Atleta brasileiro sem pernas descarta copiar trajetória de Pistorius para disputar Olimpíada

Bruno Freitas

Do UOL, em São Paulo

  • Leonardo Soares/UOL

    Alan Fonteles é esperança do Brasil em quatro provas dos Jogos Paraolímpicos de Londres 2012

    Alan Fonteles é esperança do Brasil em quatro provas dos Jogos Paraolímpicos de Londres 2012

O estádio Olímpico de Londres testemunhará um novo capítulo do esporte sendo escrito no começo de agosto, quando Oscar Pistorius disputar a prova dos 4x100 m usando próteses no lugar das pernas e competindo contra adversários sem nenhum tipo de deficiência. Semanas depois da agendada inédita façanha, o ídolo sul-africano voltará ao mesmo local para participar da Paraolimpíada, em evento que terá o brasileiro Alan Fonteles como um de seus principais rivais.

Aos 19 anos, o jovem Fonteles desponta como um sucessor de Pistorius, atleta que vem dominando as provas de velocidade do atletismo paraolímpico nos últimos anos e pleiteando uma oportunidade na "esfera olímpica". No entanto, apesar de admitir a inspiração no "revolucionário" sul-africano, o brasileiro descarta trilhar o mesmo caminho de busca de espaço em competição com adversários sem deficiência.  

"Eu já competi em competições convencionais, da Federação Paulista, já ganhei algumas baterias em minha prova. Mas eu não penso em chegar em uma Olimpíada, um Mundial. Ele (Pistorius) está superando os limites, fazendo o sonho de quebrar mais essa barreira. Mas os Jogos Paraolímpicos foram feitos para pessoas com algum tipo de deficiência. Por isso, não vejo motivo de querer ir para uma Olimpíada. Os Jogos Paraolímpicos já vêm separando essa parte do olímpico e do paraolímpico", disse Fonteles em entrevista ao UOL Esporte.

"Vai que um dia um olímpico queira disputar uma Paraolimpíada, aí vai ser uma turbulência muito grande. É um grande marco na história do atletismo [sobre a façanha Pistorius], mas não vejo fazendo isso na minha carreira", acrescenta o brasileiro.

PRÓTESES VÊM DA ISLÂNDIA

Há até poucos anos, nas vésperas dos Jogos de Pequim, Alan Fonteles não contava com próteses especiais para competição. Hoje em dia o atleta brasileiro usa material de ponta, feito de fibra de carbono e produzido na Islândia.

"Consegui próteses de correr em 2008, antes eu corria com próteses de madeira mesmo, de uso diário. Com a ajuda dos meus patrocinadores, eu tive essa possibilidade de correr com próteses de fibra de carbono", diz o jovem.

Fonteles usa a mesma prótese adotada pelo ídolo Pistorius e ganhará um novo modelo especialmente para os Jogos de Londres. Hoje em dia o brasileiro conta com um material para treinos e outro exclusivo para competição.

Alan será rival de Pistorius em quatro provas nos Jogos Paraolímpicos, com realização de 29 de agosto a 9 de setembro, em Londres. O brasileiro estará lado a lado com o ilustre atleta nos 100 m, 200 m e 400 m, além da disputa no revezamento 4x10 m. Ambos os velocistas integram a categoria T43, para biamputados, mas em razão da falta de adversários suficientes competem na T44, que conta com integrantes com deficiência unilateral.

O velocista já dividiu a raia com Pistorius em alguns eventos internacionais, como no Mundial de 2011 na Nova Zelândia.

O brasileiro Alan conta que, pelo fato de serem biamputados, compartilha com o sul-africano a dificuldade de ganhar velocidade na largada. Talvez a limitação em comum tenha aproximado os rivais, que desfrutam de uma relação de cordialidade fora das pistas.  

"Ele é um cara muito tranquilo. Admiro bastante a pessoa dele, me espelho nele como atleta e na pessoa que ele é. Ele conversa, tira brincadeiras. Ele é uma excelente pessoa e um excelente atleta também. Na pista é competição, mas fora a gente é amigos", conta.

