado tem estão sendo ou já foram cumpridas. Então, não podemos repetir aqui a mesma coisa que fizeram com a Grécia. Na Grécia, quiseram dizer que a Olimpíada levou o país a ter dívidas com a União Europeia. No final, concluíram que não era verdade. Nós não podemos fazer isso sob a pena de ter uma população contra os Jogos, ter turistas que não vêm e ter uma imagem que não é verdadeira.

O Estado pediu ajuda financeira do governo federal. Deve receber R$ 2,9 bilhões. Servidores, que não receberam seu salário integral neste mês, temem que esse dinheiro vá para a Olimpíada e não sirva para quitar os pagamentos. O senhor acha correto pagar uma obra olímpica e não pagar o funcionário público?
Vamos deixar claro: não tem nenhuma conta da Olimpíada que o governo do Estado tenha que pagar. Nenhuma.

E a Linha 4 do Metrô [obra prometida como legado da Rio-2016]?
O metrô não fez parte do projeto da candidatura do Rio à sede dos Jogos de 2016. Isso é uma ação de um projeto --que eu acho que é vantajoso e merece elogios -- visando a trazer benefícios à população. O Estado do Rio de Janeiro terá benefício extraordinário que somente os Jogos Olímpicos trouxeram. Se não tivesse os Jogos, não haveria nenhuma obra de infraestrutura, não haveria nenhuma melhoria. Então é importante dizer: as ações que eu imagino que o governo do Estado tenha que pagar, diretamente, não tem nada a ver com os Jogos Olímpicos.

Além da calamidade no Estado do Rio, o Brasil passa por uma crise econômica e política. Em 2009, quando o Rio foi eleito sede da Olimpíada, o senhor imaginava que estaríamos nessa situação a um mês dos Jogos?
Ninguém imaginava. Ninguém. Senão não dariam os Jogos para Rio. Isso seria mais do que natural se acontecesse. Que você, do momento em que ganha os Jogos até a sua organização, passe por diversos processos eleitorais --seja de prefeito, governador ou presidente da República-- acontece. Então, às vezes, você tem alguns altos e baixos. O que aconteceu com o Brasil foi uma surpresa para todos, mas nós estamos, neste momento, com o apoio de todos. O que ajudou muito foi a integração e a união entre o Comitê Organizador e os governos federal, estadual e municipal para os Jogos.

O senhor diz: "se imaginássemos, não haveria os Jogos". Em algum momento após a eleição do Rio para sede, chegou-se a cogitar tirar a Olimpíada daqui?
Não. Nunca. O compromisso sempre foi mantido. Nós mesmos nunca hesitamos. Ao contrário. Isso serviu de estímulo, serviu de luta, serviu para demonstrar o espírito brasileiro e serviu para demonstração sobre como é possível superar os desafios, as dificuldades e entregar Jogos espetaculares.

A eleição do Rio baseou-se num cenário positivo, que não se confirmou.
Todas as eleições são baseadas nos cenários que existem no momento. Eu não vou mencionar casos, mas outras cidades ganharam e tiveram no curso de seus anos suas dificuldades, e as superaram. Então, eu apenas estou dando uma resposta do "se". O "se" não é a realidade. O "se" são as hipóteses naturais. Eu estou apenas fazendo uma colocação que é importante para valorizar o Rio de Janeiro e o Brasil. Eu acho que, disso tudo, a valorização do que o Brasil e o Rio estão fazendo é superior à de qualquer outra cidade que já organizou os Jogos. Nós saíamos dos Jogos com um reconhecimento internacional enorme pela forma como ele foi conduzido, nos comportamos e conseguimos entregar os Jogos.

O COI (Comitê Olímpico Internacional) tem uma agenda de redução do custo dos Jogos Olímpicos, a chamada Agenda 2020. O senhor acha que a Olimpíada do Rio será a última como esse tamanho, como esses investimentos? A partir do Rio, os Jogos devem passar a ser menores?
O Rio começou a sua organização e a diminuir o tamanho dos Jogos antes da Agenda 2020. Começou por entender que nós não deveríamos repetir o gigantismo de outros Jogos. Por entender que os jogos tinham que voltar a uma época anterior e que os Jogos deveriam oferecer a possibilidade de que cidades e países de outras regiões do mundo também apresentarem suas candidaturas. Com isso, o que se nota é que várias das ações que estamos tomando e algumas delas com a própria concordância do COI serão integradas nas futuras organizações [de Olimpíadas]. Ou seja, o Rio traz um benefício enorme ao futuro dos Jogos Olímpicos.

Essa política gerou críticas de federações internacionais. Elas estavam acostumadas a outro padrão olímpico. Como lidar com isso?
A nossa relação com as federações internacionais é muito boa. Há algumas exigências as quais nós discutimos. Nós lutamos para que o padrão da Olimpíada fosse diferente pelo tamanho do evento. Lembro que o campeonato mundial de cada modalidade é responsabilidade de cada federação e tem suas exigências. Aqui é um conjunto. Nós estamos falando de 42 campeonatos mundiais em 19 dias. Então, essa compreensão a grande maioria já tem. Esse é o quadro real junto às federações internacionais.

