Olimpíadas 2016

Brasileiro da vela vira intérprete e ajuda rivais até a consertar geladeira

Bruno Miani/inovafoto

Guilherme Costa

Do UOL, no Rio de Janeiro

Adaptação às variações climáticas do Rio de Janeiro é um dos desafios dos competidores da vela na Olimpíada de 2016. Não à toa, países que investem mais na modalidade têm mantido operação constante no Brasil há pelo menos quatro anos. E todo esse esforço para conhecer um pouco mais sobre a sede dos Jogos transformou o status do brasileiro Ricardo Winicki, 36, conhecido como Bimba. Com fama de boa praça, o velejador virou anfitrião, cicerone e interprete para seus rivais até em situações inusitadas, como o conserto de uma geladeira ou a compra de curativos.

Bimba vive em Búzios, município do Rio de Janeiro que fica a 69 quilômetros da capital. O brasileiro recebe concorrentes de forma frequente desde 1997, mas o fluxo tornou-se mais intenso no atual ciclo. Alguns, como os espanhóis Marina Alabau e Ivan Pastor, chegaram a construir casas e estabelecer residência na cidade.

“Foram tanto treinar em Búzios comigo que acabaram ficando”, relatou o brasileiro. “Nessas de o pessoal se apaixonar por Búzios, os espanhóis entraram em uma de investir mesmo. Compraram terrenos, construíram casas, e acabaram perto de mim até por ficar como uma espécie de caseiro deles”, completou.

Segundo Bimba, as principais paixões dos atletas/turistas no Brasil são açaí, churrasco e praia. Além disso, os velejadores estrangeiros costumam elogiar belezas naturais das praias do Rio de Janeiro. “E o charme de Búzios. As pessoas ficam encantadas com a Rua das Pedras e com a possibilidade de você pegar uma bicicleta e conhecer 25 praias em um dia rodando aquela península maravilhosa”, contou.

Em contrapartida, há uma dificuldade com o idioma. Até para estrangeiros que falam português, como o lusitano João Rodrigues, que disputará os Jogos Olímpicos pela sétima vez e será porta-bandeira de seu país em 2016. Para ele, Bimba funcionou como intérprete: “Em duas vezes ele teve de ligar para a minha casa para traduzir algo. Eu respondi que não era possível. Ele fala português”, contou o brasileiro.

Um dos episódios de confusão linguística começou quando Rodrigues alugou a casa de uma amiga de Bimba em Búzios. A geladeira do imóvel quebrou, e o português resolveu ligar para uma oficina e tentar obter um orçamento para o conserto.

“Ele começou com ‘tô’, já que não fala alô, e perguntou: ‘Aí arranja-se frigorífico?’. A mulher respondeu um ‘Oi?!’, e ele já pensou que quando vem esse ‘oi?!’ é porque não rolou”, disse Bimba.

Depois de tentativas infrutíferas e de alguns instantes de discussão por telefone, Rodrigues desistiu e ligou para Bimba. Pediu ajuda, recebeu orientação de perguntar “se consertavam geladeiras” e não gostou da resposta. “Ele disse que nós estragamos o idioma português”, afirmou o brasileiro entre risadas.

A ligação, contudo, não encerrou o drama de Rodrigues. Instantes depois, o telefone de Bimba tocou de novo: “Ele disse que não estava conseguindo passar o endereço, e eu perguntei como ele estava falando. Era algo como ‘mandei pegar o autobus até a paragem e seguir até a minha morada’. Também não adiantou”.

O mesmo Rodrigues precisou de ajuda quando foi a uma farmácia comprar um curativo, interpelou a balconista e pediu “pensos rápidos”. Mais uma vez, a resposta foi uma interjeição como “Oi?!”.

“Aí a mulher, que não entendia nada, abriu um computador na frente dele. Ele achou que ela daria várias opções de pensos rápidos, mas quando viu havia o Google Tradutor aberto. Mas como você traduz português para português?”, questionou Bimba.

Brasileiro também é responsável por “explicar” o país para estrangeiros

As confusões linguísticas são apenas alguns exemplos do quanto os estrangeiros têm aproveitado o conhecimento local de Bimba. O brasileiro ajuda em questões como “onde comer” ou “onde se hospedar”. Também é ele a figura que os atletas procuram quando querem entender o que está acontecendo no país que receberá a Olimpíada.

“O que mais se comenta é poluição. Não tem ninguém me ligando e perguntando se esse zika vírus está preocupante”, contou Bimba. “A mesma coisa sobre política. As pessoas me encontram e perguntam sobre a situação. O Brasil está se reformulando, talvez. Mas ninguém quer falar de política, e o assunto dura quatro ou cinco minutos. Morre cedo. Todo mundo pergunta o que está acontecendo, até porque as pessoas não têm muita noção da corrupção no Brasil”.

Convivência com estrangeiros também é um trunfo para o atleta brasileiro

A proximidade e a boa vontade com os estrangeiros, contudo, não são apenas traços de personalidade de Bimba. O velejador também enxerga nessas atitudes uma forma de estar mais perto dos rivais de alto nível. Com isso, acaba aumentando o nível técnico de seus treinos.

“Na Olimpíada de Londres, quando eu treinava no Brasil, trabalhava com os meninos do meu projeto social. Agora eu convivo com a galera que é a elite da vela mundial e treino com eles na raia olímpica”, disse Bimba.

“A vantagem principal de estar competindo em casa é poder receber estrangeiros para treinar aqui comigo. Na vela você tem de conhecer bem o local, o que é diferente de outros esportes de arena, piscina ou quadra. A gente tem de fazer uma adaptação grande de reconhecimento de vento, correnteza, ondulação. Isso faz com que meus adversários estejam com muita frequência aqui na Baía de Guanabara, e a minha vantagem é estar sempre recebendo gente de alto nível. Estou treinando com a equipe inglesa, com os japoneses, com o holandês, com o francês”, adicionou o brasileiro.

Com adversários próximos, Bimba também precisa esconder o jogo

No atual ciclo olímpico, todos os principais competidores da classe RS:X trabalharam com Bimba no Rio de Janeiro. Alguns organizaram treinamentos em conjunto com o brasileiro, e outros apenas aproveitaram a presença dele nas águas da cidade. Isso criou também um desafio para o dono da casa: como guardar armas para as Olimpíadas?

“É difícil esconder porque todo mundo quer ganhar, mesmo no treino, até para assustar um pouco os adversários, mas eles aprenderam mais porque não conhecem a Baía de Guanabara. Então, se eu sei que eu vou ganhar uma regata se fizer pelo lado da Praia do Flamengo, vou por Niterói para ver se eu ganho ou para puxar meus adversários e confundir um pouco o pessoal. Quando alguma coisa está meio óbvia eu procuro não mostrar e não ser o primeiro a tomar uma decisão”, encerrou o brasileiro.

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