Olimpíadas 2016

Fifa faz visita inesperada ao Brasil e expõe preocupação com a Rio-16

Daniel Marenco/Folhapress

Guilherme Costa e Vinicius Konchinski

Do UOL, no Rio de Janeiro

A Fifa está preocupada com a preparação do Brasil para receber as Olimpíadas de 2016, que serão realizadas no Rio de Janeiro. A entidade que comanda o futebol em âmbito mundial enviou no mês passado um comunicado oficial ao Comitê Organizador dos Jogos com uma série de cobranças a respeito dos torneios da modalidade. Não satisfeita com as respostas, agendou para esta semana (entre os dias 15 e 17) uma visita ao país para vistoriar in loco os locais que receberão a competição. A viagem de dirigentes da instituição é um capítulo importante num cenário de discussões cada vez mais frequentes com os responsáveis pela Rio-2016.

A lista de pontos em que Fifa e comitê divergem inclui aspectos fundamentais ao jogo, como a qualidade dos gramados, e questões como logística e estrutura oferecida às seleções. O torneio de futebol dos Jogos será disputado por 16 seleções na chave masculina e 12 na feminina, com duas sedes no Rio de Janeiro (Engenhão e Maracanã) e partidas espalhadas por outras cinco cidades (Belo Horizonte, Brasília, Manaus, Salvador e São Paulo).

No caso dos gramados, por exemplo, estádios que sediaram partidas da Copa do Mundo e não têm uso recorrente desde então, como Arena da Amazônia (Manaus) e Mané Garrincha (Brasília), são os que despertam mais preocupação por parte da Fifa. No Amazonas, o campo ficou quase 20 dias sem receber manutenção no fim do ano passado e foi acometido por uma infestação de lagartas. Houve uma reforma em janeiro, mas o estado ainda está bem distante do ideal. O mesmo vale para o palco da capital federal, alvo de críticas de jogadores e comissão técnica do Flamengo, que escolheu o local para receber alguns de seus compromissos no Campeonato Brasileiro. No dia 5 de junho, na derrota da equipe carioca por 2 a 1 para o Palmeiras, ainda era possível ver grande quantidade de areia para esconder falhas no solo.

A despeito de não ser usado de forma recorrente, o Mané Garrincha foi palco de duas das principais confusões entre torcedores em arquibancadas do Brasil nos últimos anos. Em 2013, houve conflito numa partida entre Vasco e Corinthians. Neste ano, pessoas que foram acompanhar uma partida entre Flamengo e Palmeiras também protagonizaram cenas de violência. No dia 8 de junho, alegando falta de condições mínimas de segurança, o STJD (Superior Tribunal de Justiça Desportiva) vetou o estádio para jogos de futebol por tempo indeterminado. O caso ainda não virou motivo de preocupação na Fifa, mas exemplifica o distanciamento entre as instituições: a menos de dois meses do início dos Jogos Olímpicos, o comitê organizador nem sequer notificou a entidade sobre a interdição de uma das arenas do torneio de futebol.

Entre os outros estádios, o caso mais complicado é o do Maracanã. Repetindo o que havia sido feito para a Copa do Mundo de 2014, os responsáveis pelo estádio carioca plantaram o gramado em uma fazenda para depois retirar placas de solo e transportar até a arena. O problema é que o piso que receberá partidas dos Jogos Olímpicos de 2016 não terá qualquer tipo de prova após o replantio – havia um evento-teste agendado para o fim de maio, mas o comitê organizador cancelou sem anuência da Fifa.

O Engenhão, outro estádio carioca que receberá o futebol na Rio-2016, também não vai ser testado para os Jogos. Esse é outro palco em que a Fifa cobra informações mais precisas sobre o gramado, mas há discussões sobre outros aspectos. Entre as que serão usadas neste ano, a arena é a única que não recebeu partidas da Copa do Mundo de 2014. Isso influencia em uma série de detalhes de operações.

Na Copa do Mundo, um evento da Fifa, a entidade era responsável por plantio, manutenção e apresentação dos gramados. A lógica é diferente na Rio-2016 – o comitê organizador é quem cuida dos campos. “Nós temos experiência. Já fizemos isso na Copa e apresentamos gramados de bom nível. Tenho certeza de que vai ser assim também agora”, disse Agberto Guimarães, diretor-executivo de esportes dos Jogos.

