Herói olímpico vira PhD e diz que ciência pode reconduzir Brasil ao topo do salto triplo

Bruno Freitas

Do UOL, em São Carlos (SP)

  • Arquivo Folha

    Nelson Prudêncio usa experiência de medalhista olímpico em estudo acadêmico sobre o salto triplo

    Nelson Prudêncio usa experiência de medalhista olímpico em estudo acadêmico sobre o salto triplo

Espalhada pela mesa de Nelson Prudêncio no diretório de Educação Física da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), qualquer visitante observa sem muito esforço uma infinidade de títulos ligados ao atletismo, em português ou em língua estrangeira. Mesmo antes de discursar, em algo que faz com habilidade, o dono da sala não disfarça a obsessão pelo esporte. É lá dentro do ambiente acadêmico que o professor concilia as aulas aos mestrandos com o sonho de aplicar seu conhecimento na reconquista de espaço do país no salto triplo, modalidade que lhe deu duas medalhas olímpicas no passado.

Prata nos Jogos do México em 1968 e bronze em Munique em 1972, Prudêncio levou o que dominava da prática para a universidade. Em 2006, depois de uma pesquisa de cinco anos, concluiu a tese específica sobre a técnica do salto triplo, em trabalho que lhe conferiu o status de PhD  (título de doutor conferido ao mais alto grau acadêmico).

RECORDISTA POR ALGUNS MINUTOS

O ex-atleta Nelson Prudêncio foi um dos protagonistas de uma das finais mais equilibradas da história olímpica. A disputa pelo ouro na Cidade do México em 1968 teve nove quebras do recorde mundial em apenas quatro horas, no embate entre o futuro professor brasileiro, o soviético Viktor Saneyev e o italiano Giuseppe Gentile.

Na oportunidade, a marca subiu de 17,03 para 17,37 metros, mas, no desfecho, o melhor salto acabou sendo o do soviético Saneyev. Pouco antes, no entanto, Prudêncio havia alcançado 17,27 metros, desfrutando por alguns minutos a inesperada conquista do recorde mundial.

"Eu não estava preparado para aquilo. Pensei: 'quem sou eu para ser recordista mundial?'. Tinha ido lá para bater o recorde brasileiro, que era de 16,56 m. Desmoronei emocionalmente", relata Prudêncio, que tinha 24 anos na época.

No entanto,  diante do desejo de contribuir para que o país volte a figurar no topo da disputa internacional da modalidade, o status acadêmico pouco importa para o antigo triplista. Em três gerações seguidas, o Brasil conquistou seis medalhas olímpicas com Adhemar Ferreira da Silva, Nelson Prudêncio e João do Pulo. Mas a tradição nacional se retraiu - desde 1980 a nação não coloca um representante no pódio – e inspirou a batalha do professor universitário.

"Existe um hiato de 32 anos sem medalhas. Isso me motivou. A finalidade deste trabalho era essa, preencher esta lacuna. Tivemos uma série com o Adhemar, eu e o João Carlos, mas tudo produto do acaso. Nunca existiu uma sistematização", afirma Prudêncio, 68 anos.

"Que atleta conhece de bioquímica, biomecânica? Este trabalho funciona como um direcionamento. Cada prova tem sua demanda. Procurei deixar indicadores que possam contribuir para o rendimento do atleta", acrescenta o professor da UFSCar sobre a tese intitulada "Salto triplo: o sistema de preparação do desportista – da detecção à promoção do talento".

Décadas depois do êxito olímpico, o país ensaiou uma volta ao cenário do salto triplo com Jadel Gregório, representante do país nas Olimpíadas de Atenas-2004 e Pequim-2008. Para Londres, Jonathan  Henrique Silva vai aos Jogos com a marca de 17,39 m. O atleta mineiro é treinado por Nélio Moura, técnico que contribuiu para a coleta de informações de Nelson Prudêncio e que recebeu o material final para análise e eventual aplicação.

A bagagem de vida prática e teórica de Prudêncio é apresentada semanalmente aos alunos da UFSCar nas aulas de "Teorias do Treinamento Esportivo", para os alunos do 6º período, e na de "Fundamentos das Atividades Atléticas", a estudantes do 1º período. O ex-triplista ainda exerce o cargo de vice-presidente da CBAt (Confederação Brasileira de Atletismo).

SALTO TRIPLO - MEDALHAS DO PAÍS NAS OLIMPÍADAS

Ouro – Adhemar Ferreira da Silva – Helsinque-1952 Bronze – Nelson Prudêncio – Munique-1972
Ouro – Adhemar Ferreira da Silva – Melbourne-1956 Bronze – João do Pulo – Montreal-1976
Prata – Nelson Prudêncio – Cidade do México-1968 Bronze- João do Pulo – Moscou-1980

JOÃO DO PULO É "EXECUÇÃO PERFEITA DO TRIPLO"

A tese acadêmica de Nelson Prudêncio sobre o salto triplo identifica a técnica de João Carlos de Oliveira (o João do Pulo) como aquilo que mais se aproximou da perfeição nesta modalidade do atletismo.

Dentro da obra, Prudêncio usa sequências minuciosas de fotos de João do Pulo em ação e discorre sobre a eficiência do compatriota na transição do segundo para o terceiro salto. "O modelo de execução é João Carlos de Oliveira", diz o autor sobre o colega, morto em 1999.

Prudêncio celebra a menção da tese em um congresso recente em Coimbra, em Portugal, e espera que seu trabalho seja em breve disseminado na internet pela CBAt.

Obra de Nelson Prudêncio analisa técnica de salto de João do Pulo - Foto: Reprodução

 

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