O Comitê Rio-2016 teve que dizer muito "não" a federações?
Eu prefiro dizer que houve muitas colocações que fizemos mostrando a razoabilidade e que deveriam ser diminuídos os tamanhos de instalações e exigências, o que foi aceito. Então, esse "não" existiu, mas existiu de uma maneira diplomática e mais como uma consciência de todos sobre como os Jogos devem ser. Eu tenho certeza que quem sai ganhando é o movimento olímpico, seja o COI ou as federações.

A venda de ingressos da Olimpíada está abaixo das expectativas do próprio COI e a quantidade de voluntários inscritos foi menor que a esperada. O que explica o baixo interesse pelos Jogos Olímpicos do Rio?
Sobre os ingressos, há alguns motivos que podem ser relacionados: o primeiro, o brasileiro compra em cima da hora. É um fato comum. Alguns podem ter tido certa dificuldade e realmente podem ter sido afetados. Da mesma maneira, não há um conhecimento total de todas as modalidades esportivas. De um lado, você tem ingressos esgotados em alguns esportes, em outros você tem os ingressos sobrando. Nós temos uma confiança grande de que isso possa ser superado ao longo dessas próximas semanas.

Um dos pontos levantados pelo COI era a falta de cultura esportiva no país. Em sete anos de preparação, isso não melhorou?
A questão da cultura esportiva é um trabalho que cada confederação brasileira fez e está fazendo com resultados positivos. E agora é uma questão de que as pessoas entendam melhor a modalidade esportiva, tenham curiosidade. Há vários esportes que não tinham grandes atletas e hoje têm. Inclusive, a imprensa tem feito esse trabalho importante de divulgar modalidades e resultados. O benefício esportivo é notório.

O revezamento da tocha teve alguns momentos polêmicos, como o abatimento da onça Juma. Houve também que uma tentativa de apagamento da chama com água. O que o senhor achou?
O revezamento da tocha é um sucesso enorme. Talvez seja o maior sucesso da história dos Jogos Olímpicos seja a tocha no Brasil. Um ou outro episódio vão acontecer como acontece em qualquer lugar. Como não existe unanimidade, você, às vezes, tem algum problema. Agora, eu mesmo estive e acompanhei a tocha. É emocionante. As pessoas correndo, o povo atrás, com chuva, com sol, com frio. Todo mundo vibrando, celebrando, comemorando. Eu acho que a tocha uniu o Brasil em direção aos Jogos.

Tem gente vendendo a tocha olímpica na internet, por valores, às vezes, muito acima do pago pelo objeto [ele custa R$ 1958,19]. Como o senhor vê isso?
É um mercado como qualquer outro. Se você quiser comprar a primeira tocha do mundo, que é a de Berlim, você compra. Então, desde 1936, essa cultura da memorabilia olímpica existe e vai continuar a existir, e acho importante existir. Às vezes, um atleta olímpico que precisou de dinheiro e vendeu sua medalha, vendeu um diploma. É uma gama muito grande. Isso faz parte do contexto dos Jogos.

Falando do COB (Comitê Olímpico do Brasil), da parte esportiva, houve uma redução do repasse do patrocínio do Comitê Organizador Rio-2016 para a entidade. Havia um compromisso inicial, que mudou. Como isso afetou a preparação dos atletas? E como o senhor lidou com isso visto que é presidente dos dois comitês? Há conflito de interesses?
Não há nenhum conflito de interesses. São duas empresas independentes. Se você pegar o dossiê da candidatura [do Rio à sede dos Jogos de 2016], você vai ver que nós estamos cumprindo exatamente o prometido. Todas essas questões foram explicadas. Em várias áreas, todos colaboram para que os Jogos saiam da melhor forma possível. Eu dei há pouco o exemplo das federações internacionais. Não teve nenhuma modalidade esportiva, nenhum atleta que deixou de receber os seus recursos para a preparação. Isso é o mais importante de tudo. Tudo foi cumprido. Ao contrário, todos agradecem ao comitê pelo que foi feito. Isso foi feito sem hipóteses: se vai ganhar ou não vai ganhar. Então, o mais importante e altamente elogiável é o COB ter se programado e atendido as confederações e todos os atletas. O reconhecimento veio com a unanimidade na aprovação das contas tanto da Rio-2016 como do COB.

Ainda sobre o COB, hoje existe uma lei para limitação de mandatos de dirigentes de confederações esportivas no país. O senhor pretende se candidatar à reeleição ou entende que não faz sentido uma nova candidatura visto a tendência de redução de mandatos?
Isso é uma questão das confederações. É uma questão que vai ser analisada depois dos Jogos. Muitos, a grande maioria quer que eu continue. Até porque temos que terminar uma série de ações, relatórios, prestação de contas, e deixar encaminhado o futuro do esporte brasileiro após os Jogos Olímpicos.