Natural de Ananindeua, Estado do Pará, Alan Fonteles nasceu com uma falha congênita que não permitiu que suas pernas se desenvolvessem completamente - elas cresceram apenas até um pouco abaixo do joelho.

PISTORIUS: LONDRES COM CONVITE

O sul-africano Oscar Pistorius vai disputar os Jogos Olímpicos pela primeira vez. No começo de julho, o atleta biamputado foi convocado pela federação de atletismo de seu país para disputar o revezamento 4x400 m com a equipe vice-campeã mundial da prova.

A estreia na Olimpíada já poderia ter acontecido há quatro anos, mas na época Pistorius foi impedido porque alguns dirigentes esportivos consideravam que suas próteses flexíveis de fibra de carbono lhe davam vantagem sobre os rivais. O sul-africano então brigou na Justiça pelo direito de correr com elas, venceu a disputa e participou, no ano passado, do Mundial de atletismo em Daegu, na Coreia do Sul.

Neste evento, nos 400 m rasos, sua principal prova, Pistorius não chegou à final e passou sem se destacar. No revezamento, se meteu em uma polêmica. O biamputado ajudou a equipe da África do Sul a ir à decisão, mas foi cortado da prova principal. De fora, viu seus companheiros ficarem com a prata, e reclamou que, se o time tivesse repetido o tempo executado com ele na pista, teria levado o ouro.

Neste ano, a classificação para a Olimpíada foi complicada para o sul-africano. Em março, Pistorius conseguiu o índice dos 400 m, mas a federação de seu país exige que os atletas alcancem a marca duas vezes. O velocista chegou a ficar a 0s22 da meta estipulada, mas não repetiu o tempo de classificação. Assim, a vaga veio só através do convite para o revezamento.

Ainda menino, aos 8 anos, se interessou pelo atletismo quando viu na TV uma competição com o ex-velocista Robson Caetano em ação. Pouco depois o garoto conseguiu ingressar em uma equipe de treinos, a despeito de não contar com equipamento específico de esporte. Na época, o futuro rival de Oscar Pistorius precisava se adaptar à corrida com suas próteses de madeira.

Hoje Alan reside em São Caetano, conta com patrocinadores pessoais e foi abraçado pelo Comitê Paralímpico Brasileiro como um dos principais atletas da entidade. O jovem paraense leva na bagagem a Londres a experiência da precoce participação nos Jogos de Pequim, ainda aos 15 anos de idade, quando faturou a prata no revezamento 4x100 m.

O currículo de Fonteles ainda inclui o bicampeonato mundial juvenil nos EUA (100 m e 200 m) e a terceira colocação no Mundial da Nova Zelândia em 2011, nos 100 m, em prova vencida pelo colega Pistorius.

Em Londres, a meta de Alan Fonteles é conseguir medalha em uma das três provas individuais em que está classificado. O brasileiro diz que os tempos recentes dos 200 m e 400 m estão bem equilibrados, mas entrega um otimismo especial em relação à participação nos 100 m.

Mas, se hoje é um desafiante, em um cenário dominado pelo ídolo paraolímpico sul-africano, Fonteles se apoia na sua juventude e olha para os Jogos do Rio de Janeiro em 2016 com a meta de, quem sabe, ser o "próximo Pistorius".

"Dá para pensar [em dominar as provas de velocidade do atletismo paraolímpico]. Estou em busca de conseguir esse feito em 2012. Mas devo ser realista para 2016, dar uma ênfase de estar bem, bem melhor do que agora”, diz Fonteles. “Em 2016 quero colher bons frutos, e chegar também em 2020, 2024. Sou muito novo", conclui.

COMPARAÇÃO DAS MELHORES MARCAS DE FONTELES E PISTORIUS

Fonteles (de camiseta amarela) disputa prova com Pistorius (de verde) no Mundial 2011
OSCAR PISTORIUS ALAN FONTELES
100 m – 10s91 (recorde mundial)
200 m – 21s58 (recorde mundial)
400 m* – 47s49 (recorde mundial)
(fez 45s07 em evento de "atletismo olímpico")
100 m – 11s23
200 m – 22s45
400 m – 54s67

 

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