Parceiro revela Scheidt perfeccionista, 'sono leve' e entrega superstição com peça de xadrez
Bruno Freitas
Do UOL, em São Paulo
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Arte UOL
Fênomeno precoce da vela, Scheidt conquista o mundo com perfeccionismo e alguma superstição
Dentre os atletas que vão a Londres representar o Brasil na Olimpíada, nenhum deles viaja com tanto favoritismo como o que paira sobre a dupla Robert Scheidt e Bruno Prada, dona de uma supremacia incontestável na classe Star nos últimos meses. A expectativa de ouro faz o timoneiro da parceria também acumular a pressão para voltar da Inglaterra como maior atleta brasileiro da história. Mas quem é este homem que se encontra tão perto de tocar a eternidade olímpica?
O país sabe que Robert Scheidt é um velejador com um currículo de dois ouros e duas pratas olímpicas, além de vários títulos mundiais (11 ao todo), entre disputas na Laser e na Star. Mas poucos conhecem tão bem a estrela da delegação brasileira em Londres quanto o proeiro que o acompanha durante horas nos mares de todo o mundo, o “escudeiro” do atleta que persegue o tri nas Olimpíadas, façanha inédita para o país.
A pedido do UOL Esporte, Bruno Prada relata abaixo jeito de ser e trabalhar, manias, predileções e até superstições do parceiro Scheidt, de 39 anos. O proeiro revela um companheiro "perfeccionista chato" em relação à embarcação e rotina de trabalho, um colega de sono sensível e um atleta acompanhado por superstições.
PERFECCIONISMO NOS AJUSTES DO BARCO
O nível de excelência que marca a carreira de Scheidt não seria alcançado sem uma dedicação quase obsessiva à estratégia de competição, seja no acompanhamento dos ajustes da embarcação ou no planejamento de treinos e viagens. Um exemplo recente foi o plano de usar todos os barcos disponíveis, de várias nacionalidades, antes de escolher um modelo americano para a Olimpíada. "Ele é perfeccionista, desde a escolha do equipamento, do treinamento. A palavra é metódico. Ele tem uma rotina muito bem planejada. Com certeza ele sabe o que vai fazer todos os dias até a Olimpíada. Até chega a ser chato às vezes, mas quem chega nesse nível precisa ser assim", diz Prada, junto com Scheidt desde 2001. |
AMIGO DO FENÔMENO DA VELA NA INFÂNCIA
Bruno e Robert se conhecem desde criança, na época em que competiam na classe Optimist, espécie de kart da vela, propícia a iniciantes. No entanto, os amigos não chegaram a ser rivais nas águas, em razão de Prada ser um pouco mais velho. Sendo assim, o futuro proeiro da Star testemunhou como poucos o desenvolvimento de um dos maiores velejadores da história.
"Comecei a velejar nos anos 80. A gente viajava junto. Não erámos rivais, tanto que nosso primeiro título foi junto. A gente ganhou junto um Sul-Americano de Optimist, em 1985 (em Algarrobo, no Chile), por equipes. Sou um ano e meio mais velho do que ele, então eu sempre acabava saindo de classes antes", conta Prada.
Depois da infância, Scheidt encaminhou sua carreira na Laser, enquanto que Prada foi para a Finn. Assim, virou um torcedor de carteirinha do amigo de São Paulo. "A gente sempre fazia churrasco nas conquistas dele. Mas aí foi ficando chato. A partir do sétimo ou oitavo (título mundial) a gente nem dava mais parabéns para ele, ficou muito rotineiro para ele. Mas sempre torci muito para ele", diz Bruno.
