Perto de sexta Olimpíada, Scheidt admite ansiedade e reclama de solidão
Não são apenas os rivais que preocupam o velejador Robert Scheidt, 43, na reta final da preparação para as Olimpíadas de 2016, no Rio de Janeiro. O brasileiro já esteve em cinco edições de Jogos e acumulou cinco pódios, mas tem sofrido para lidar com a ansiedade nos dias que antecedem a próxima participação no evento. Consequência direta de um espírito extremamente competitivo, o que contribui para mantê-lo no auge por tanto tempo e ajudou o atleta a aprender a conviver com a solidão.
Scheidt disputa a classe laser, categoria da vela em que os atletas competem sozinhos. Ele havia deixado esse tipo de barco no ciclo olímpico passado – fez dupla com Bruno Prada na star e foi medalhista de bronze em Londres-2012 –, mas voltou para o atual quadriênio. Com isso, precisou buscar estratégias para voltar a trabalhar sozinho. Nos treinos que faz no Rio de Janeiro, por exemplo, conversa até com rivais para saber um pouco mais sobre as águas que receberão os Jogos Olímpicos.
Na história, apenas Torben Grael (também da vela), Hugo Hoyama (do tênis de mesa) e Rodrigo Pessoa (do hipismo) representaram o Brasil tantas vezes em Jogos Olímpicos – o cavaleiro pode acumular neste ano a sétima participação. Scheidt ainda pode se isolar em 2016 como o maior medalhista do país em todos os tempos – com cinco pódios (dois ouros, duas pratas e um bronze), divide atualmente a condição com Torben.
Confira abaixo os principais pontos de um bate-papo realizado no Rio de Janeiro:
Veterano, Scheidt ainda fica nervoso com proximidade dos Jogos Olímpicos
Este momento de aproximação dos Jogos é o de maior ansiedade. Principalmente a semana que antecede a cerimônia de abertura. Você ainda não está competindo e fica sempre se questionando se tem mais alguma coisa para fazer. Quando os Jogos começam, você começa a velejar e entra no ritmo de competição. Até lá vai ser uma ansiedade crescente de ver essa contagem regressiva, mas acima de tudo é importante aproveitar esse momento para ajeitar o detalhe. Não tem mais uma coisa muito grande que você possa mudar, mas tem sempre algumas coisinhas que você pode fazer um pouco melhor. Essa contínua evolução pode fazer diferença no fim.
É vantagem competir em casa? Para Scheidt, nem tanto
Acho que todos que estarão aqui competindo com chance de medalha já vieram aqui no mínimo dois anos atrás. Holanda, Estados Unidos e Inglaterra já têm bases aqui e já conhecem tudo sobre a raia no Rio de Janeiro. O Brasil ainda leva um pouco de vantagem porque passou mais anos treinando aqui. Eu velejo aqui há mais de 20 anos, mas o que importa no esporte é a execução. É aquela semana da Olimpíada e o desempenho nas regatas que a gente vai ter. A regularidade nas 11 regatas e a execução são os fatores determinantes na vela.
Os principais nomes da laser já conhecem bem a Baía. Já têm vindo e não terão novidades, mas os atletas que não conhecem vão sofrer um pouco.
Por que Scheidt torce por variações climáticas no Rio durante os Jogos
Hoje em dia, o melhor para mim é um pouco de tudo. É melhor não ter só uma condição porque a gente tem especialistas em vento forte e vento fraco. Se a gente tiver todas as condições, aí vai no velejador mais all around, que é o meu caso. Acho que dificilmente a gente vai ter só vento forte ou só vento fraco aqui no Rio em agosto. Vai ter dia com vento fraco, com chuva, com maré forte. A gente precisa estar pronto para comer o prato que está na mesa.
O que Scheidt espera da vela brasileira na Rio-2016
Uma equipe muito forte. A gente tem uma força muito boa em algumas classes que vêm de excelentes resultados. É difícil projetar resultado em Olimpíada. Em algumas, a gente ganhou no geral a Olimpíada. Foi assim em Atlanta, com dois ouros e um bronze. A gente venceu a vela e ganhou de potências como Inglaterra e Austrália. Em outras Olimpíadas, como Barcelona, o Brasil era favorito e não trouxe nenhuma medalha. Tudo vai depender daquela semana. Não é como atletismo ou natação, esportes em que você sabe que seu tempo é aquele e não sai muito daquilo. A gente depende de muitas variáveis. Muitas coisas que estão fora do nosso controle influem no resultado final.
E o que esperar de Scheidt?
Vinte anos passam e sua vida vai mudando. Eu tinha 23 anos, tinha acabado de me formar na faculdade e tinha poucas responsabilidades na vida. Hoje em dia eu tenho 43, passei por cinco Olimpíadas e tenho dois filhos. Sou casado, e muita coisa mudou. Uma coisa que não mudou é a vontade de vencer, a competitividade. Minha cabeça chega a essa Olimpíada sabendo que o jogo vai ser duríssimo e que eu não vou ter a vantagem competitiva que tive em 1996, 2000 e 2004, anos em que eram dois ou três atletas muito superiores aos demais. Hoje temos dez ou 12 com nível muito parecido, e aí eu sei que vai ser tudo na execução. Mas eu acredito nas minhas chances, e é por isso que estou aí, tentando melhorar a cada dia.