A passagem dos dirigentes da Fifa pelo Brasil será limitada ao Rio de Janeiro. A agenda tem uma série de reuniões com diferentes áreas do comitê organizador Rio-2016 e inspeções nos estádios da cidade, centros de treinamento e na fazenda em que estão as placas que formarão o gramado do Maracanã.

Discussões entre Fifa e Rio-2016 também incluem logística e chef de cozinha

A questão dos gramados, contudo, é apenas um dos pontos em que Fifa e Comitê Rio-2016 não têm falado a mesma língua. Existem discussões sobre aspectos logísticos e até a respeito do uso da cozinha em hotéis.

Nas sedes fora do Rio de Janeiro, ao contrário do que acontece em competições Fifa, o comitê organizador vai oferecer apenas um hotel para as seleções que quiserem acomodações oficiais. Portanto, delegações que não tiverem recursos ou não quiserem bancar seus próprios leitos terão de ficar nos mesmos locais e compartilhar a cozinha.

Essa questão criou um problema para seleções que costumam viajar com seus chefs. Como haverá apenas uma cozinha para dois times, o comitê organizador solicitou informações como restrições ou exigências gastronômicas das equipes classificadas. Essa saída foi reprovada pela maioria das delegações – consultados pelo UOL Esporte, os responsáveis pelos Jogos disseram que isso não difere da oferta da Vila Olímpica e que haverá opções culinárias adequadas a diferentes demandas e/ou paladares.

Outro motivo de discussão entre Fifa e comitê organizador nas sedes fora do Rio de Janeiro é a questão logística. Dois funcionários da Rio-2016 contaram ao UOL Esporte que os responsáveis pelas Olimpíadas prometeram voos fretados para outras cidades e que só assim conseguiram convencer a Fifa a incluir Manaus nos Jogos. Neste ano, porém, esse benefício foi deixado de lado. Como efeito, as delegações terão de viajar em aviões comerciais.

Os protocolos de segurança propostos pelo comitê organizador para jogos fora do Rio de Janeiro também foram rechaçados pela Fifa. Existe entre os responsáveis pelas Olimpíadas a ideia de economizar, decorrência de um corte drástico de custos realizado no ano passado, mas nem todos os itens suprimidos foram aprovados anteriormente com a entidade que comanda o futebol.

Relação conturbada com federações não é novidade na Rio-2016

As divergências com a Fifa não são novidade na preparação do Rio de Janeiro para receber os Jogos Olímpicos deste ano. Outras entidades de abrangência global, como a Fina (Federação internacional de esportes aquáticos) e a FEI (Federação internacional de esportes equestres) tiveram discussões internas que viraram conflitos abrangentes.

A FEI chegou a interromper o diálogo com o Comitê Rio-2016. A Fina, por outro lado, emitiu notas oficiais contra os organizadores dos Jogos e preferiu reclamar publicamente de uma série de aspectos que a entidade reprovou na estrutura de esportes aquáticos.

Por causa de episódios assim, o comitê organizador tem tratado com normalidade as cobranças mais fortes oriundas da Fifa. “Você sabe como são as federações. Eles exigem sempre o máximo, mas todo mundo aqui quer o melhor para os Jogos. Nós temos de conciliar as vontades e os desejos de uma série de federações de diferentes esportes”, ponderou Agberto.

Consultada pelo UOL Esporte, a Fifa disse que não vai se pronunciar sobre questões relacionadas aos Jogos antes do término da vistoria agendada para esta semana. No comitê organizador, dois funcionários disseram que a relação conflituosa com federações internacionais não é novidade e minimizaram as divergências com a entidade que comanda o futebol internacional.

A lógica dos responsáveis pela Rio-2016 é que todas as federações tentam emplacar no torneio um padrão similar ao que elas desenvolvem em eventos próprios, o que seria inviável numa competição com tantas modalidades e limite de recursos. Além disso, o comitê organizador atribui o "estranhamento" ao fato de entidades como a Fifa terem menos poder na organização dos Jogos. A entidade também pressionou autoridades locais na época da Copa do Mundo de 2014, mas havia uma diferença contundente de autonomia nesse caso.

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