Pugilista de 75 anos celebra filhos na Olimpíada e rejeita apelo familiar para parar de lutar

Bruno Freitas

Do UOL, em São Paulo

  • Arquivo pessoal

    Touro Moreno (esquerda) posa ao lado do filho, o pugilista olímpico Esquiva Falcão, e da esposa

    Touro Moreno (esquerda) posa ao lado do filho, o pugilista olímpico Esquiva Falcão, e da esposa

Ter um filho classificado para uma Olimpíada é um orgulho e tanto para qualquer pai, mas comemorar dois rebentos representando o país no maior evento de esportes do planeta é felicidade para poucos. Esta sensação tem sido vivida desde a última semana por Adegard Câmara Florentino, pugilista de 75 anos mais conhecido como Touro Moreno, um veterano que reluta em deixar os ringues que a família ama apesar da idade e dos apelos em casa.

FILHO MENOR TEM NOME DE LENDA CUBANA E TRABALHA PARA 2016

Yamaguchi (foto acima) e Esquiva estão classificados para os Jogos de Londres, mas Touro Moreno diz ainda segurar em casa a grande promessa da família. O jovem Estivan é treinado com a meta de representar o Brasil Rio em 2016.

Estivan luta na categoria até 56 kg e diz que o pai pega duro nos treinos em casa. Recentemente, o adolescente de 15 anos ganhou título brasileiro cadete, representando o Espírito Santo.

O nome do garoto saiu da cabeça de Touro Moreno em homenagem à lenda do boxe cubano Teófilo Stevenson, tricampeão olímpico de 1972 a 1980. "O cartório não quis registrar como Teofilo Steveson. Eu aceitei Estivan então", conta o pai apaixonado por pugilismo.

Touro Moreno é pai de Esquiva Falcão, brasileiro de 22 anos que se classificou para os Jogos de Londres no ano passado, com o bronze no Mundial do Azerbaijão na categoria até 75 kg. Na última semana, o irmão mais velho Yamaguchi Falcão (24 anos) também carimbou o passaporte, através do Pré-Olímpico do Rio de Janeiro, na disputa até 81 kg.

A classificação dupla celebra a antiga devoção que a família de Vitória presta ao boxe há décadas, em sentimento coletivo que encontra seu mentor em Touro Moreno. Foi o capixaba de 75 anos que arrastou quatro de seus nove filhos para a modalidade, treinando eles na academia improvisada no quintal de casa, onde esmurra uma bananeira para aprimorar socos. Ver um filho em uma Olimpíada era um sonho existente desde que os jovens Esquiva e Yamaguchi estavam no colo da mãe.

"Sem dúvida, são vitórias que nos trazem orgulho. Era uma coisa desejada. Pedi esses meninos desde que conheci minha mulher", diz Touro Moreno, sobre o sonho de ter filhos homens e de vê-los no ringue de uma Olimpíada.

"Eles começaram no nascimento. A primeira brincadeira que eu fazia com eles era colocar a mãozinha junto ao peito da mãe, fazendo pow-pow! Eles não sabem fazer mais nada na vida, só ser humilde e lutar", descreve o pai dos atletas olímpicos do boxe.

Paralelamente à vida de pai de atleta olímpico, Touro Moreno se mantém na ativa como pugilistas, com combates esporádicos com atletas bem mais novos, geralmente contra adversários na casa dos 40 anos, em eventos que costumam ter destaque no Espírito Santo. Mas, preocupados com a saúde do pai, Yamaguchi e Esquiva têm pedido para que a paixão pelo boxe deixe os ringues e fique restrita à torcida. No entanto, convicto junto a seus argumentos, o velho anfitrião da família se recusa a parar.

EDER JOFRE RECUSA EXIBIÇÃO

Recentemente, Touro Moreno fez um desafio público ao ex-campeão mundial Eder Jofre. O pugilista de 75 anos convidou o antigo dono dos cinturões dos galos e dos penas para uma exibição. No entanto, entrevistado pela TV Globo, o ídolo do boxe brasileiro recusou o convite.

"Desafiei o Eder para fazer luta de exibição, mas ele não concordou, me ignorou, falou que um iria matar o outro. Queria trazer ele para o Espírito Santo, que não conhece Eder Jofre", comenta Touro Moreno sobre o episódio.

"Condição ele tem, luta até hoje. Mas eu não apoio mais, principalmente naquela idade. Mas é a vontade dele, o desejo dele. Quem sou eu para dizer o que ele deve fazer?", comenta o filho Yamagushi, mais velho entre os irmãos pugilistas. 

"Eles falam que eu deveria parar. Só terminou quando eu não tiver mais condições. Ainda corro meus 10 km, faço 10 minutos de saco, sparing. Se não tiver mais condições de caminhar, aí eu paro. Mas estou com uma boa saúde. Nunca tive problema de médico", rebate Touro Moreno, que no ano passado nocauteou um oponente na casa dos 50 anos em combate mais recente.

Polêmica familiar à parte, o pai de Yamaguchi e Esquiva diz que confia nos técnicos da seleção brasileira, mas manifesta a intenção de trabalhar seus filhos individualmente para Londres. O mais novo acaba de passar uns dias na casa da família em Vitória. Mais adiante será a vez do primogênito.

"Se eu pudesse ficar 30 dias em Londres com certeza um deles traria a medalha, pelo menos um. O Yamaguchi vai passar um tempo aqui em Vitória e vamos acabar de lapidar o treinamento", afirma. 

A lenda em torno de Touro Moreno no Espírito Santo nasceu na década de 60, depois de um empate em luta com Waldemar Santana, famoso por derrotar anos antes Helio Gracie, lenda do vale-tudo nacional, considerado um dos inventores do jiu-jitsu brasileiro.

O pai da dupla olímpica de 2012 diz que acabou no boxe porque não encontrava adversários à altura no Espírito Santo, entre os adeptos do vale-tudo, na época de juventude.

Mais adiante, Touro Moreno enfrentou dificuldades financeiras, acabou morando embaixo da ponte com a família e chegou a cometer pequenos furtos para poder alimentar os filhos. Hoje, diz que os tempos de penúria financeira ficaram para trás. "Está melhor. Acho que estou na terceira marcha, mas vou chegar à quinta marcha", diz.

VETERANO DE 75 ANOS INSPIRA DOCUMENTÁRIO

Uma bananeira no quintal de Touro Moreno será uma das atrações de um documentário a respeito do veterano. É ela que fornece banana prata para a dieta do pugilista e que também serve como utensílio de treino de socos, por ser "macia e fazer o vai-e-vem".

Os irmãos cineastas Juliano Enrico e Federico Nicolai vêm acompanhando o lutador desde 2005 (já lançaram um trabalho prévio dois anos depois) e preparam o filme "O último round de Touro Moreno", com histórias como a de quando o capixaba arrumou briga com 20 marinheiros em uma casa de diversão adulta.

A lenda conta que, como vingança, os rivais marinheiros teriam matado o amigo Yamaguchi, dono de uma academia. Touro Moreno então decidiu batizar um de seus filhos com o nome do colega assassinado.

 

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