A vela é um esporte em que a experiência conta muito, mas não adianta só contar com isso. É preciso velejar bem o barco e ser consistente dia após dia. É claro que por eu ter passado por momentos assim várias vezes, por ter ganhado e ter perdido, tenho a segurança do que eu posso fazer. Acho que isso é algo a mais que quem nunca fez ainda tem dúvida se dá para chegar. Eu sei que não é e sei que dá para fazer. Só precisa ter muita cabeça e muita consistência. Eu estou trabalhando nisso e estou tentando fazer o dia após dia. Vela não dá para chegar com muita sede ao pote ou tentar definir no primeiro dia.
Scheidt nem esperava estar na Rio-2016. Agora, quer vencer
No início da minha carreira, poucos atletas no Brasil faziam os Jogos Olímpicos mais do que duas vezes. Os exemplos eram Lars e Torben, e na minha cabeça, participar de uma ou duas edições dos Jogos e trabalhar ou fazer outra coisa. As coisas aconteceram aos poucos, e eu estou aqui na minha sexta Olimpíada, depois de 20 anos, e principalmente com chance de ser competitivo. Olimpíada não é um evento de participação, mas de performance.
Acho que o que me motiva é o amor pelo esporte e o meu espírito competitivo. Sempre gostei de competir e de me superar, e o sonho olímpico é uma coisa maravilhosa. Você vive emoções únicas, e só quem está ali sabe o que é isso. É uma coisa um pouco viciante. Quando você vai lá, sobe no pódio e ouve o hino nacional, você quer sentir aquilo de novo. Aquilo vale todo o sacrifício, todas as manhãs acordando cedo, todos os treinos, todos os percalços, todas as derrotas, para chegar lá e ter chance de brigar mais uma vez. Isso é esporte: entrar na situação de brigar por um objetivo. A medalha pode vir ou pode não vir, o que depende de uma série de circunstâncias. Você precisa trabalhar para estar no melhor possível. Quando eu comecei a carreira, nunca imaginei que conseguiria participar de tantas. Meu objetivo era participar de Atlanta e talvez de duas Olimpíadas. Estar na sexta eu considero um grande privilégio.
Solidão: o principal desafio de Scheidt no atual ciclo olímpico
O laser é um barco em que você não pode dividir as decisões como era no star. No star eu conversava muito com o Bruno sobre as manobras e a velocidade do nosso barco ou a tática da regata. O Bruno é um velejador muito experiente também, e eu perguntava sempre o que ele estava achando. Essa troca de informações. No laser, hoje em dia, tudo é você. Todas as decisões estão em cima de você. Muda, mas eu já tinha isso no meu instinto porque tinha velejado de laser antes. Foi praticamente pegar uma bicicleta de novo e voltar a pedalar. É uma coisa que vem instintivamente. O que a gente tenta fazer mais é essa troca de informações. Aqui no Rio a gente veleja em seis raias diferentes, mas quando vai para a água trabalha em apenas uma. Então, é conversar com outros atletas para saber quem foi aonde, o que aconteceu naquele dia com a corrente e com o evento, e assim montar uma base de dados. É importante tentar criar essas informações para conhecer bem a raia.
Isso é fundamental. Mesmo porque eu já velejo sozinho o dia inteiro. Então, quando você volta do treino é legal conversar com as pessoas e saber o que aconteceu em cada raia.
Baía de Guanabara não será um problema durante a Rio-2016, avalia Scheidt
É um assunto muito polêmico, esse. Acho que a gente não vai ter problemas nos Jogos e que o lixo flutuante, que é a principal preocupação para as regatas, como foi no evento-teste de 2015, vai ser retirado. Aí não vai haver nenhum problema de queda de rendimento dos barcos, o que é a maior preocupação. A despoluição completa da Baía de Guanabara, que é a maior preocupação, todo mundo sabe que não vai dar tempo. Já deveria ter começado há muitos anos e seria um legado para a cidade. Infelizmente isso não foi resolvido, mas o que a gente espera agora, chegando perto da Olimpíada, é que a gente tenha as competições justas e o fair play que o olimpismo prega. Que todos os atletas tenham condições iguais na disputa.
A violência, sim, é uma preocupação para Scheidt na Rio-2016
É uma cidade violenta, e é preciso ter cuidado para sair na rua – dependendo do horário e do local. É preciso ter algumas precauções no Rio de Janeiro. Felizmente, comigo nunca aconteceu nada. Espero que continue assim. Também espero que dê tudo certo e que a Olimpíada seja um sucesso.
Ser porta-bandeira? Acender a pira olímpica? Esses não são os objetivos de Scheidt
Não sei. Sei que estão me colocando nessa lista. Se acontecer, ótimo, uma honra maravilhosa, mas o Brasil tem tantos nomes, tanta gente tão vitoriosa, que qualquer um que for escolhido vai ser um bom representante. Se for, ótimo, emoção incrível. Mas eu não posso esquecer que meu objetivo é lá no meu barco, nas regatas, tentando encontrar a melhor Olimpíada possível.