Então o senhor pretende se candidatar a mais um mandato?
Possivelmente. A gente só pode dizer que sim após o resultado final.

O senhor já participou de uma Olimpíada como atleta, foi presidente da CBV (Confederação Brasileira de Vôlei) e ajudou o vôlei brasileiro a se tornar potência. Está no COB há mais de 20 anos. O que o motiva a vislumbrar um novo mandato no comitê olímpico?
Isso é natural em todos os países que organizaram os Jogos para se ter um pós-Olimpíada visando ao desenvolvimento do esporte. Para não ficar abandonado e não acontecer como aconteceu em outros países. E da mesma forma, temos relatório final, prestação de contas final e isso leva um tempo para ser feito.

E como o senhor, aos 74 anos, enfrenta as críticas, a questão de saúde? Como tem sido a sua rotina enfrentando a pressão?
A saúde é ótima. É só ver meus exames, é só conversar com os médicos. E tudo é uma questão de cabeça. Tem gente muito jovem que tem a cabeça idosa. E tem gente que tem a cabeça nova. Minha cabeça é ótima. Hoje cheguei às 7h da manhã aqui. Eu saio de noite. Durante todos os dias, durante sete anos, faz uma tremenda diferença. Graças a Deus que é assim.

O senhor falou que não faltou nada da parte do COB para atletas. Faltou alguma ajuda da parte do governo no apoio à preparação olímpica? E, se não faltou, dá para exigir o cumprimento da meta de estarmos no top 10 de medalhas olímpicas e top 5 no quadro de medalha paraolímpico?
Cobrar vocês vão cobrar sempre. Toda vez que se parte para um novo evento, um quadriênio olímpico, eu sempre defendi que se tente um desafio, um resultado que seja um resultado mais difícil. Na minha época da CBV, o Brasil começou como 13º do mundo e chegou a primeiro, foi campeão mundial. Não foi fácil. Agora, a preparação para a Rio-2016 foi a melhor já feita na história do COB e das confederações, e espero que possamos obter o resultado. Ele é importante para a juventude brasileira e tudo foi feito para que isso aconteça. Vamos ver o que os deuses da vitória vão nos guardar.

Falando sobre o último estágio de preparação para a Olimpíada do Rio, encontramos ainda algumas obras inacabadas, como o velódromo. Ao mesmo tempo, há um discurso oficial que prega que as obras olímpicas estão sendo entregues no prazo. O presidente do COI, Thomas Bach, já disse que espera cumprimentar operários quando chegar para a abertura. Como as obras podem estar no prazo se ele espera cumprimentar operários no dia de abertura?
O velódromo já foi entregue, e testado.

Entregue inacabado.
As áreas de competição estão todas prontas. Se a Olimpíada tivesse que começar hoje, ela poderia começar. Nós entregamos todas as áreas de competição. E elogiados por todos os atletas, inclusive pelos ciclistas que estiveram no velódromo. Mesmo em anos difíceis, nós podemos dizer a Olimpíada pode começar: o Rio está pronto. Acho que isso é o mais importante.

Foi a Olimpíada possível?
Foi a Olimpíada que nós realmente queríamos fazer.

Uma pergunta sobre atletas: houve a suspensão de atletas da Rússia. Há quem defenda que o COI reveja a suspensão juntamente com a IAAF (Federação Internacional de Atletismo) para que os atletas russos venham à Rio-2016. Por outro lado, há atletas de ponta como Lebron James e Messi que aparentemente abriram mão da Olimpíada. Como o senhor vê isso? O senhor gostaria de fazer alguma coisa?
Vocês conhecem minha opinião sobre doping: a tolerância é zero. Então sempre defenderei a punição ao atleta dopado. A questões entre a IAAF e o COI, são eles que devem decidir porque é assunto que cabe a eles. Quanto a atletas como Lebron, isso sempre aconteceu.  Há atletas que foram aos Jogos e atletas que não foram, por diversos motivos. A única equipe completa de basquete dos EUA foi a de Barcelona-1992. Os atletas que estão vindo são os maiores expoentes do mundo, diversos vão encerrar a carreira aqui. Acho que, para nossa alegria, a Olimpíada será um sucesso.

O senhor conviveu com três presidentes do país: Lula, Dilma e Temer. O senhor poderia dizer qual o papel de cada um? Quem ajudou mais?
Todos ajudaram. Só tenho a agradecer, aos presidentes, aos governadores, e ao prefeito --o único que foi mantido durante a preparação. Queria deixar meu agradecimento a todos. Acho que deixamos um legado em termos da união, do governo federal, estadual e municipal.
 

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