SORTE ATRAVÉS DE UMA PEÇA DE XADREZ, O CAVALO
Em 1983, em um passeio na praia em Florianópolis, Robert e o pai encontraram uma peça de xadrez. O pai apanhou o cavalinho preto e entregou ao filho, dizendo-lhe que traria sorte. Desde então o ídolo leva o pequeno material de madeira para os barcos nas competições. "Ele tem uma pecinha de xadrez que leva para o barco. É uma peça que o pai dele deu para ele", afirma Bruno Prada. Além do cavalo, Scheidt costumava depositar sua fé em uma correntinha, com crucifixo. Certa vez, durante a Olimpíada de Atlanta em 1996, o adorno se rompeu. Sabendo da importância da peça para o velejador, o técnico Cláudio Biekarck, emendou a corrente com um pedaço de fio dental. O brasileiro acabou levando o ouro na disputa da Laser naquele ano. |
CAMPEÃO TEM SONO LEVE E PRECISA DE SILÊNCIO ABSOLUTO
Com tantas horas juntos no acúmulo de trabalho no mar, Prada e Scheidt costumam manter uma certa distância na convivência em terra, em nome da saúde da relação profissional e pessoal. Tanto que evitam fazer refeições juntos. Quando pinta uma briga, os parceiros preferem resolver antes de dormir, para não levar a questão ao dia seguinte.
"A gente tem discussões pontuais. Na vela qualquer errinho pode custar uma regata. Mas a gente nunca vira um dia brigado, de cara virada", conta Bruno.
Scheidt ainda sofre com a vulnerabilidade do sono. O campeão precisa de silêncio absoluto e escuridão total para conseguir recarregar as energias durante a noite.
"A gente dorme em quarto separado. Ele tem uma sensibilidade muito grande para dormir. Qualquer coisinha acorda. Precisa estar tudo escuro, sem barulho. A gente passa o dia inteiro junto, das 8h da manhã às 8h da noite. Já é um desgaste muito grande. A gente nem come junto sempre. Temos uma convivência profissional. Nos encontramos na hora que precisa ir para a água, como se fosse um trabalho", relata.
PROVOCAÇÕES ENTRE SANTISTA E CORINTIANO
A convivência fora da água da dupla brasileira da Star ainda reserva um clima de provocação futebolística. Scheidt é santista, enquanto que Prada é um fanático corintiano. Cada um com sua paixão alvinegra guarda uma cutucada no amigo para momentos estratégicos. "Às vezes um sacaneia o outro, quando tem vitória, mas aí o perdedor fala: 'Nem estou acompanhando'", afirma Prada, que relata ser tão corintiano a ponto de fazer o cunhado italiano escolher o time do Parque São Jorge, ao invés da escolha óbvia pelo Palmeiras. De resto, Prada prefere TV e computador, enquanto que Scheidt se dedica aos livros: "Eu fico mais na internet, vendo coisas de trabalho, falando com a mulher pelo Skype. Vejo bastante esporte na TV. A gente passa muito tempo fora. Ele prefere ler, mas nada a ver com vela". |
HEGEMONIA SEM PRECEDENTES NA STAR
As atualizações mais recentes do ranking mundial destacam um domínio inédito na história da vela internacional. Em abril passado, Robert Scheidt e Bruno Prada comemoraram a façanha de liderar por 12 meses seguidos o ranking mundial, com vitórias em todas as competições válidas, em desempenho nunca antes exibido, mesmo em outras classes.
Junta desde abril de 2001, a dupla brasileira soma 52 títulos. Apenas de maio de 2011 para cá foram 12 conquistas, a última delas o Mundial de Star, em Hyères, na França.
Nesta semana, a dupla compete em Weymouth, palco das regatas olímpicas na Inglaterra, monitorada pelo técnico Luca Modena. Scheidt e Prada venceram os dois eventos que já disputaram no local.
Em Londres, os principais adversários dos tricampeões do mundo Scheidt e Prada (2007, 2011 e 2012) devem ser os atuais vencedores do ouro olímpico, os britânicos Ian Percy e Andrew Simpson, segundos no Mundial deste ano.
TORBEN É O HOMEM A SER ULTRAPASSADO NA HISTÓRIA OLÍMPICA
Com dois ouros e duas pratas (4 premiações no total), entre Laser e Star, Scheidt se torna o maior atleta olímpico do Brasil se faturar mais uma medalha. O velejador paulista tem a sua frente Torben Grael, da mesma modalidade, com currículo de dois ouros, uma prata e dois bronzes (5, ao todo).